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quinta-feira, dezembro 13, 2018

Do Agasalho à Tecnologia


Apaixonou designers e criativos. É muito mais que um agasalho. Habitualmente utilizado na decoração de interiores e mobiliário, o produto serrano é também matéria-prima para sapatos e ferramentas tecnológicas. A Microsoft, esse gigante da informática, rendeu-se às características do tecido tradicional que agora “agasalha” os tablets. 



À descoberta do burel. Poderia ser este o título do texto no qual nos propomos partilhar com os leitores o percurso de inovação que caracteriza o tecido artesanal português totalmente feito de lã. “Depois de carmeada e cardada, a lã transforma-se em mecha. A mecha é torcida na fiação e transforma-se em fio. O mesmo se passa pela urdideira originando a teia. O tear transforma a teia em xerga. A xerga passa pelo batano e por outros tratos e transforma-se finalmente em burel”. Explicações plasmadas numa folha de sala dedicada a trabalhos em burel.

Já as características técnicas e diferenciadoras do tecido “resistente e versátil” conferem ao burel mais que a garantia de aconchego. As experiências à volta da sua textura, padrões e cores transformam-no numa panóplia de oportunidades e peças diferenciadoras que enriquecem o portefólio criativo de quem desejava afirmar-se na decoração de interiores e na valorização de algo que para muitos não passava de um tecido grosseiro e rústico apenas utilizado pelos pastores.

Cabeceiras de cama, painéis de parede, quadros, corredores de mesa, capas de almofadas e uma multiplicidade de peças utilitárias são hoje uma realidade na utilização do burel. E até já há sapatos e ténis em burel! No ano passado uns ténis feitos com burel e produzidos pela Burel Factory, uma empresa de Manteigas, receberam um prémio de inovação, numa das maiores feiras mundiais de desporto, em Munique, na Alemanha.

Também em Manteigas, a Burel Factory, começou em 2013 a “vestir” o tablet PC da Microsoft. Nessa altura o Jornal de Negócios escrevia que o burel renasceu em Manteigas, para "aquecer" o mundo.

Ainda em Manteigas nasceu em 2017 a marca de sapatos REALIS. Cada par transporta em si a lã “cem por cento de ovelha” e a garantia de “resistência à humidade e repelência à água”. Bruno Silva e Marlene Gabriel são os empreendedores. Procuraram investir na criação de um produto que tivesse a sua génese no território em que habitam, que ainda tivesse pouca expressão no mercado e utilizasse matérias-primas locais, neste caso o burel originário da região. “Podemos dizer que o burel se comporta de alguma forma como uma membrana sintética de gore-tex, mas de uma forma natural”, explicaram ao JF. 



Prevê-se que a marca desenvolva novos projetos em 2019, nomeadamente na captação de novos mercados na Europa e em termos de criação “iremos lançar novos modelos de senhora e lançar a coleção de homem”. Para já os sapatos Realis são usados “por alguém famoso mas não devemos revelar o nome”.

Mas nem só a norte se reinventa o burel. O criador de moda Miguel Gigante, foi pioneiro nessa arte. A partir do “Atelier do Burel” instalado na antiga fábrica António Estrela na Covilhã e hoje transformada no laboratório criativo “New and Lab”, Gigante transforma o burel em casacos, coberturas de mobiliário, candeeiros, malas, almofadas, alfinetes de lapela e chapéus.

“Iniciei o projeto em Setembro de 2008, mostrei pela primeira vez as primeiras peças no Chocalhos - Festival Caminhos da Transumância em Alpedrinha. Tinha tudo a ver, celebrar a transumância”, descreve o artista capaz de transportar para as suas peças a “essência e alma femininas”, dizem os apreciadores de moda que se habituaram a ver Miguel Gigante como um visionário na arte de dar nova vida à lã das ovelhas. O artista começou por fazer painéis, candeeiros, almofadas alguns acessórios e um casaco.



“Cansado da confeção e de trabalhar a moda” Miguel Gigante deixou-se envolver na descoberta e conceção de obras  para casa. “Ironicamente a peça que teve um sucesso considerável foi o casaco ainda hoje é uma peça desejada pelo mercado”, confessa-nos.

“Sempre gostei mais de criar peças de Outono-Inverno. Inicialmente, fazia experiências, protótipos sem qualquer tipo de pressão”, conta-nos. Para Miguel Gigante o que distingue o burel de outros tecidos é a própria “construção técnica e os princípios que sendo a antítese da indústria atual são a garantia de padrões de qualidade cada vez mais raros”. “A resistência e impermeabilidade são os mais conhecidos, o isolamento de som e temperatura também são fatores de valor”.

Numa avaliação à relação qualidade preço na escolha de uma peça em burel em  detrimento de outros tecidos, Gigante lembra o “composto só de lã bordaleira” enquanto garantia de “proteção do frio e o conforto” de um tecido 100% natural. Características “cada vez menos comuns na confeção tradicional três vezes mais cara e com menos durabilidade”, adverte.

A partir da Covilhã, Miguel Gigante pretende continuar a afirmar um produto que identifica um território e que em 2013 lhe valeu a assinatura de peças no âmbito do projeto Aldeias Históricas de Portugal. “Uma coleção de roupa inspirada na arquitetura, lendas e tradições dos tempos medievais e composta por casacos, saia, camisolas e acessórios diversos”. Detentor de uma carteira de clientes espalhados pela Europa, Miguel Gigante apresenta regularmente as suas peças em eventos ou em lojas que vivem do mercado turístico.

Ana Gonçalo é designer têxtil há vinte anos mas só há quatro anos, a partir do CINCO atelier, iniciou a experiência no burel. “A minha primeira peça foi uma clutch. Foi o modelo que mais me motivou. Como nunca tinha trabalhado com esse tecido, foi um desafio enorme”, partilhou com o JF a designer que há uns anos esteve em foco por ter concebido a nova linguagem e imagem de marca da Covilhã. “A Tecer o Futuro”, Ana Gonçalo coloca em cada peça que faz um pouco de si. Motiva-se sobremaneira de cada vez que dá corpo a uma nova “carteira de ombro que, além do trabalho de modelação e costura, tem bordados em fio de lã e crochet no mesmo fio”. “Eu gosto de misturar técnicas, tornando a peça mais rica e apelativa. 

O burel é um tecido que tem bastante corpo, tornando o processo de modelação das peças bastante motivante. Como é um material denso que foi "batanado", conferindo propriedades de feltro, ele não desfia nas extremidades, quando cortado”. E isso permite-lhe "pensar" nas peças com maior ambição. Mas desengane-se quem pensa que construir uma peça de burel é fácil! 

“É um tecido muito espesso, difícil de costurar peças complexas...antes de pensar na peça que quero realizar tenho de pensar muito bem e testar algumas costuras e moldes”, revela-nos. Considerando que a lã de ovelha é incomparavelmente mais valiosa que um qualquer outra matéria-prima sintética, Ana Gonçalo congratula-se por observar como o burel, de tão valorizado e cheio de possibilidades, devolveu emprego a muitas pessoas que assistiram à crise dos lanifícios.

Da Covilhã para o Fundão encontramos o “Adelma Atelier”. Desenvolvido por Lina Ferreira, o projeto de aproveitamento e transformação do burel teve início há quatro anos e as primeiras criações foram das a conhecer ao público na 5ª edição do "Pechakucha", exatamente no Fundão.


Ao JF a criativa fala do empenho e dedicação que coloca em cada peça que produz. Apreciadora de tudo o que seja português, genuíno e icónico,  Lina Ferreira diz que “não poderia deixar de usar o burel” nas suas coleções. Apesar do ainda curto percurso, Lina Ferreira orgulha-se do prémio “melhor peça de artesanato”, conquistado na edição de 2014 do Festival chocalhos. “Um prémio e reconhecimento do júri que avalio um casaco comprido confecionado em burel, lã bordaleira e tecido de cortiça”.  



Além do vestuário, o burel está presente nos acessórios de moda e algumas peças decorativas como mantas, tapetes e almofadas, assinados por Lina Ferreira. No entanto e na área da decoração o burel permite desenvolver “ambientes rústicos e acolhedores”, considerou.
O “Adelma Atelier” no Centro Comercial Cidade Nova, no Fundão, dispõe de algumas peças no Hotel H2O em Unhais da Serra.

Texto originalmente publicado na edição de 6 de dezembro de 2018 do Jornal do Fundão.

quarta-feira, agosto 09, 2017

Subir à Estrela num dia de Verão

O calor de uma quinta-feira de agosto convoca quem está de férias a refrescar-se nas paradisíacas praias fluviais da Beira Interior, a ficar na piscina lá do burgo ou na do hotel mais próximo. Naquele 3 de agosto o desafio imposto pela curiosidade passou por subir ao alto da Torre em plena serra da Estrela.
Às nove da matina em ponto a “tropa” saiu de casa entrou no carro da condutora insegura mas audaz e fez-se ao caminho. 
Ainda na cidade do Fundão deu-se conta da forte presença de emigrantes que por estas semanas acrescentam movimento e valor à cidade e economia local.
Embora muitos comerciantes digam que os emigrantes que passam o ano na Europa já não vêm tão abonados como antigamente e também já não deixem na banca portuguesa as divisas de outrora, a verdade é que numa cidade de pequena dimensão como o Fundão a presença dos emigrantes faz toda a diferença.
Não sabemos se vêm os tais cerca de 25 mil de que falava há uns dias o autarca local, quando aludia à forte componente de emigração que caracteriza o concelho do Fundão, mas sabemos que o pico do Verão coincide com mais gente, por exemplo, no mercado da segunda-feira.
E este é, pois, um tempo em que as nossas aldeias e vilas reganham vida e até atingem um certo patamar cosmopolita. É também essa realidade que o viajante encontra quando, como comecei por contar, se propõe subir à Estrela num dia de Verão.
Se nas Penhas da Saúde o café, momento de caminhada e reencontro com a memória foi quase solitário, dada a ausência de pessoas nas imediações do hotel "Serra da Estrela" ou do Clube Nacional de Montanhismo, mais acima começamos a cruzar-nos com carros de matrícula estrangeira.
Primeiro os espanhóis. Sim, o país vizinho continua a gostar do nosso sol e mar mas também se interessa pela montanha. Foi isso que constamos no belíssimo e requintado “Soadro do Zêzere” em Valhelhas onde almoçamos principescamente e por um preço razoável.
Mas a Estrela também é ponto de encontro de emigrantes. Sobretudo os franceses e suíços. Lá os encontramos no alto da serra da serra da Estrela! 
Ora para a foto de família e recordações de outras visitas ora para o reencontro com os produtos tracionais da região.
Alias quem entra no Centro Comercial da Torre é rapidamente convocado a provar a deliciosa regueifa, o tradicional queijo da serra ou os paios, presuntos e lombos embalados em vácuo.
Nesta altura do ano o movimento de turistas na Estrela cai para menos de metade. Ainda não existem programas nem atrativos para a serra fora do tempo da neve e talvez isso explique o decréscimo de turistas no cartaz chapéu do turismo na região.

Nada que desanime quem tem no Centro Comercial da Torre a rotina de uma vida inteira. Mas nem só de produtos típicos se faz a oferta comercial. Hoje em dia é bastante comum encontrar utilidades como atoalhados e panos com dizeres alusivos a serra. Foram esses recuerdos que muitos espanhóis terão levado para pais de origem. Souvenirs que muito ajudam a manter o mercado da saudade. Mas também há os "borregos" que no Inverno aquecem os pés, os casacos ou samarras e ainda os gorros que podem ter dizeres alusivos à serra ou ao clube de futebol de maior expressão dentro e fora de Portugal. É no mercado da saudade que muitas vezes se cruzam portugueses oriundos de várias paragens e que no Verão regressam sempre às origens. 
Observam então a geografia de berço, renovam abraços e estimulam os afetos "adormecidos" no Verão transacto. É também nesta altura do ano que muitos dos nossos regressam aos locais paradisíacos dos territórios para retemperar energias e embebedar-se na beleza das paisagens verdejantes e na frescura das águas límpidas do rio ou da ribeira mais próxima.
Naquela manhã de agosto o viajante fez-se ao Covão d`Ametade e foi com um sentimento de indignação que se deu conta do abandono a que está votado um lugar que tantas vezes escolheu para convívios e lazer pois sempre o encontrou limpo e verdejante. 

E permanece verde. Mas não está limpo e os equipamentos votados ao abandono estão destruídos, danificados, sujos. Irreconhecíveis! Será este um retrato apenas do vandalismo ou as mazelas resultam da falta de vigilância e do desapego dos senhores do Parque Natural da Serra da Estrela? Pensar que o Covão d`Ametade foi classificado como Local de Interesse Geológico! Mas alguém se interessa?

Fica o recado para quem o quiser interiorizar. E o mesmo é válido para os gestores do Centro Interpretativo da Serra da Estrela localizado no alto da Torre e permanentemente fechado.
Aberto estava, em Valhelas, o restaurante "Soadro do Zêzere" onde o proprietário nos recebeu com uma educação e elegância pouco regulares na receptividade a quem visita o coração da Estrela.



Valeu a pena "cair da cama" e fazer de um dia de Verão um passeio pelos trilhos da serra onde desta vez não houve disposição e força anímica para subir ao Cântaro Magro ou fazer escalada na Parede dos Fantasmas.
Também não me cruzei com o pastor que há cerca de vinte anos me contou todos os segredos associados ao pastoreio de cabras e ovelhas. 
Talvez o tivesse encontrado se o tivesse procurado nas imediações da casa da ASE- Amigos da Serra da Estrela onde outrora descobri sons e "tarântulas" e me aqueci à lareira da casa abrigo.  

Talvez....
Talvez a proteção e vigilância da floresta tivessem ajudado a prevenir os incêndios que há alguns anos devastaram o Vale Glaciar do Zêzere. 
Será o leitor capaz de imaginar a melancolia que nos invade a alma quando num regresso a Manteigas nos apercebemos da erosão dos solos e da destruição da riqueza da serra? 
Fica a pergunta. 

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...