Naquele domingo de dezembro o sol
envergonhado convocava-me para um passeio longe das rotinas e do quotidiano dos
dias. Enquanto o grupo acompanhava a partida de futebol que opunha o Fundão ao
Idanhense fiz-me ao caminho e andei a pé até ao centro de Idanha-a-Nova.
A primeira paragem foi no Centro Cultural Raiano mas antes descobri como a
geografia urbana da sede de concelho tinha crescido e sido acompanhada pela
construção de novas infraestruturas de apoio à prática desportiva e de lazer.
A primeira surpresa ocorreu
quando o jardim com equipamentos para a manutenção do corpo e da mente,
instalado perto do novo hotel Estrela de Idanha, me pareceu pouco ou nada
frequentado. Um excelente espaço de lazer que tantas pessoas gostariam de ter
no seu bairro e na aldeia mas que em Idanha-a-Nova parece ter pouca procura.
Talvez o frio de dezembro não seja convidativo. Talvez as pessoas vão ao
ginásio amiúde. Talvez não haja pessoas que gostem da prática de exercício
físico.
Mas há pessoas? Se a área urbana
cresceu é porque o número de famílias também aumentou.
Mas e então onde estão
as pessoas?
Na tarde em que as avenidas de Idanha se apresentavam desertas e em
que os bairros se caracterizavam pela calmaria de uma tarde sem movida até me
foi difícil encontrar um espaço de cafetaria aberto. Mais depressa tropecei
numa loja made in China. Pudera, estão em todo o lado e nas cidades mais
populosas até vão aparecendo os China Shopping!
O périplo continuou e lá atrás
soube bem observar que o Baroa, referência local gastronómica, continua de
portas abertas e por certo a fazer as delícias de quem gosta de uma boa mesa.
Mas voltemos ao Centro Cultural
Raiano, espaço de cultura inaugurado por Jorge Sampaio na década de 90 do
século XX. Ponto de encontro com a cultura transfronteiriça. Porta de entrada
para a experimentação e visitação de culturas oriundas dos dois lados da
fronteira.
A sala que marcou um território e uma geração de políticos e
fazedores de coisas foi financiada pelo Interreg II e só por isso já era o garante
de que o espaço haveria de continuar a seu o laboratório e ideário de agentes e
pessoas de Portugal e de Espanha.
Foi a pensar nessa memória e na
história do quotidiano de outrora que entrei no Centro Cultural Raiano para
observar exposições e dinâmicas à volta do território.
A escassez de pessoas
que caracterizava a vila na tarde de domingo era também uma realidade num
espaço cultural onde “há dias em que o número de visitantes é de um ou às vezes
nem vem ninguém”, descreve a rececionista e guia da sala onde permanece uma
exposição sobre agricultura.
Na sala de visitas da Raia não
havia apenas a demonstração das artes e ofícios à volta da Campina mas também
uma exposição fotográfica sobre o Património de Proença-a-Velha. É então que a
profissional de serviço no Centro Cultural se lamenta quanto à falta de adesão
dos locais às mostras que presentemente ali acontecem. “Talvez por já
conhecerem as nossas tradições vêm pouco e não ligam, já estão habituadas”,
diz.
Solícita e empenhada, a mesma
profissional entra na conversa da visitante e admite que a frequência de
público é hoje em dia “menos regular e numerosa”. “Tem dias!”, diz-nos quem nos
relata a enchente do dia anterior pois “houve aqui um encontro de tunas” ou
recorda o tempo em que o Inatel enviava frequentemente turistas para a capital
da raia em Portugal.
No mesmo instante oferece-me um exemplar da ADUFE – Magazine Cultural editada pelo
Município de Idanha. Uma publicação excelente e diferenciadora de tudo o que
existe em matéria de agendas culturais municipais.
A ADUFE transporta o leitor muito para além
da oferta cultural. A publicação dirigida pela Divisão de Cultura do Município
de Idanha-a-Nova é um roteiro sobre figuras marcantes da região (desta vez o
destaque vai para Ribeiro Sanches ou para uma entrevista ao Ministro da Cultura
Luís Filipe de Castro Mendes que é natural de Idanha), lugares e gente
profundamente conhecedora da nossa geografia usos e costumes. Neste particular
merece ênfase o relevo dado a Toulões ou à narrativa que destaca a verdadeira
guardiã da história de Penha Garcia.
A beleza das paisagens contrasta
com o ceticismo dos dias em que nos damos conta de como a falta de gente pode “matar”
uma terra, um destino, uma região. A desertificação é, aliás, uma realidade que
marca os discursos de quem já na década de 90 – Joaquim Morão, autarca com obra
feita e reconhecimento aqui e além-fronteiras é uma dessas vozes que nunca se
cansa de colocar o dedo na ferida e ao mesmo tempo contagiar tantos e mais uns
com esse apelo maior para que ninguém esqueça o Interior - defendia a
necessidade de atrair investimentos à campina.
Mas os anos passaram, foram
concretizadas obras, o ensino superior manteve-se, o município apostou no
turismo e em projetos para a fixação de pessoas e aproveitamento dos campos mas
nem assim se estanca a desertificação humana. Diante esta realidade cruel
haverá Missão de Valorização do Interior que nos valha?