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quinta-feira, maio 05, 2022

A Associação que é a sala de visitas de Castelo Novo

 

Ponto de encontro entre residentes e turistas, a coletividade, localizada na zona central da freguesia, é ponto de paragem obrigatória para quem quer sentir o pulsar da Aldeia Histórica. Ali pratica-se a arte de bem receber.


Fundada em 1998, a Associação Sociocultural de Castelo Novo (ASCCN) é liderada por duas sexagenárias. As irmãs Laurinda e Fernanda Duarte assumiram os destinos da organização social e não se furtam a esforços para agradar a quem visita Castelo Novo e recorre à coletividade para tomar um café, chá ou até solicitar disponibilidade para ali realizarem refeições de grupo.



Com a preciosa ajuda de outros dirigentes, radicados fora de Castelo Novo mas sempre disponíveis para arregaçar as mangas, desde que estejam na aldeia, as diligentes carolas da ASCCN facilmente granjeiam a ajuda de outras sócias e amigas da coletividade com vista à realização de convívio para associados ou garantindo acolhimento básico a grupos de turistas que solicitem a sede da Associação para ali poderem deixarem o farnel, degustarem a merenda e tomarem uma bebida quente.

Foi o que aconteceu no fim-de-semana do 25 de Abril quando um grupo de Alverca, através de um telefonema, garantiu que a ASSCN poderia disponibilizar o salão para o almoço partilhado. “Ficaram encantados com o acolhimento e decoração típica do espaço onde quiseram fotografar-se”, salientam as dirigentes associativas que nesses dias não tiveram mãos a medir com tanta afluência de turistas e naturais da freguesia. 

A ASCCN é o “único espaço com vida” na Aldeia, confirma ao Jornal do Fundão Laurinda Duarte que faz gala em não deixar fechar as portas da coletividade fundada pelo marido, Raúl Augusto Pinto Rodrigues. “Todas as pessoas desejam longevidade” a uma organização que desde sempre dinamizou a localidade através do acolhimento de tertúlias, iniciativas desportivas, eventos solidários, visitas de estudo à localidade  ou até aulas de ginástica que chegaram a quebrar o sedentarismo das pessoas idosas maioritariamente residentes na localidade.

Além dos carolas dirigentes, também alguns associados e amigos da agremiação se disponibilizam para ajudar a concretizar as atividades programadas. Na véspera do 25 de Abril, o voluntariado ganhou outro sabor na degustação de um almoço convívio que juntou 70 participantes entre sócios residentes e de fora de Castelo Novo que a reforma devolveu à freguesia.



É pois, na ASCCN que a idade maior e a pouca juventude da freguesia confraternizam num ritual que enobrece a localidade e orgulha quem está ao leme da Associação que em 2023 completará as Bodas de Prata. Ali, nos domingos à tardinha, é certa a confluência dos locais e novos residentes, mesmo se oriundos de outras nacionalidades, que elegeram Castelo Novo como último refúgio de uma vida inteira dedicada ao trabalho nos países de origem. É vê-los de copo de cerveja na mão, confraternizando com a comunidade local, soltando gargalhadas e simpatia que fica na memória de quem ali ocupa o tempo livre.

É a pensar nos resistentes e novos residentes de uma freguesia marcada pelo êxodo rural que a família da ASCCN dedicada muitas horas do fim-de-semana à associação. À beira de celebrar 25 anos de existência é quase certo que a data não passará em branco. Laurinda Duarte diz-se entusiasmada com a possibilidade de realizarem uma celebração à altura da jovem mas relevante força viva de Castelo Novo.

“Com a bênção do Senhor de Misericórdia e a entrega dos associados” nada será deixado ao acaso, “nem que tenha de investir do meu bolso”, atira a sorridente presidente ao lado da irmã Fernanda, na pausa pós almoço de celebração da Liberdade e da Democracia, no pátio exterior ao edifício onde, naquele domingo, ouve comes e bebes, concertina, alegria e reencontros com pessoas naturais de Castelo Novo que nas épocas festivas ou fins-de-semana alargados regressam à terra Natal e não falham uma ida à Associação Sociocultural de Castelo Novo.

Ali onde a vida acontece !



Originalmente publicado no Jornal do Fundão de 05 de maio 2022 

terça-feira, junho 23, 2020

Memória anos 70

No outro dia a RTP Memória surpreendeu-nos com a transmissão de um documentário sobre as tradições religiosas de Castelo Novo e o calendário agrícola. As filmagens remetem-nos para o ano de 1973 do século XX e são uma viagem pela preparação das festas do Corpo de Deus.

«Ensaio» é o título do documentário que pode revisitar nestes dois links:

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/castelo-velho-castelo-novo-parte-i/

Neste vídeo observamos o cruzeiro, estradas romanas, vista geral, castelo, lagareta (ruína romana); declarações de José Falcão, presidente da Junta de Freguesia, junto a cruzeiro, sobre a Freguesia e a emigração, intercaladas com imagens de brasão na fachada da Casa da Família Falcão, Chafariz Fundeiro, frontaria da Igreja Matriz, varanda de madeira, fachada de capela e detalhes do sino e da cruz, pormenores de janelas e ruas. 

Seguem-se "Os Trabalhos do Campo": camponesas a sacharem milho; comentários de camponesas sobre o trabalho agrícola e a família; declarações de José Falcão, sobre a antiga fábrica de lanifícios, intercaladas com imagens do edifício fabril degradado. 

"A Urdidura do Fio": fios de linho esticados; caixa com novelos de algodão; Maria Saraiva, urdideira, a trabalhar o fio de linho e declarações da mesma sobre a atividade, os utensílios usados e a vida familiar; vista geral de Castelo Novo; capela: detalhe de sino e escadaria; jornalista entrevista José Falcão sobre as Festas do Corpo de Deus e o leilão de beneficência; fiéis em frente à Igreja Matriz. 

"A Procissão do Corpo de Deus": procissão do Corpo de Deus: pessoas a sair da Igreja Matriz, a descer as ruas, a passar junto do Pelourinho e à Casa da Câmara; torre com relógio; movimento de rua.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/castelo-velho-castelo-novo-parte-ii/


Na preparação das festas: homem a acender e a largar foguete, mulheres com criança pela mão, mesas ao ar livre com fruta, habitantes a conviverem. 

"O Leilão das Fogaças": leilão das fogaças, homem em cima de mesas a leiloar coelho, mesas com as fogaças e populares à volta; comentários de populares sobre a aldeia, intercalados com imagens de leilão, janela com flores e roupa estendida, ruas de Castelo Novo e fachadas de edifícios e mulher em soleira de porta. 

"Conversa com o Pregoeiro": entrevista a José António Campos, leiloeiro e trabalhador da construção civil, sobre as suas profissões e o interesse em morar em Castelo Novo, intercalados com vista geral da Serra da Gardunha e fachadas de edifícios; declarações de José Falcão sobre o regresso de naturais a Castelo Novo, durante as festas populares e após a reforma, intercaladas com imagens do castelo, alpendre em edifício degradado, vasos de flores em fachadas de edifícios e criança à janela. 

Comentários de José António Campos sobre as diversões existentes em Castelo Novo e as ocupações dos jovens; altifalante em árvore.

 "O Baile": jovens a dançarem em baile na rua e pessoas a assistirem; declarações de José Falcão sobre a Liga de Amigos de Castelo Novo e as infraestruturas planeadas para a aldeia, intercaladas com imagens de homem a trabalhar no campo, fonte e muralha do castelo.

José Falcão, visionário presidente de junta de freguesia num território que chegou a ser sede de concelho e no qual desde sempre se elege a Gardunha, a frescura da água do Alardo e o turismo como elementos de capacitação e valorização da aldeia.

terça-feira, junho 16, 2020

Castelo Novo esse amor sem rosto



Há lugares que de tão mágicos nos exortam a viajar pelo tempo. Castelo Novo, aqui retratado em drone é um desses pontos de paragem obrigatória no reencontro com o ser.

Observar a calmaria desta terra encravada na tantas vezes massacrada serra da Gardunha é alimentar a esperança de que um dia a beleza ímpar do casario, a imponência dos monumentos e as características da paisagem haverão de devolver a Castelo Novo a vida que merece.

A Aldeia Histórica de Portugal será, então, mais que memória e promessas adiadas. Será vida de pleno direito com investimento publico à altura de uma povoação amada pelos visitantes.

Amar Castelo Novo é senti-lo muito para lá das pessoas. É perceber que esta geografia que nos inspira não nos trai, como tantas vezes o homem traiu esta jóia do nosso património.

Castelo Novo é paz, serenidade e sensação de segurança. É sonho e horizonte de glória.

É acreditar que em cada dia há uma nova luz de esperança a fazer-nos ficar.

Voltar. Uma e outra vez. Sempre na expectativa de a capacitarmos.

Castelo Novo, um amor sem rosto!

quarta-feira, abril 08, 2020

Instantes do Meu Confinamento 5


Quando Esperar não é uma perda de tempo
Sempre fui avessa ao nim, nem não nem sim, ao logo se vê, depois falamos, cada coisa a seu tempo.



Não é que seja uma mulher aparelhada, de sofisticada tecnologia, mais rápida que o vento.  Mas sempre achei que não temos tempo a perder.
Havia situações em que repetidamente brincava com as notícias que davam conta da constituição de mais uma comissão, grupo de trabalho, conselho consultivo …. Blá blá blá.

Na verdade sempre fui muito de mais vale uma má decisão do que uma não decisão.
Agora que vivo há três semanas entre casa e o serviço sem direito a outras vidas dou comigo a experienciar uma condição, até agora, pouco provável em mim.

A condição da espera. Esperar que tudo acabe em bem. Que a minha família, amigos, conhecidos e a organização onde passo os dias consigam ultrapassar esta pandemia sem sobressaltos maiores.

Nesta já longa espera sinto que aprendi a viver sem as jantaradas de sexta-feira, sem mais uns sapatos, uma carteira ou um vestido novo.
De hoje para amanhã, creio até que serei capaz de encontrar uma solução para as raízes dos meus caracóis. 

Uma solução que em nada tem a ver com o registo habitual do se a cabeleira A não pode, a B deve ter uma aberta. Posso sempre recorrer à C.
E neste instante ocorre-me a infância em Castelo Novo, entre a serra da Gardunha e a Aldeia e a véspera de um casamento em Louriçal do Campo. Eu e a minha irmã Paula, meninas de tenra idade, pais sem recursos e logística para irmos ao cabeleiro a Alpedrinha. Vai daí o nosso pai improvisa e leva-nos ao barbeiro.
Saímos de lá com uma tijela na cabeça. Literalmente!

Tudo tem solução, diziam os meus pais do alto da experiência de quem sempre viveu com pouco.
Com pouco e sem pressa. A serra da Gardunha tinha, ainda tem, esse poder de ajudar-nos a caminhar com vagar.



Vivamos então esta pandemia com a ponderação e recomendações de quem sabe. Sejamos cautelosos e capazes de esperar pelo fim deste tempo impeditivo de tantas situações que afinal se afiguram não essenciais.
Essencial é continuarmos aqui para contar a história.

Retemperando energias com a memória dos dias bons. Reflexos da nossa existência aparentemente comum mas com bases sólidas para hoje em dia sermos capazes de esperar que a tempestade passe para relançarmos as sementes da amizade e do amor entre pares.
Todo o amor verdadeiro se faz de uma longa espera

quinta-feira, abril 02, 2020

Instantes do meu Confinamento 4

Imagem que fica do último nevão na minha aldeia berço 
Terra de encantos e memórias mil
Lugar tranquilo e de sonhos

Este parece não ser o tempo dos sonhos
São dias de interrogações
O que não sendo necessariamente mau  pode ajudar-nos a enxergar o que nunca havíamos observado

Como escreveu Tolentino Mendonça no livro «O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas», "talvez precisemos de descobrir que, no decurso do nosso caminho , os grandes ciclos de interrogação , a intensificação da procura, os tempos de impasse, as experiências da crise podem representar verdadeiras oportunidades". 

Oxalá que momento da nossa introspecção seja um momento de aprendizagem e foco no processo de gestação da nossa nova vida.

quarta-feira, julho 24, 2019

Pinto o que sinto


Não sei se alguma pintei um desenho de que me possa orgulhar. Mas conheço imensas pessoas cuja pintura me faz viajar pelas paisagens da minha Gardunha quando ainda não vestia negro.  Lembrei-me disto, esta semana, quando numa visita relâmpago a Castelo Novo me apercebi da chegada da Arte Urbana à Aldeia Histórica de Portugal encravada na serra.

Nesse instante revisitei a memória das aulas de educação visual no Externato Capitão Santiago de Carvalho em Alpedrinha e o pensamento fixou-se no desenho geométrico do professor João de Matos. O malogrado educador para quem o “olhos eram a régua e o nariz o compasso”….

Quase me apeteceu entrar em casa, subir ao sótão e procurar no baú dos trabalhos da escola as pastas com desenhos geométricos realizados nas folhas de papel cavalinho. “O melhor,  pois as folhas são resistentes e ótimas para desenho com lápis de carvão”. Também o João Barreira, um pintor que na minha juventude se dedicava às paisagens verdejantes da minha geografia de infância, já me surpreendeu com belíssimas obras matizadas a verde.

As paisagens verdejantes da Beira Baixa, que outrora inspiraram a poesia de Albano Martins ou Eugénio de Andrade, também caracterizavam a obra do pintor Barata Moura. O Mestre que nunca renegou as suas origens beirãs e se formou na Escola António Arroio e na Superior de Artes Aplicadas também pintava a Beira como ninguém.

Falecido em 2011, 100 anos depois do seu nascimento, Barata Moura está nas mais de mil telas a óleo e inspira uma nova geração de pessoas ligadas à arte de eternizar personalidades e vivências de um território.

Esse património está agora mais completo com o mural alusivo ao pintor Barata Moura cuja memória passa a estar perpetuada na antiga torre da EDP na sua aldeia Natal.





Castelo Novo tem desde há uns dias um exemplar de arte urbana assinado por João Samina https://saminashop.bigcartel.com/. O artista que também pintou Carlos Paredes ou algumas das mais carismáticas figuras típicas da Covilhã, tem na Beira Baixa um trabalho dedicado ao pintor que sentia as paisagens, pessoas e recantos da sua Beira transportando-as  para a tela num registo multicolor que nos prende o olhar e nos faz vibrar de alegria. 

Na obra de Samina, Barata Moura “apresenta-se” em tons de preto e encarnado num jogo que nos faz acreditar que o traço característico do João ajudará a fazer do “miradouro da pardinha” – assim é designado pelos naturais de Castelo Novo a encosta da freguesia onde se encontra “a escultura” do mestre pintor – um ponto de paragem obrigatória no roteiro de visitação à localidade.

O toque de modernidade na Aldeia povoada de história acrescenta vida à localidade desejosa de espreguiçar-se para a Gardunha vestida de verde.

Mas passaram dois anos e como muitos transeuntes comentam, faz impressão que Castelo Novo continue rodeado de negro, marca indelével do fogo.



Neste meu regresso, à geografia que em agosto de 2017 voltou a ser massacrada pelos incêndios, não posso deixar de descrever a melancolia que assombra qualquer natural ou forasteiro que logo na autoestrada da Beira Interior se dá conta de como Castelo Novo permanece vestido de luto.




Não vemos árvores, a serra está globalmente despida. Dá pena olhar para o cabeço da Penha e observá-lo desnudo. Já no interior da localidade observamos o casario ainda fechado aguardando a chegada das centenas de pessoas que este Verão voltarão à sua terra do coração dando-lhe vida e esperança num ritual anual que nos faz continuar a acreditar que Castelo Novo ainda pode merecer mais que uma obra de arte de amor a Barata Moura.

Aguardemos!

sexta-feira, setembro 07, 2018

Reencontro com a Esperança no Território

Quando o leitor se prender nestas linhas já Castelo Novo, Aldeia Histórica de Portugal, terá mergulhado na calmaria do costume. Uma realidade apenas quebrada pelo fluxo turístico que dizem ser suficiente para acreditar nas potencialidades da freguesia do concelho do Fundão.

Ao turismo juntou-se na última quinzena a população flutuante do Verão. O fluxo de residentes temporários regista forte impacto nas duas semanas que se caracterizam pela preparação,  realização e conclusão das festa do Senhor de Misericórdia.
Um acontecimento civil e religioso que é a maior reunião anual de residentes, naturais e amigos de Castelo Novo. Este ano não foi excepção.

Além da Banda da Liga de Amigos de Castelo Novo, enquanto elemento agregador de um povo, a festa do primeiro fim-de-semana de setembro  em Castelo Novo é uma espécie de comprovativo de resiliência ou de sobrevivência ao despovoamento daquelas paragens.
À volta da devoção ao Senhor de Misericórdia e do amor às origens pessoas de todas as idades regressam àquela geografia de afectos e demonstram, através da garra e dedicação com que a cada ano se dedicam à festa, que mesmo sendo poucos ninguém os derrubará nem impedirá de, a cada ano, carregarem andores e semearem a esperança naquele chão encravado na Gardunha.


Estas palavras são, pois, uma ode aos homens e mulheres residentes, naturais e amigos de Castelo Novo que não deixam morrer a tradição e transportam para a aldeia essa vontade inabalável de fazer acontecer. Fazem-no no merecido período de férias, longe das cidades que há muitos anos os acolheram e onde conseguiram trabalho e pão.
Sem nunca esquecer o berço e tendo na Banda da Liga de Amigos o ponto forte de união, os naturais da Aldeia História constituíram família, fizeram amigos e o grupo de indefectíveis de Castelo Novo ganhou músculo. E aí estão cheios de uma alegria contagiante, uma garra pela manutenção das tradições de Castelo Novo que deveria inspirar-nos!

A dedicação dos naturais de Castelo Novo à história e vivências do território não é caso único. Felizmente para os que continuamos a acreditar nas potencialidades destas terras. No fim-de-semana em que chegam ao fim muitas das festas religiosas da temporada, merece igualmente ênfase a dedicação e empenho de cinco mulheres de Alcongosta, outra freguesia do concelho do Fundão, que estes dias deram o corpo ao manifesto para a realização da festa de Nossa Senhora da Anunciação.
Ana Rodrigues, Muriel Bernardo, Sandra Rolão, Marta Isabel Mendes e Sandra Batista completam 40 anos  e manda a tradição que não reneguem as origens e se façam mordomas.


A preparação dos festejos agendados para este sábado, domingo e segunda feira começou há um ano atrás. Depois de um contacto presencial prévio e da  troca de endereços eletrónicos, estas mulheres naturais do berço da cereja, mas residentes onde conseguiram trabalho, foram reunindo virtualmente e organizam uma romaria que é, também ali e em qualquer aldeia, o ponto de encontro de sucessivas gerações de pessoas a quem a reunião de naturais sabe a bálsamo e energia positiva para mais um ano de trabalho.

Afoitas, as festeiras que não deixam transparecer o cansaço físico, orgulham-se de não terem falhado nada do previsto e da destreza com que calcorrearam  a freguesia quando foi dia de pedir a esmola e ouviram comentários ainda muito frequentes na sociedade conservadora pouco interessada em valorizar o papel da mulher nas mais diversas áreas.


O amor à terra é, pois, um exemplo que deverá inspirar-nos sempre que arregaçarmos as mangas na procura das melhores soluções para as nossos desafios novos. O espírito de entrega e a partilha de saberes que são a alma da preservação do nosso património imaterial deveria inspirar-nos para tudo o que aqui fazemos pois o reencontro com o território é a esperança no amanhã melhor.

*Artigo adaptado e originalmente publicado na edição de 6 de setembro de 2018 do Jornal do Fundão





segunda-feira, agosto 20, 2018

Os Amigos dos nossos filhos são nossos filhos também


Receber os amigos dos meus filhos, ter a casa cheia de pessoal, observá-los e recordar tempos idos é das vivências mais interessantes da fase adulta ou da meia-idade. Dei comigo a pensar nisto ao amanhecer deste domingo. Horas depois de a Leonor ter recolhido aos seus aposentos acomodando no seu quarto mais cinco pessoas.
Na véspera pedira à tia os colchões que eu e a Helena chegámos a utilizar nas nossas aventuras de solteiras quando o montanhismo era hobby de fim-de-semana. Além dos acolchoados colchões a diva - assim se caracteriza a jovem Leonor quando tenta autorização do pai para mais um convívio fora de horas ou uma renovada ida à cidade -, também cuidou de garantir reforços alimentares e alguns sumos para a verdadeira ceia. Uma ceia antecedida de longos banhos de piscina sob a lua de agosto.
Apesar da imaturidade, os nossos adolescentes são gente prevenida e do género, quem vai para o mar avia-se em terra. Assim, de cada vez que a Leonor, mas também o João, se prepara para promover mais um convívio, certifica-se de que nada faltará aos convivas. Quantas vezes enquanto família de acolhimento somos o táxi na “devolução” da miudagem aos pais! Fazemo-lo com gosto e até alguma dedicação. Há um ditado que nos diz que quem meu filho cuida minha alma adoça, logo temos por hábito cuidar dos amigos dos nossos filhos como sendo nossos filhos, também!

A adolescência e juventude dos nossos filhos é o tempo em que eles fazem novas amizades. O amigo do amigo que conheceram em registo educativo ou na prática desportiva dentro das quatro linhas. Muitas dessas amizades cujo crescimento se reforça nas experiências fora da escola ficam para a vida. É como se os afetos até então focados nos primos e na cumplicidade de sangue ganhassem novos contornos e semeassem um novo jardim de partilha.
É nesta altura que também nós, os adultos, iniciamos um novo tempo de vivências e observação. Por um lado sentimos o orgulho de os nossos filhos crescerem, tornando-se autónomos. Começam a afirmar-se pelos bons e menos bons motivos. Sobressai-lhes o modo de ser e de pensar. Às vezes condizentes com a nossa linha de orientação, noutras alturas o registo fica distante da “doutrina” que lhe fomos incutindo. Criam-se então as barreiras ou reforçam-se os laços de compreensão e cumplicidade entre gerações. Às vezes há uma espécie de conflito entre pares. Mas tudo se resolve graças á tolerância de pessoas e ao amor incondicional de pais.
É também nesta fase que perdemos o controlo dos passos delas e deles. Aquela coisa da mãe galinha, a mania de “impingir” os filhos dos nossos amigos aos nossos filhos e o “polícia” que há em nós ganha novos contornos. Embora nos mantenhamos vigilantes já não impomos. Ou já não conseguimos impor.

Embora nos assalte uma catadupa de perguntas sobre quem é quem, de onde vem e quem são os pais ou o que fazem, rapidamente deixamos cair o questionário evitando o rótulo de coscuvilheiras ou metediças. Isto é válido, sobretudo, para as mães. Os homens fazem menos filmes e confiam mais.
São estes estados de alma misturados com a alegria de receber os amigos dos meus filhos que comprovam a capacidade do ser humano em se adaptar às novas realidades. Aqui continuamos ao lado deles, e delas, para, mediante as nossas possibilidades e forças, continuarmos a dedicar-nos aos filhos.
Os nossos descendentes dão mais vida à pacatez dos dias quando nos enchem a casa de gente. É tão bom vê-los correr e saltar, mergulhar na piscina ou acantonar na nossa geografia privativa!
No fundo, eles seguem os nossos passos e vivências. O tempo em que as férias grandes eram passadas na aldeia dos nossos avós e os mergulhos eram na ribeira ou na charca mais próxima. Depois havia as festas de Verão. E a juventude reunia-se para o baile improvisado.
Os meus verões eram na serra da Gardunha e mais tarde na aldeia de Castelo Novo. Na montanha as férias grandes eram sinónimo de guardar as cabras e banhar-me nas águas gélidas do tanque localizado entre os cedros e a casa florestal.
Quando havia turistas e crianças os meus dias ganhavam outra alegria e às vezes cantávamos ao desafio. Já na aldeia, o Verão trazia as idas à ribeira e as infindáveis conversas na rua com as pessoas da minha idade que moravam em Lisboa e no Verão voltavam a Castelo Novo.

Memórias. E que memórias guardarão a Leonor, o João e o Francisco deste tempo em que o nosso habitat recebe jovens e adolescentes de outras latitudes?

quinta-feira, novembro 02, 2017

Cemitério de Silêncios


No dia em que toda a gente caminhava para o cemitério subi à Gardunha. A viagem iniciou-se exatamente à porta do cemitério da minha aldeia Natal. Sim, essa terra onde o silêncio geral denota o despovoamento agravado pelos incêndios que deixaram um rasto de destruição e um chão vincadamente negro.

No hora em que o povo descia desde a igreja até à zona baixa de Castelo Novo para ali prestar homenagem aos que jazem no cemitério localizado no sopé da Gardunha, contrariei a tradição, dispensei o momento de oração e silêncio coletivos para mergulhar numa outra geografia, igualmente marcada por um silêncio sepulcral.

Serra acima, numa manhã sombria de novembro e a ameaçar chuva, dei-me conta do vasto cenário carregado de negro.

À primeira paragem, já fora do carro e sem o som da música ambiente, os meus ouvidos fizerem um esforço maior para identificar o chilrear de um melro, um pássaro ou um milhafre ávido de galinhas das capoeiras localizadas nos campos da Gardunha.

Porém as quintas, que foram resistindo à desertificação do território, estão agora reduzidas a cinza e as galinhas ou outros vivos que por lá existiram finaram-se em agosto último.

Assim terá acontecido com as raposas e os coelhos que já se passeavam pela serra e certamente sucumbiram ao calor do inferno das chamas.

É então que a viajante se dá conta do silêncio continuado que a acompanha desde o cemitério de silêncios. Esse lugar onde habitam os nossos entes queridos e que naquele dia de agosto também terão sentido o inferno do fogo.  O bafejar da chama sobre as campas que compõem o "povoado" desse lugar de invariável confluência anual no Dia dos Santos.

O poder do silêncio do cemitério foi de tal forma poderoso que a demorada paragem no outrora paradisíaco lugar da Casa Florestal de Castelo Novo se traduziu em calafrios. A viajante sentiu uma pontinha de medo quanto à ausência de um único barulho. Nem um ruído! Uma folha a cair, a serpentear de um lugar para o outro... Até as pinhas estavam todas no chão!

Não se ouvia uma mosca. Nem havia sinais de vivalma. A água escasseia e não encharca os terrenos à volta do tanque que se apresentava quase vazio. 
Da bica corre um fio do precioso líquido e nem me atrevo a bebê-la pois os incêndios foram há pouco tempo e as chuvas ainda não apaziguaram o manto de cinzas.
São tantos os sinais a adensar o cemitério de silêncios que até as lágrimas do viajante secaram. A descrença tolhe-nos o olhar e na alma lembra-nos que quase nada nos prende áquele lugar.

O fogo de há dois meses e meio levou outra vez o verde da Gardunha e agora a viajante só consegue identificar os lugares onde tantas pessoas foram felizes!

Embora a Casa Florestal de Castelo Novo permaneça intacta, aquela geografia é, também ela, um cemitério de silêncios. Desapareceu tudo!

Os mosquitos, as moscas, as aves, as raposas e os coelhos.

As árvores que já estavam a reerguer-se, depois do fogo de há doze anos, também pereceram e delas restam apenas pequenos troncos dos quais haverá de rebentar uma nova planta. 

Uma renovada réstia de fé num amanhã outra vez verdejante e esplendorosamente belo.

Mas nessa altura a viajante e os amantes da Gardunha continuarão a questionar-se quanto ao abandono a que está votada a Casa Florestal. 




Consequentemente lamentarão o avanço da degradação do imóvel onde permanecem os azulejos com letras azuis escuras a dizer “Matas Nacionais”.

Elegantes e com letras bem definidas, os azulejos (felizmente a mão alheia não os roubou!) estão geometricamente colocados na lateral da casa. Estão “esculpidos” sobre a janela do quarto da viajante que uma vez criança, ali sonhou com uma Gardunha sempre romântica e cheia de vida,

É na Mata Nacional do perímetro de Castelo Novo que a memória conduz o narrador para o tempo em que debaixo dos imponentes cedros havia bancos e uma mesa hexagonal de granito que alguém fez desaparecer.

Na antiga sala de visitas da Gardunha para Castelo Novo e com a Raia no horizonte, também havia arbustos e bancos onde o guarda-florestal recebia outros viajantes e amantes da sua serra. 

Ali, o guardião da fauna e da flora da Gardunha fez tantos amigos como cerejas e também essas deixaram de povoar aquela zona da Gardunha.


Aqui está uma explicação poética para o vazio que agora se instala na última mesa localizada nas imediações da Casa Florestal de Castelo Novo e onde o silêncio chega a embrenhar-se na pele do viajante. 



É então que a viajante, narradora e saudosista da sua Gardunha fixa o olhar naquela mesa e lamenta que o destino e os erros do homem tenham feito do seu jardim um cemitério de silêncio localizado na encruzilhada das causas e consequência do fogo.

Numa tentativa de enriquecer a narrativa que comprova o sentimento de quem passou a manhã no silêncio da Gardunha, penso num poema suficientemente rico e que seja capaz de traduzir a mágoa que fica do reencontro com as pessoas e lugares que me fizeram mulher.

Lembrei-me de Pessoa.

Na pesquisa encontrei Álvaro de Campos

E diz o poema:


Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que foste um momento eterno
E como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser neste silêncio noturno.
Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa;
Ou um [. . .] assustado e mudo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e [. . .] e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti.


s. d. Álvaro de Campos — Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993: 174.

quinta-feira, outubro 26, 2017

Um Encontro Inesperado

O que nós somos e como a vida nos transforma.

Obrigações de natureza profissional levaram-me hoje à Quinta Pedagógica do Fundão para acompanhar um workshop sobre estimulação sensorial.

Estavam lá dezenas de séniores.

De repente há uma mão que me acena, uns olhos que quase saltam do rosto e não escondem um misto de emoção e alegria.

Ao mesmo tempo há uma voz trémula que chama por mim. Aproximo-me ainda mais e reconheço o senhor Américo.

O meu tio Américo!

Quem o viu e quem o vê.

O homem do campo que criava gado e cuidava das hortas, o homem que a dureza da vida obrigou a ser rijo e rude é hoje um ser indefeso.

A idade e a doença apoderaram-se de um dos últimos guardadores de rebanhos da Gardunha.
A minha serra que também é a dele foi devastada pelo último crime contra a nossa floresta.
As chamas que tudo lamberam e devastaram as enconstas onde meu tio tantas vezes picou os dedos a apanhar castanhas.

As melhores castanhas cá da terra eram as do tio Américo.

Eram! Disse bem. Pois o efeito do fogo e a fragilidade humana do tio Américo colocarão em causa a produção de castanha.

Se é que a mesma já não estava suspensa!

O Tio Américo há muito tempo que havia deixado a vida no campo e até já tinha trocado a casa localizada junto à ribeira de Alpreade por outra mais confortável e de fácil acesso no centro da Aldeia Histórica de Castelo Novo.

Anos antes, muito anos antes, o tio Américo foi um dos resistentes das intempéries e da inclemência do fogo.
Quantas vezes as chamas varreram a "serra dos correias" e a "pelada" na enconta da Gardunha que faz fronteira com Alcongosta?

Tantas vezes a neve, o vento gélido e os incêndios o fizeram gritar "ai Jesus"!

Hoje em dia o suspiro e a crença prendem-se com outras dores e provações.

A falta de saúde e uma inesperada cirurgia atiram-no para a Unidade de Cuidados Continuados do Fundão.

Hoje encontrei-o numa daquelas jornadas em que os técnicos de saúde e as equipas de animação da Santa Casa da Misericórdia do Fundão acrescentaram vida aos anos do tio Américo e de todos os outros idosos que com ele estavam reunidos na Quinta Pedagógica do Fundão.




Entre os exercícios e as músicas de antigamente o meu tio Américo lá confessou que gosta de ali estar e que o tratam bem. De lágrima estendida na face direita do rosto mais magro e menos corado, o tio Américo confidenciou-me que a tia Adelina também está doente. "Teve um problema e tem estado no hospital mas o mal já está curado, amanhã vai para casa", explicou-me.

Dentro de dias prometo ir ao encontro do meu tio. Talvez lhe faça bem ver uma cara mais familiar ! Talvez, nessa ou noutras visitas "de médico", eu seja capaz de o fazer recuar no tempo e ele me conte sobre a labuta de antigamente.

A criação de gado. Os cabritos. As peles que vendia a 1.500 escudos. Os queijos. O essencial de uma vida nos campos que as chamas reduziram a cinza!

Oxalá essas vivências de homem da Gardunha continuem registadas na memória de quem enriquece o meu baú de recordações em família!







terça-feira, novembro 29, 2016

Gestos e Afetos

No outro dia fomos visitar o João. Não nos víamos há algum tempo e com o avanço da idade dos Martins ganhamos consciência de que temos de estar mais presentes.
Há um tempo em que a magia dos afetos nos convoca a conhecer pessoas. 
Muitas Pessoas! 
Convencemo-nos que temos muitos amigos e gerimos as nossas rotinas em função do convívio e partilha com esses tantos e muitos amigos.
Mas a vida muda, tornamo-nos mais maduros, perdemos alguma paciência e tornamo-nos mais seletivos. Às vezes selecionamos tanto que nos tornamos seres egoístas e pouco disponíveis para o outro.
Em boa verdade essa realidade e tendência a mantermo-nos na zona de conforto também resulta das desilusões e de observarmos a forma desapegada que caracteriza a relação entre pares. É como se estivéssemos dentro de quatro linhas e cada passo fosse uma espécie de jogada na defensiva! E essa autoproteção resulta, quase sempre, no início de um processo de isolamento que cria uma certa exclusão entre pares.
Mas não é o desalento quanto à natureza e afetuosidade das relações que aqui pretendo escrever.
Afinal o mote para esta narrativa foi a visita ao João Martins.




O João completou 90 Primaveras e era dos melhores e mais desinteressados amigos do meu Pai. Viu-me crescer, era visita regular a nossa casa na serra da Gardunha. Acompanhou o meu crescimento e conhecia o João Gabriel desde sempre. Todos os anos voltava à Gardunha e fazia-se acompanhar de um punhado de amigos. Durante um tempo o casal Martins e esses outros amigos passaram a ser nossos amigos também. Aquelas pessoas finas, bem-postas e muito educadas - como de forma simplista a minha saudosa mãe caracteriza os Martins e seus amigos - chegaram a acampar nas imediações da Casa Florestal de Castelo Novo!

Naqueles anos ainda não havia o conceito de Turismo na Natureza e a Gardunha também não dispunha de um Glamping Natura. Mas os Martins que deixavam a geografia do mar aviavam-se em terra para, comodamente, se instalarem na serra. Esse jardim natural cujo foco de maior beleza eram os cedros sob os quais existiam as mesas hexagonal e retangular com bancos de granito à volta e que a cada dia de Verão eram bastante procurados pelos turistas!

Mas voltando ao João Martins. Esse Amigo que me viu crescer e acompanhou o avanço da idade de meu pai, a perda de minha mãe, a minha ida para a escola, o primeiro emprego e o jornalismo. O casamento e o nascimento de meus filhos….
O João é hoje o mesmo homem charmoso e inteligente, brincalhão e amigo do coração, mas está perder energia. 
Há dias, nessa tal visita improvisada, que nasceu de um forte aperto no meu coração, encontrei-o menos alegre, para não escrever triste. Encontrei-o acabrunhado e desiludido com as consequências do avanço da idade.
Em boa verdade o João cabisbaixo que eu visitei este novembro é também um homem desiludido com a vida e com os amigos que ainda estão nesta vida. O João que há muitos anos visitava a Beira Baixa uma a duas vezes por ano para levar cerejas do Fundão, azeites, queijo, azeitonas e enchidos da Beira deixou de vir amiúde. Passou a vir mais espaçadamente. E ultimamente já nem vem!
Deixou de conduzir. Entregou-se á dependência! E embora continue a caminhar pela cidade de Lisboa, o homem que adora mar e peixe fresco de Setúbal há muito que se desfez da casa localizada mais perto desse horizonte de memórias povoadas da imensidão do mar que é como quem diz da plenitude da amizade e dessa grandiosidade, às vezes finita, dos afetos.

E é diante tamanha circunstância que o João e outros como ele se dão conta de como a amizade é afinal algo que pode ter os dias contados. E quando assim acontece, seja por via da finitude do Ser seja por outras razões que a realidade ainda não partilhou connosco, sentimo-nos mais sós. Foi essa realidade que pude observar na tranquila e melancólica manhã de Outono quando a cara-metade do João, de lágrima nos olhos, me segredava: Estamos sós. Cada vez mais só.
Aquele instante caiu-me no coração como flecha que deixa marca e domina-me o pensamento. Faz-me pensar noutros passos, pessoas e circunstâncias que de igual forma me magoam e fazem pensar nas muitas pessoas que ao longo de uma parte da vida se cruzaram comigo e subitamente perderam o meu contacto telefónico.

Preocupa-me este modo de ser e estar e na busca incessante por uma explicação que atenue a minha dúvida lembro um poema de Vinícius de Morais sobre a Amizade que evoca a singularidade do Ser.
Esse bicho, tantas vezes incompreendido!
E diz assim:
(…) Um Bicho igual a mim
Simples e humano
Sabendo-se mover
E comover
E a disfarçar com o meu (seu) próprio engano.

Seja como for o importante é constatarmos que ao longo da caminhada nos fomos cruzando com outros bichos, às vezes ingénuos, capazes de acreditar que o verbo pode dar lugar ao gesto.

Querido João e Mariette, nós -  os Gabriel de Matos - estamos sempre aqui para continuar a mimar-vos com um sorriso franco e farto ou com as couves da Tapada do Caldudo que desta vez ficaram no Fundão. 
“Foi pena que assim tenha acontecido, pois quando te vi entrar logo pensei em cozinhar as couves do Fundão”, disse o João que gosta de enviar flores e postais,  ainda escreve cartas e muitas vezes brinda a minha Leonor com o desenho, postal ou fotografia de um golfinho. 
Sim o João adora fotografia e ao longo da vida tirou-me muitas das fotografias que hoje enriquecem o baú da memória. 
Obrigada João! 

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...