sexta-feira, dezembro 09, 2016

Reencontro com Idanha

Naquele domingo de dezembro o sol envergonhado convocava-me para um passeio longe das rotinas e do quotidiano dos dias. Enquanto o grupo acompanhava a partida de futebol que opunha o Fundão ao Idanhense fiz-me ao caminho e andei a pé até ao centro de Idanha-a-Nova. A primeira paragem foi no Centro Cultural Raiano mas antes descobri como a geografia urbana da sede de concelho tinha crescido e sido acompanhada pela construção de novas infraestruturas de apoio à prática desportiva e de lazer.

A primeira surpresa ocorreu quando o jardim com equipamentos para a manutenção do corpo e da mente, instalado perto do novo hotel Estrela de Idanha, me pareceu pouco ou nada frequentado. Um excelente espaço de lazer que tantas pessoas gostariam de ter no seu bairro e na aldeia mas que em Idanha-a-Nova parece ter pouca procura.
Talvez o frio de dezembro não seja convidativo. Talvez as pessoas vão ao ginásio amiúde. Talvez não haja pessoas que gostem da prática de exercício físico.
Mas há pessoas? Se a área urbana cresceu é porque o número de famílias também aumentou.
Mas e então onde estão as pessoas?

Na tarde em que as avenidas de Idanha se apresentavam desertas e em que os bairros se caracterizavam pela calmaria de uma tarde sem movida até me foi difícil encontrar um espaço de cafetaria aberto. Mais depressa tropecei numa loja made in China. Pudera, estão em todo o lado e nas cidades mais populosas até vão aparecendo os China Shopping!

O périplo continuou e lá atrás soube bem observar que o Baroa, referência local gastronómica, continua de portas abertas e por certo a fazer as delícias de quem gosta de uma boa mesa.

Mas voltemos ao Centro Cultural Raiano, espaço de cultura inaugurado por Jorge Sampaio na década de 90 do século XX. Ponto de encontro com a cultura transfronteiriça. Porta de entrada para a experimentação e visitação de culturas oriundas dos dois lados da fronteira.
A sala que marcou um território e uma geração de políticos e fazedores de coisas foi financiada pelo Interreg II e só por isso já era o garante de que o espaço haveria de continuar a seu o laboratório e ideário de agentes e pessoas de Portugal e de Espanha.

Foi a pensar nessa memória e na história do quotidiano de outrora que entrei no Centro Cultural Raiano para observar exposições e dinâmicas à volta do território.
A escassez de pessoas que caracterizava a vila na tarde de domingo era também uma realidade num espaço cultural onde “há dias em que o número de visitantes é de um ou às vezes nem vem ninguém”, descreve a rececionista e guia da sala onde permanece uma exposição sobre agricultura.

Na sala de visitas da Raia não havia apenas a demonstração das artes e ofícios à volta da Campina mas também uma exposição fotográfica sobre o Património de Proença-a-Velha. É então que a profissional de serviço no Centro Cultural se lamenta quanto à falta de adesão dos locais às mostras que presentemente ali acontecem. “Talvez por já conhecerem as nossas tradições vêm pouco e não ligam, já estão habituadas”, diz.

Solícita e empenhada, a mesma profissional entra na conversa da visitante e admite que a frequência de público é hoje em dia “menos regular e numerosa”. “Tem dias!”, diz-nos quem nos relata a enchente do dia anterior pois “houve aqui um encontro de tunas” ou recorda o tempo em que o Inatel enviava frequentemente turistas para a capital da raia em Portugal.

No mesmo instante oferece-me um exemplar da ADUFE – Magazine Cultural editada pelo Município de Idanha. Uma publicação excelente e diferenciadora de tudo o que existe em matéria de agendas culturais municipais. 

A ADUFE transporta o leitor muito para além da oferta cultural. A publicação dirigida pela Divisão de Cultura do Município de Idanha-a-Nova é um roteiro sobre figuras marcantes da região (desta vez o destaque vai para Ribeiro Sanches ou para uma entrevista ao Ministro da Cultura Luís Filipe de Castro Mendes que é natural de Idanha), lugares e gente profundamente conhecedora da nossa geografia usos e costumes. Neste particular merece ênfase o relevo dado a Toulões ou à narrativa que destaca a verdadeira guardiã da história de Penha Garcia. 

A beleza das paisagens contrasta com o ceticismo dos dias em que nos damos conta de como a falta de gente pode “matar” uma terra, um destino, uma região. A desertificação é, aliás, uma realidade que marca os discursos de quem já na década de 90 – Joaquim Morão, autarca com obra feita e reconhecimento aqui e além-fronteiras é uma dessas vozes que nunca se cansa de colocar o dedo na ferida e ao mesmo tempo contagiar tantos e mais uns com esse apelo maior para que ninguém esqueça o Interior - defendia a necessidade de atrair investimentos à campina.

Mas os anos passaram, foram concretizadas obras, o ensino superior manteve-se, o município apostou no turismo e em projetos para a fixação de pessoas e aproveitamento dos campos mas nem assim se estanca a desertificação humana. Diante esta realidade cruel haverá Missão de Valorização do Interior que nos valha?


terça-feira, novembro 29, 2016

Gestos e Afetos

No outro dia fomos visitar o João. Não nos víamos há algum tempo e com o avanço da idade dos Martins ganhamos consciência de que temos de estar mais presentes.
Há um tempo em que a magia dos afetos nos convoca a conhecer pessoas. 
Muitas Pessoas! 
Convencemo-nos que temos muitos amigos e gerimos as nossas rotinas em função do convívio e partilha com esses tantos e muitos amigos.
Mas a vida muda, tornamo-nos mais maduros, perdemos alguma paciência e tornamo-nos mais seletivos. Às vezes selecionamos tanto que nos tornamos seres egoístas e pouco disponíveis para o outro.
Em boa verdade essa realidade e tendência a mantermo-nos na zona de conforto também resulta das desilusões e de observarmos a forma desapegada que caracteriza a relação entre pares. É como se estivéssemos dentro de quatro linhas e cada passo fosse uma espécie de jogada na defensiva! E essa autoproteção resulta, quase sempre, no início de um processo de isolamento que cria uma certa exclusão entre pares.
Mas não é o desalento quanto à natureza e afetuosidade das relações que aqui pretendo escrever.
Afinal o mote para esta narrativa foi a visita ao João Martins.




O João completou 90 Primaveras e era dos melhores e mais desinteressados amigos do meu Pai. Viu-me crescer, era visita regular a nossa casa na serra da Gardunha. Acompanhou o meu crescimento e conhecia o João Gabriel desde sempre. Todos os anos voltava à Gardunha e fazia-se acompanhar de um punhado de amigos. Durante um tempo o casal Martins e esses outros amigos passaram a ser nossos amigos também. Aquelas pessoas finas, bem-postas e muito educadas - como de forma simplista a minha saudosa mãe caracteriza os Martins e seus amigos - chegaram a acampar nas imediações da Casa Florestal de Castelo Novo!

Naqueles anos ainda não havia o conceito de Turismo na Natureza e a Gardunha também não dispunha de um Glamping Natura. Mas os Martins que deixavam a geografia do mar aviavam-se em terra para, comodamente, se instalarem na serra. Esse jardim natural cujo foco de maior beleza eram os cedros sob os quais existiam as mesas hexagonal e retangular com bancos de granito à volta e que a cada dia de Verão eram bastante procurados pelos turistas!

Mas voltando ao João Martins. Esse Amigo que me viu crescer e acompanhou o avanço da idade de meu pai, a perda de minha mãe, a minha ida para a escola, o primeiro emprego e o jornalismo. O casamento e o nascimento de meus filhos….
O João é hoje o mesmo homem charmoso e inteligente, brincalhão e amigo do coração, mas está perder energia. 
Há dias, nessa tal visita improvisada, que nasceu de um forte aperto no meu coração, encontrei-o menos alegre, para não escrever triste. Encontrei-o acabrunhado e desiludido com as consequências do avanço da idade.
Em boa verdade o João cabisbaixo que eu visitei este novembro é também um homem desiludido com a vida e com os amigos que ainda estão nesta vida. O João que há muitos anos visitava a Beira Baixa uma a duas vezes por ano para levar cerejas do Fundão, azeites, queijo, azeitonas e enchidos da Beira deixou de vir amiúde. Passou a vir mais espaçadamente. E ultimamente já nem vem!
Deixou de conduzir. Entregou-se á dependência! E embora continue a caminhar pela cidade de Lisboa, o homem que adora mar e peixe fresco de Setúbal há muito que se desfez da casa localizada mais perto desse horizonte de memórias povoadas da imensidão do mar que é como quem diz da plenitude da amizade e dessa grandiosidade, às vezes finita, dos afetos.

E é diante tamanha circunstância que o João e outros como ele se dão conta de como a amizade é afinal algo que pode ter os dias contados. E quando assim acontece, seja por via da finitude do Ser seja por outras razões que a realidade ainda não partilhou connosco, sentimo-nos mais sós. Foi essa realidade que pude observar na tranquila e melancólica manhã de Outono quando a cara-metade do João, de lágrima nos olhos, me segredava: Estamos sós. Cada vez mais só.
Aquele instante caiu-me no coração como flecha que deixa marca e domina-me o pensamento. Faz-me pensar noutros passos, pessoas e circunstâncias que de igual forma me magoam e fazem pensar nas muitas pessoas que ao longo de uma parte da vida se cruzaram comigo e subitamente perderam o meu contacto telefónico.

Preocupa-me este modo de ser e estar e na busca incessante por uma explicação que atenue a minha dúvida lembro um poema de Vinícius de Morais sobre a Amizade que evoca a singularidade do Ser.
Esse bicho, tantas vezes incompreendido!
E diz assim:
(…) Um Bicho igual a mim
Simples e humano
Sabendo-se mover
E comover
E a disfarçar com o meu (seu) próprio engano.

Seja como for o importante é constatarmos que ao longo da caminhada nos fomos cruzando com outros bichos, às vezes ingénuos, capazes de acreditar que o verbo pode dar lugar ao gesto.

Querido João e Mariette, nós -  os Gabriel de Matos - estamos sempre aqui para continuar a mimar-vos com um sorriso franco e farto ou com as couves da Tapada do Caldudo que desta vez ficaram no Fundão. 
“Foi pena que assim tenha acontecido, pois quando te vi entrar logo pensei em cozinhar as couves do Fundão”, disse o João que gosta de enviar flores e postais,  ainda escreve cartas e muitas vezes brinda a minha Leonor com o desenho, postal ou fotografia de um golfinho. 
Sim o João adora fotografia e ao longo da vida tirou-me muitas das fotografias que hoje enriquecem o baú da memória. 
Obrigada João! 

quarta-feira, novembro 16, 2016

Em Memória de um Guardião

Quando nos despedimos de um fiel depositário da memória sentimos nostalgia mas também insegurança e fragilidade.
Ontem partiu um guardião da memória e das boas práticas das Obras de Misericórdia. Um homem com um enorme sentido de responsabilidade e apego às causas e dores de uma das mais nobres instituições do Fundão.
Eurico Ramos, irmão da Misericórdia do Fundão desde novembro de 1971. 


Conheci-o há muitos anos. Poderei dizer que o percurso do irmão e dirigente da Santa Casa da Misericórdia do Fundão se cruzou com o da jornalista em mais de duas décadas. Eurico Ramos era um homem cordial e compreensivo.
Mesmo em tempo de "guerras" e dificuldades de maior nunca lhe ouvi uma resposta torta ou uma observação menos própria, narrativa tão comum quando o jornalista quer ir além do óbvio.
Quis o destino que um dia me cruzasse e privasse com o senhor Eurico Ramos numa outra condição. A de colaboradora da Instituição onde Eurico Ramos era dirigente.
Foi durante este tempo que me dei conta de como Eurico Ramos nos observava sem qualquer tipo de sobranceria. Não havia dia, enquanto a saúde lhe o permitiu, que não viesse à Misericórdia deixar um sorriso e demonstrar inequívocos sinais de empenho e dedicação à organização onde esteve ligado mais de quarenta anos.
Ouvi na Rádio uma declaração pública do Provedor da Santa Casa em que Jorge Gaspar manifestava sentido pesar pela perda de um dos mais empenhados e abnegados irmãos da Misericórdia do Fundão. Uma observação perfeita e bem ilustrativa sobre alguém que de forma zelosa cuidava da memória, das tradições e do culto da Santa Casa.  Uma realidade que pude constatar nos anos em que apreendi um bocadinho da experiência de Eurico Ramos na construção e caminhada de cada uma das edições da Semana Santa no Fundão. Um dos mais respeitosos e enriquecedores momentos anuais da vida da Santa Casa começava a ser preparado muitas semanas antes. Eurico Ramos ficava dias agarrado ao telefone e estabelecia contatos, construía pontes e envolvia a comunidade nas tradições Quaresmais. Também no âmbito do culto e das obrigações da Irmandade, plasmadas no livro do Compromissso da Santa Casa, Eurico Ramos recordava com entusiasmo os antepassados da visita dos irmãos aos doentes. Ajudava a identificar as campas dos irmãos falecidos e dava sempre o seu contributo no sentido de nos esclarecer, aos mais jovens colaboradores da Misericórdia, como deveríamos agarrar as situações e proteger a memória coletiva.
Depois, havia o Museu e uma quase ligação umbilical à geografia e história secular da instituição. Os cortejos de oferendas para a construção do hospital do Fundão. Tantas memórias! Tanto saber acumulado. Um dia escrevi que Eurico Ramos era o Guardador de Memórias. De facto a Santa Casa do Fundão e os seus colaboradores estão mais pobres com a partida do fiel depositário da história da Misericórdia. 





quarta-feira, setembro 28, 2016

Guardiões do Pintor

Os Traços de união do pintor das paisagens da Gardunha e da Raia também conhecido como pintor doa afectos fizeram-se ouvir numa tertúlia à volta da vida e obra de Barata Moura.


Foi há dias numa sessão integrada nas Jornadas Europeias do Património que também aconteceram no Fundão, um dos territórios da geografia de afectos do pintor falecido em dezembro de 2011. Meses depois de uma comunidade inteira ter festejado o centenário do artista que sempre engrandeceu os Bombeiros Voluntários do Fundão e todas as organizações e pessoas que no percurso de homem bom se cruzaram com o artista.

Barata Moura costumava ficar com os olhos rasos de água e às vezes quando falava do seu Fundão o olhar também se iluminava. 

Quase cinco anos depois do desaparecimento do pintor das paisagens e pelourinhos da Beira Baixa, o Museu Arqueológico Municipal do Fundão  juntou alguns amigos e conhecedores da obra que é uma espécie de puzzle ou traço de união entre territórios da Beira Baixa, região que muito enriquece as muitas dezenas de quadros espalhados por aldeias e cidades da região.

São essas obras que daqui a algum tempo poderão ficar reunidas num espaço museológico que Castelo Novo reclama e que, a fazer fé nas intenções e promessas autárquicas, será uma realidade.

Na mesa-redonda dedicada a Barata Moura merece especial ênfase a intervenção de Silva Amaro, o pintor cujo ofício descobriu inspirando-se no “Mestre Barata Moura”. "Não escondo que Barata Moura foi determinante na minha carreira de pintor. Os meus quadros pretendem homenagear e respeitar a memória de um homem bastante generoso. Um homem de palavra. Coisa rara nos tempos que correm", disse Silva Amaro.


domingo, setembro 25, 2016

Encontro com D.Dinis

As "Muralhas com História" da aldeia histórica de Sortelha no concelho do Sabugal receberam por estes dias uma centena de figurantes que, com um verdadeiro espírito trovadoresco, permitiram aos visitantes recuar aos séculos XIII e XIV.
Aconteceu na edição VI da Feira Medieval organizada pelo município local e cujo mote foi exactamente a história que se esconde na muralhada e bela Sortelha.
E foi uma feira bastante rica em cenários e encenação e cujos figurantes, decoração das casas e tascas temáticas nos transportaram para as vivências da época.
Entrar na aldeia muralhada e darmos-nos conta da explosão de vida e animação sem esquecer Dom Dinis, Rei Trovador e Lavrador é mais que uma viagem à já de si ímpar e imponente Sortelha. 

Há festas e festas e por estas bandas não faltam municípios a recorrer à criatividade da vizinhança para se lançarem em hipotéticas inovações que mais cedo ou mais tarde se esgotam ou passam a ser ponto de encontro para comes e bebes ou discotecas ao ar livre.
 Saibamos então, pelo menos,  tirar partido da essência e beber todo o processo criativo. Uma vez apreendida a metodologia de trabalho  tornar-se-à mais fácil fazer mais e melhor.
E em Sortelha faz-se bem! 

É salutar quando o passeio  nos garante que demos por bem empregue as horas passadas no contacto com locais e transeuntes. Gente de todo o lado, espanhóis também, satisfeita com a as recriações históricas,  mercado da época, tabernas, animação, torneios a cavalo, demonstrações de artes e ofícios. 
A concretização de um acampamento militar, os jogos medievais e os espetáculos de qualidade como os Galandum Galundaina ,https://www.youtube.com/watch?v=O8HQb8FAWQM, são bem demonstrativos de como havendo estratégia e inovação se torna mais fácil recriar com êxito.

Foi bonita a festa pá!

sexta-feira, setembro 23, 2016

After Eight na Quinta


Iniciar a manhã numa visita à Quinta Pedagógica do Fundão, quando ainda está fresquinho e as temperaturas de um primeiro dia de Outono traduzem a mansidão do tempo pode ser mais que isso.

Os olhos fixam-se no jardim das ervas aromáticas mas rapidamente se desconcentram. 
O olfato saboreia um estranho mas intensamente fresco cheiro a hortelã chocolate.

Lembra-se do sabor dos after eight? 
É muito mais intenso.

Observamos a paisagem e nem queremos acreditar que a Quinta Pedagógica do Fundão fica mesmo no sopé da Gardunha. Não tarda o verde, que torna fresco o postal do Fundão, dará lugar a uma enriquecedora paleta de cores castanhas, amareladas e laranja...

A beleza da Quinta, que a Misericórdia do Fundão em boa hora abriu na capital da cereja ,ganha ainda mais vigor com as vistas de um horizonte dourado e poderosamente inspirador.

Inspiradoras são as visitas à Quinta. Ao que sei o espaço é bastante procurado por estabelecimentos de ensino de todo o país. Mas é também um laboratório de experiências ao ar livre para as crianças das escolas do Fundão e do jardim-de-infância da Santa Casa da Misericórdia.

Dizem-me que por estas bandas também há dinâmicas para os mais velhos. Até quem tem dificuldades de locomoção se diverte neste paraíso entre a Gardunha e a cidade do Fundão. E na quinta revivem as práticas do oficio que outrora os ocupou nos campos da Beira.

Na manhã em que estive na Quinta Pedagógica do Fundão a mesma estava a ser visitada por dezenas de crianças que ora se divertiam com as histórias à volta da vida animal, ora andavam de burro ou apanhavam chás e ervas aromáticas.

Num ambiente natural e de constante contacto com a terra, o visitante é convidado a descobrir as culturas e a fruta da época. As aves e outros vivos que dão cor e vida à Quinta.

Foi nesse instante de alegria e descoberta que também eu descobri o cheiro da hortelã chocolate. O perfume agarrou-se às mãos. O cheiro entrou-me pelo nariz e alojou-se na garganta.

E eis que me ocorre cantarolar aquela canção da Viviane  e diz assim:

Esse perfume me persegue...quente, forte e subtil
Passeia por mim livremente...como se fosse gentil
Se me aparece de repente...inspiro-o profundamente

Para desvendá-lo, para decifrá-lo, queria agarrá-lo...
Queria agarrá-lo, metê-lo no meu frasco, fechá-lo bem p'ra não fugir...

Mas ele insiste, ele insiste...
brinca comigo devagar

Leva-me à minha memória...
convida-me a divagar
Queria agarrá-lo, metê-lo no meu frasco, fechá-lo bem p'ra não fugir...
P'ra não fugir... 
https://www.youtube.com/watch?v=88RlFTCuGrY

terça-feira, agosto 09, 2016

ESTE – A Companhia que não vai de férias

Já perdi a conta ao número de edições do Teatro_Agosto - Festival Internacional de Teatro ao Ar Livre que se realiza no Fundão no mês em que o país para e toda a gente se abeira da frescura do mar.

Quando nasceu, o Teatro_Agosto,  foi encarado pelos mais céticos como uma aposta cultural a prazo. Mesmo no meio cultural poucos acreditavam que a qualidade dos espetáculos de teatro, música e as master classes fossem suficientemente atraentes para afirmar a programação milimetricamente pensada pela ESTE- Estação Teatral.

Enganaram-se! 

O Teatro_Agosto está aí para continuar a afirmar o Fundão como cidade de pequena dimensão mas cheia de pujança em oferta cultural.

Uma noite destas, numa daquelas conversas para socializar e atualizar a informação que não entra na rotina das partilhas, foi encantador observar o brilhozinho no olhar do Alexandre Barata - a par do Nuno Pino Custódio, é alma da ESTE - quando partilhava, orgulhoso, o programa do Festival que se inicia no dia 19 de agosto.

De facto a companhia de teatro que resiste à falta de uma sede social e se adapta a novos constrangimentos só pode orgulhar-se do percurso. Não estarei enganada se sublinhar os mais de dez anos de um percurso artístico que centrou o Fundão no mapa da oferta de teatro e deu a esta cidade um lugar cimeiro na programação cultural de Verão.

Enquanto o país se reúne a sul e se envolve no turismo de massas, nós por cá acolhemos um senhor Festival.


E a programação promete! 

22 espetáculos de música, teatro, ilusionismo, cinema e animação de rua. 
A animação pelas ruas da cidade irá, aliás, enriquecer um outro evento cultural (O Cale) que arranca já nos próximos dias. 

Na componente cinematográfica o Teatro_ Agosto permitirá observar várias curtas-metragens produzidas e realizadas por estudantes de cinema da Universidade da Beira Interior.  

A apresentação (dia 25 de agosto) da peça “Bamba Vamba Wamba”, que a ESTE estreou recentemente, será um dos momentos do Festival que volta a trazer ao Fundão o consagrado ator internacional Leo Bassi. 
Além de apresentar (dia 28 de agosto) “the best of Bassi”, Leo Bassi será responsável pela realização de uma master classe “que está esgotada desde a primeira hora”, dizia-me Alexandre Barata. 

Atenção redobrada merecerá, estou segura, a apresentação (dia 21 de agosto) de “Lullaby”  por Cão à Chuva com Rui Paixão que fará parte do elenco da nova vaga de representações do afamado Cirque du Soleil. 
Ao todo serão dez dias de espetáculos cujo epicentro será a Moagem-Cidade do Engenho e das Artes no Fundão mas com extensões no Alcaide e Silvares (Fundão) e em Castelo Branco. Consulte a programação http://esteteatro.com/page/teatroagosto-2016


segunda-feira, agosto 01, 2016

Quando a Música é uma Brisa de Verão

Terminou mais uma edição do Festival de Música Antiga de Castelo Novo. Um evento diferenciador que em boa hora  Vítor Martins e Pedro Rafael Costa trouxeram para a Aldeia Histórica do concelho do Fundão. A concepção e produção do Festival é assinada pelo Município do Fundão.

É uma ideia muito feliz. Espero que se repita por muitos Verões, estações, momentos e ocasiões.

Às vezes, muitas vezes, bastam as conversas - de preferência se forem como as cerejas - para fazer acontecer e romper com a monotonia dos dias.

Encravada na encosta da Gardunha, Castelo Novo é uma dessas raras jóias do Património da nossa Beira e do país do bom sol e das tradições que nunca morrem. Mas essa geografia nem sempre é suficiente para concretizar sonhos e fazer da vontade uma narrativa com final feliz.
Felizmente há os entusiastas. Homens e mulheres capazes de arregaçar as mangas, bater a todas as portas e fazer acontecer.

O Festival de Música Antiga de Castelo Novo vai na IV edição. Penitencio-me por ter demorado tanto tempo a observá-lo e a deixar-me voar pela sonoridades dos séculos XVI, XVII e XVIII.

Desta vez consegui dizer presente.  Não posso deixar de parabenizar Vítor Martins, um ilustre cidadão de Castelo Novo, e Pedro Rafael Costa, um homem da rádio que se rendeu a Castelo Novo (quem não se rende?) e que com a ajuda do Município do Fundão e da Rede de Aldeias Históricas de Portugal conseguiram realizar "Ventos Nocturnos"

O nome do Festival não poderia ser mais bem escolhido pois as noites imensamente quentes requerem uma brisa e algo que nos faça despertar os sentidos e viajar....viajar...até onde a mente alcança.

O Festival de Música Antiga de Castelo Novo que levou àquela aldeia a soprano Ana Paula Russo e a mezzo soprano e criativa cantora de música antiga Maria Jonas foi essa lufada de ar fresco com sabor a banho refrescante de cultura. 

Aquele espetáculo da dança barroca que nos transportou para a obra de Sebastian Bach foi excepcional. 
A abertura "com chave de ouro" do Festival aconteceu  no jardim da Quinta do Alardo. Um espaço emblemático da freguesia. Um belíssimo jardim onde ainda é possível observar o património da Quinta do Alardo. Era de noite e não se viam as flores mas os cedros e as marcas de um jardim romântico acrescentaram beleza à Suite Orquestral majestosamente dançada  por um corpo de bailarinos (as) cuja a coreografia foi assinada por Isabel Gonzaga.

O segundo espetáculo a que assisti foi igualmente belo e diferenciador. Aquela viagem sonora e visual ao universo medieval e as cantigas de amigo interpretadas pela Maria Jonas acompanhada pela percussão, guiterne e flautas transversais foi encantadora.

Nota ainda para as explicações prévias de cada espetáculo, um enquadramento histórico notável que ajuda a formar públicos e nos transporta para um tempo e um espaço quantas vezes inimagináveis mas que nos aguçam o apetite para uma nova jornada de descoberta da música e da riqueza dos nossos antepassados.

O Festival de Música Antiga foi, pois,  uma intensa e introspectiva brisa de Verão. 
Venha o próximo e que na próxima edição consigamos cativar mais jovens por forma a que também eles possam observar a história muito para além dos bancos da escola ou da faculdade.

Obrigada pela cumplicidade!


segunda-feira, julho 25, 2016

Uma senhora Malha

Sobral de São Miguel, concelho da Covilhã, já não é só praia fluvial e xisto.
O Sobral também é saber fazer e recriar.

Este dia fui convocada para observar o Xistrilhos - iniciativa de Verão para animar a freguesia que faz parte da Rede das Aldeias do Xisto de Portugal. Disseram-me que logo pela manhã haveria uma caminhada serra acima e com direito a observar a frescura das paisagens encravadas nas serranias.

Mas o que me despertou os sentidos foi a realização da malha do trigo.
Tarefa árdua que só os mais afoitos conseguem concretizar mas que cedo mobilizou uma povoação inteira!

Preparar a malha parece coisa do antigamente, mas no Sobral não há quem não se empenhe a fundo na recriação de uma das dinâmicas associadas à etnografia da Beira e aos trabalhos no campo.
Seja por a malha estar bastante enraizada naquele povo, seja por a Junta de Freguesia local estar empenhada em dar visibilidade às suas origens e tradições, a verdade é que ninguém faltou ao encontro.

E muitos vestiram-se a rigor. Que é como quem diz, foram ao guarda-roupa procurar os trajes mais típicos do trabalho no campo. Roupas antigas que tapam o frio e o calor como me explicaram alguns dos participantes.

Associado à realização da malha do pão estão os petiscos regionais. Na malha do Sobral de São Miguel não faltou o bolo a escorrer mel (miaus) nem a sangria feita à base de vinho tinto fresco com água e açucar ( champorrião). Um e outro são deliciosos , diga-se,  e constituíram a "bucha" para alimentar a barriga aos homens e mulheres que naquela manhã elevaram o mangual (mongalo) para retirar os grãos de trigo.

A eira estava repleta de gente para observar a dança do mangual e a cadência das batidas. Era imperioso registar o momento. As novas tecnologias e ferramentas de comunicação assim o determinam. Naquele sábado de julho, debaixo de um calor abrasador, muitos gravaram vídeos e
registaram o momento histórico para a freguesia que pretende ter maior visibilidade no mapa das Aldeias do Xisto.

E se o ditado diz que querer é poder, estou certa de que a autarca local (Sandra Ferreira) não deixará de esgrimir argumentos e elevar o discurso reivindicativo por forma a que Sobral passe a estar no mapa.

Não basta o esforço e empenho de uma povoação inteira. Não basta a sinalética que já se encontra nas imediações da freguesia. É preciso estendê-la às grandes vias de comunicação. Importa ainda incentivar os agentes locais e organizações institucionais a investir no Sobral.
Nessa altura haverá mais que um alojamento local, mais que o evento anual (Xistrilhos), mais que entrega de quem ali resiste e acredita no futuro da localidade encravada nas serras.


segunda-feira, julho 11, 2016

Dias da Música no Fundão

Os Dias da Música. Os Dias da Música costumam ser no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Mas também há dias da música na capital da Cova da Beira.

Pego no título de uma das mais prestigiantes iniciativas do Centro Cultural de Belém para me focar no igualmente prestigiante Concurso Internacional Cidade do Fundão ao qual se juntou neste ano de 2016 o FICE- Fundão International Cello Encounter.

O violoncelo foi, de facto, a mais valia e novidade da edição 17 do Concurso organizado pela escola de ensino artístico da música no Fundão.
Primeiro porque logo na estreia da variante de violoncelo houve cerca de 50 jovens instrumentistas a concorrer. Depois por o violoncelo ter sido o instrumento que deu ritmo e cor ao FICE.

Mas comecemos pelo Concurso Internacional.

A prova que este ano reuniu 180 concorrentes de Portugal, Espanha, Holanda e Brasil é um renovado caso de sucesso pois a cada edição há uma história paralela de alguém que se obriga a dar a volta ao mundo para conseguir marcar presença no encontro.
Lauro Lira Lopes é natural do Rio de Janeiro e quando soube da prova nem pensou duas vezes. Inscreveu-se e prespectivou como o Concurso Internacional do Fundão lhe poderia abrir horizontes e dar a conhecer professores capazes de lhe abrirem as portas para dar aulas na Europa e realizar o mestrado.
Com o Brasil meio em estado de sítio, Lauro Lopes viveu uma "verdadeira saga" e obrigou-se a vencer burocracias múltiplas para obter passaporte, viajar para Portugal e posteriormente para o Fundão a tempo de realizar a prova de violoncelo de nível superior.
Chegou horas antes das eliminatórias que ocorreram no dia sete e não se cansa de agradecer ao incansável diretor do Concurso, professor João Correia, por se ter disponibilizado a suprir a necessidade de transportas públicos fora de horas entre Lisboa e o Fundão e ter garantido a que Lauro chegava a tempo de realizar as provas de violoncelo.
Lauro não chegou viu e venceu mas obteve uma menção honrosa que, espera, possa traduzir-se na conjugação de recursos para se fixar em Portugal
Aos 23 anos o jovem que veio de mochila e violoncelo e que ficou mais de dez horas no aeroporto respira boa disposição e não poupa elogios o Concurso do Fundão e ao FICE.

Digamos que Lauro é uma espécie de porta-voz de todos quantos participaram e dinamizaram os Dias da Música no Fundão!
A também designada terra da Cereja respirou musica. As ruas da cidade de pequena dimensão ganharam mais vida e havia música no ar. Bastava andar pelo Fundão antigo e desde a Praça do Município até à Praça Velha ou ao Largo da Estação ferroviária o transeunte cruzava-se com o sorriso de dezenas de jovens que de instrumento às costas conversavam sobre a terra onde a cultura e a música andam de mãos dadas.

E se o Fundão já está no mapa das artes também por via do Concurso Internacional que a Academia de Música e Dança muito bem organiza e promove, esta terra passou a integrar o roteiro de acontecimentos culturais maiores.

A escolha do Fundão para acolher os músicos de renome que fizeram o FICE deve orgulhar, e orgulha, uma comunidade inteira. É que além de o Fundão passar a fazer parte de um projeto que desde há 21 anos se realiza no Rio de Janeiro, o Fundão assistiu a concertos e recitais que juntaram na Moagem e na Praça Velha David Chew , violoncelista que lançou no Brasil o Rice (Rio International Cello Encounter),  Russell Guyver ou Lorna Griffitt.

Não sabemos se o Cello Fundão terá continuidade ou se alguma vez atingirá o patamar de versatilidade cultural das edições do Brasil que também já permitem dar visibilidade à dança e às artes esculturais, mas temos a certeza de que valeu a pena o Fundão através da sua Academia de Música e do Município se terem envolvido na concretização de um evento que enriqueceu o Concurso Internacional e colocou o Fundão na rota de um grande acontecimento artístico.

Parabéns!

segunda-feira, junho 27, 2016

Orgulhosamente Academia de Música do Fundão

O mote do espetáculo de encerramento do ano letivo na escola de ensino artístico do Fundão era uma viagem a Londres.
Em palco estavam 350 jovens músicos e bailarinos das classes de teatro musical, orquestras, combo, coros.

Gente com uma energia incomensurável.

À hora marcada a juventude apanha o avião para uma viagem de sonho cuja banda sonora é uma combinação perfeita entre sons, dança, sentidos e emotividade.

Fly to London que esteve duas noites em cartaz no Fundão e com lotação esgotadíssima foi observado por 1400 pessoas que não poderiam ficar indiferentes ao talento e performance do coletivo magistralmente orientado pelo maestro Bruno Martins.

Durante mais de uma hora de espetáculo o espetador, sempre embalado pelos êxitos da música londrina e universal deixou-se guiar pelas bailarinas e viajantes que nos transportaram para locais emblemáticos londrinos. Um passeio no Wide Park famoso pelos seus jardins, observar o render da guarda no Palácio de Buckingham, assistir à rodagem de 007, visitar o Royal Ballet estiveram no périplo de um musical que ainda levou o espetador ao Fantasma da Ópera.

Um trabalho muito profissional apresentado pela Academia de Música e Dança do Fundão que é uma das referências culturais da capital da Cova da Beira e da região.

Se duvidas houvesse quanto ao valor seguro do investimento no ensino artístico da música e da dança, as mesmas seriam dissipadas por todos quantos puderam assistir ao espetáculo de encerramento do ano letivo da escola de ensino artístico do Fundão.

O diretor do estabelecimento de ensino que costuma emocionar-se com o talento e êxito dos alunos da Academia estava orgulhoso da sua escola, professores e alunos e explicou que o segredo de um percurso com vinte anos a somar êxitos se deve ao ambiente familiar que marca dos dias da Academia e ao trabalho que diariamente, às vezes fora de horas, se realiza nas salas de aula do estabelecimento de ensino.

E quando esse esforço e empenho continuados se traduzem num musical de qualidade superior só podemos aplaudir de pé e dar visibilidade pública ao trabalho da Academia Armando Paulouro.

A Academia de Música e Dança do Fundão é, de facto, um agente ativo na promoção da cultura nesta região de Portugal.

E não são apenas os magníficos concertos que atestam esse patamar de qualidade. O ano letivo que agora termina encerra na Academia de Música e Dança do Fundão um tempo letivo novamente marcado pela conquista de prémios, medalhas e outros reconhecimentos nas classes de piano e guitarra cujo dezenas de alunos foram este ano escolar premiados em concursos realizados no país e no estrangeiro.

Quando a nossa comunidade tem entre as suas instituições uma escola com a visibilidade e reconhecimento da Academia só podemos sentirmo-nos orgulhosos.

Parabéns a todos!

quarta-feira, junho 01, 2016

O canto da poesia num concerto de encher a alma

Às vezes tenho pena de não dispor de tempo nem disposição para escrever. Também tenho saudades de preencher os dias com a responsabilidade de dar notícias. As boas. Mesmo quando são más!

No outro dia estive na plateia para observar e ouvir um espetáculo de música portuguesa em que o mote foi revisitar a poesia portuguesa e as letras de amor de Camões ou Cecília Meireles.

Inserido na programação do Festival Literário da Gardunha, ao qual também não consegui ir, o concerto em que o piano de Mário Laginha tão bem combinou com a voz de Camané foi um belíssimo momento de introspeção.

"Cansaço" um poema de Luís Macedo num tema que ficou famoso na interpretação de Amália Rodrigues e que também foi interpretado no espetáculo Fado Revisitado foi dos momentos que mais me encheu a alma.

E diz o poema

Por trás do espelho quem está
De olhos fixados nos meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus-dará
Deixando os olhos nos meus.
Quem dorme na minha cama,
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama,
E lá de longe me chama
Misturada nos meus sonhos.
Tudo o que faço ou não faço,
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Da poesia de David Mourão Ferreira que é dos poetas que Camané mais gosta de cantar fez se ouvir "Espelho Quebrado" que também é interpretado por Carminho e que diz


Com o seu chicote o vento / Quebra o espelho do lago
Em mim foi mais violento o estrago
Porque o vento ao passar / Murmurava o teu nome
Depois de o murmurar, deixou-me
Tão rápido passou / Nem soube destruír-me
As mágoas em que sou tão firme
Mas a sua passagem / Em vidro recortava
No lago a minha imagem de escrava
Ó líquido cristal / Dos meus olhos sem ti
Em vão o vendaval pedi
Para que se quebrasse / O espelho que me enluta
E me ficasse a face enxuta
Ai meus olhos sem ti sem ti
Em mim foi mais violento, o vento


Um dos mais conhecidos temas interpretados por Camané , chama-se "sei de um Rio". No concerto realizado no Fundão a interpretação deixou a plateia cheia de vontade de voltar ao registo do isqueiro ou da vela em punho e de braço no ar. 
Nunca me tinha dado conta da beleza do poema de Pedro Homem de Melo

Sei de um rio, sei de um rio
Em que as únicas estrelas nele sempre debruçadas
São as luzes da cidade
Sei de um rio, sei de um rio
Onde a própria mentira tem o sabor da verdade
Sei de um rio…
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Sei de um rio, até quando



E antes das despedidas, Mário Laginha e Camané recorreram à riqueza da "Inútil Paisagem" de Vinicius de Morais.

Mas pra quê? 
Pra quê tanto céu?
Pra quê tanto mar? Pra quê?
De que serve esta onda que quebra?
E o vento da tarde? De que serve a tarde? 
Inútil Paisagem
Pode ser que não venhas mais;
Que não venhas nunca mais...
De que servem as flores que nascem pelos caminhos?
Se meu caminho sozinho é nada...













terça-feira, maio 10, 2016

Quando os livros quebram o silêncio

Hoje escrevo sobre a biblioteca itinerante de Proença-a-Nova . Um projeto cultural que desde há dez anos é dinamizado por Nuno Marçal. Falar do bibliotecário que  viaja pelas aldeias mais recônditas do Pinhal Interior sem dar boa nota da componente humana do cidadão é muito pouco.
 

É que Nuno Marçal não se faz acompanhar apenas de livros. Às pessoas leva mais que livros. Na mala de viagem também vão revistas, bons conselhos e uma mão cheia de afetos.
Sorrisos feito palavras que abraçam e acrescentam alegria às pessoas que resistem à desertificação.

Nuno Marçal é um colecionador de imagens da vida no campo. Momentos de uma ruralidade em que a rotina só é quebrada pela chegada da bibliomóvel.

Quer seja através da Mala das Letras, quer através dos improvisados clubes de leitura que se criam nos lugares e nas aldeias onde às vezes sobressai o som de um acordeão ou a concertina de alguém que se junta ao coro das palavras soltas e consegue criar animação de rua.

Nesse instante o adro da igreja ou o espaço mais amplo do casario transforma-se num palco de cantigas ao desafio.

Quem diz cantigas, diz estórias. Memórias de outros tempos e lugares que a alma implora que se recordem. 
Partilha-se, então, esse património imaterial de uma geografia em que os livros quebram o silêncio.

Além dos livros e do gesto, a bibliomóvel de Proença-a-Nova promove ainda os diálogos entre pessoas cujas famílias estão muitas vezes distantes. Mas também ajuda a solucionar questões de natureza burocrática que tantas vezes representam um problema de maior dimensão para quem está isolado.

Por todas estas razões e outras que não caberiam nesta meia dúzia de linhas, vale a pena continuar a investir na rede de bibliotecas itinerantes. Em Portugal serão cerca de 60. Na Cova da Beira, houve o caso da biblioteca itinerante dinamizada pelo município do Fundão. Oxalá a dinâmica da bibliotecária Dina Matos faça da Eugénio de Andrade uma biblioteca que rasga fronteiras e combate a solidão que marca os dias das  nossas aldeias.

E agora apetece citar Jorge Luís Borges e um magnífico poema sobre os livros.

E diz assim:

Os Meus Livros

Os meus livros (que não sabem que existo) 
São uma parte de mim, como este rosto 
De têmporas e olhos já cinzentos 
Que em vão vou procurando nos espelhos 
E que percorro com a minha mão côncava. 
Não sem alguma lógica amargura 
Entendo que as palavras essenciais, 
As que me exprimem, estarão nessas folhas 
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. 
Mais vale assim. As vozes desses mortos 
Dir-me-ão para sempre. 

Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda" 

Aos leitores deixo ainda o link de uma belíssima conversa com Nuno Marçal. https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-1-maio-2016-rcb-nuno-mar%C3%A7al/

quarta-feira, maio 04, 2016

Debater o Interior

O Jornal do Fundão retoma dentro de alguns dias uma das matrizes que tão bem o caracterizaram no tempo de António Paulouro. 

Discutir o Interior não é coisa pouca e se o debate abranger uma maior geografia territorial, tanto melhor! 

Bem sei que os sucessivos debates, iniciativas e grupos de trabalho em defesa do Interior têm alterado muito pouco o nosso fado. Mas se à mesma mesa se reunirem outras vozes de um eixo territorial mais basto que a Beira Interior pode ser que a expressão mediática que o fórum possa vir a ter seja mais um grito de alerta da geografia onde se colhem poucos votos. 

Desconheço se é apenas o facto de não sermos muitos que justifica o constante desinvestimento no Interior. Também não sei se essa é a única razão que, no caso concreto da Beira Interior,  nos trouxe as portagens mais caras do país. Porém, vejo que o discurso em defesa do Interior continua a estar na agenda. Reconquista holofotes. Está na génese da criação de mais um Grupo de Missão para o Desenvolvimento do Interior. 

Chegará? 

As Primeiras Jornadas do Interior que o Jornal do Fundão realiza no Fundão no dia 13 de maio recordam-me outras jornadas. As da Beira Interior que nos anos 80 do século XX António Paulouro promoveu. 

De então para cá a Beira Interior mudou muito. Felizmente para todos os que aqui resistem e continuam a acreditar no futuro deste cantinho entre serras. 

Ainda assim, importa fazer mais. Legislar no sentido de repovoar os territórios de baixa densidade. Nós por cá, vamos tendo tudo. 
Mas faltam pessoas. 

Venha o debate!

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...