domingo, agosto 10, 2014

Galeria de Arte imortaliza pintura de Manuela Justino

Um conjunto de obras de pintura e tapeçaria da malograda Manuela Justino integram a Galaria de Arte Manuela Justino que foi recentemente inaugurada na Aldeia Histórica de Castelo Novo. 

O espaço resulta do aproveitamento de uma antiga cavalariça e fica no número 13 da rua professor Gonçalves Coucho, perto da Associação Sociocultural de Castelo Novo. Um investimento de 100 mil euros, 60% dos quais financiados pelo PRODER.











Um protocolo entre a família da pintora falecida há meio ano e o município do Fundão permitiu a cedência, por um período de trinta anos, de uma parte da obra da pintora e tapeceira que adoptou Castelo Novo como sua terra de berço. O amor à Beira Baixa e em particular a Castelo Novo e Alpedrinha foi sublinhado pela filha, Sofia Durão, à margem da cerimónia de inauguração da Galeria de Arte. Um momento de saudade e elogio público à obra da pintora cuja última exposição realizada em vida aconteceu no Palácio do Picadeiro em Alpedrinha. “Sopro de Água” foi o título da última mostra de arte na Beira Baixa. “A homenagem às fontes, chafarizes e correntes de água” também acontece na mostra permanente da Galeria agora inaugurada. 

A relação de Manuela Justino com a água e outras fontes da natureza foi sublinhada por Celeste Capelo, presidente da Sociedade dos Amigos do Museu Francisco Tavares Proença Júnior de Castelo Branco. “Presto homenagem à autarquia do Fundão por se lembrar dos seus filhos, perpetuando-os através destas iniciativas”, declarou a também amiga de Manuela Justino. Também Aida Rechena, diretora do Museu de Castelo Branco sublinhou as qualidades artísticas e pessoais da pintora prematuramente falecida. Tinha 56 anos! E verbalizou a “forte” relação de proximidade da artista com “a paisagem e o impressionismo abstracto” da obra assim descrita pela própria Manuela Justino. 

Uma mulher “generosa, sensível para as questões feministas como se vê na tapeçaria e nos seus quadros” que também estão expostos no Museu Tavares Proença Júnior. O valor artístico de Manuela Justino levará a Câmara Municipal do Fundão (CMF) a atribuir-lhe, a título póstumo, a medalha de ouro da cidade do Fundão. Paulo Fernandes que é presidente da autarquia anunciou-o no dia em que também o município do Fundão prestou tributo à autora “de uma obra extraordinária que nos foi legada pela família de um nome maior nas artes plásticas”, referiu sobre Manuela Justino. A Galeria de Arte estará aberta nos mesmos dias e horários do posto de turismo.

Além da inauguração da Galeria Manuela Justino, o dia 26 de julho ficou marcado em Castelo Novo pela inauguração da renovada área de lazer da freguesia. Um investimento de “quinze mil euros”, integralmente suportados pela junta de freguesia local e que se traduzem na abertura de uma piscina natural na ribeira de Alpreade. 

Paralelamente foram inaugurados cerca de três quilómetros de percurso pedestre à volta da Aldeia Histórica que permitirão ao visitante inteirar-se da riqueza “do caminho da fonte da cale, enquanto sítio emblemático, a Casa da Comenda e o Parque do Alardo, entre outros”. Trata-se de um percurso que ajuda a compreender a malha urbana da localidade. Em termos turísticos, Castelo Novo aguarda a preservação da antiga fábrica dos cobertores pois a CMF “está a concluir as negociações para a aquisição” do imóvel localizado perto da ribeira de Alpreade. 

De acordo com Paulo Fernandes, o espaço funcionará como centro de apoio à zona ribeirinha e um complemento à divulgação museológica do património de Castelo Novo. “Vamos procurar parceiros privados para desenvolver a componente de turismo na natureza junto à zona ribeirinha”, acrescentou Paulo Fernandes.

Publicado no Jornal do Fundão, edição de 7 de agosto 1014
A Notícia também aqui http://www.rcb-radiocovadabeira.pt/pag/23152

terça-feira, julho 22, 2014

Artesanato e gastronomia no “Xistrilhos” 2014

Dizem que é o centro do universo, também lhe chamam o coração do xisto. Sobral de São Miguel no concelho da Covilhã organizou e recebeu o “Xistrilhos”. A iniciativa deu seguimento ao “Xisto e Lendas” e o êxito está garantido. No próximo ano, o segundo fim-de-semana de julho voltará a ser ponto de encontro com o artesanato, gastronomia e muita animação.





“Trilhando Sensações” foi o slogan da iniciativa que entre sexta-feira e domingo foi visitada por centenas de pessoas de toda a região. O “Xistrilhos” foi organizado por um grupo de pessoas do Sobral que estão determinadas em dar vida à aldeia do xisto. Suzette Ferreira integrou a organização e partilhou connosco a satisfação pelo “êxito de um conceito de festa” que este ano teve alguma inovação. Além das habituais tasquinhas, desta vez a animação passou pelas várias artérias da iniciativa e o passeio pedestre também passou por outros trilhos. “Vestígios arqueológicos, gravuras e as marcas dos rodados da rota do sal” destaca a responsável. Inovadores foram também “o workshop e oficina de trabalhos manuais sobre como trabalhar a ardósia e o xisto”. A nível gastronómico, “novos sobralenses aderiram às tasquinhas e apresentaram novos pratos”. Do javali com legumes, à pica de bacalhau, sem esquecer o feijão com couve à moda das primas Sarilhas, houve de tudo um pouco. “Foi de comer e gritar por mais” disseram alguns dos visitantes que no domingo à tarde se deslocaram a Sobral de São Miguel para uma visita ao certame. Embora São Pedro tenha surpreendido os convivas com chuva (no dia de sábado) a verdade é que a iniciativa “foi um êxito” a repetir. E enquanto não chega a próxima edição Adília Pinto e Teresa Paiva continuarão a dar ao dedo. Uma ocupar-se-á do tear de onde saem bonitos naperons e painéis de linho bordados a preceito. A outra artesã dedicar-se-á aos chapéus de renda e algodão. As meias brancas rendadas e os antigos cobertores que passarão a tapetes multiusos compõem a oferta de quem faz da delicadeza das mãos ganha-pão para a família. O Xistrilhos regressa dentro de um ano mas até lá Sobral de são Miguel vai “inaugurar o caminho do xisto”, anunciou a presidente da junta de freguesia Sandra Ferreira. “Será muito em breve”, acrescentou. Depois disso, Sobral haverá de ser palco para a realização de “um evento dedicado ao cogumelo, outro sobre geocaching e uma feira do queijo corno”. 

terça-feira, fevereiro 18, 2014

"Saudade" a rua que é uma família

Na cidade com uma população flutuante de aproximadamente dez mil pessoas, há lugares que ganham vida com a chegada dos estudantes. Gente que se governa no decurso do ano académico e que já não sabe estar sem a movida dos universitários. A Saudade é um desses lugares de vida e memórias.





O que seria a Covilhã sem os estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI)? A pergunta em jeito de resposta marca as conversas entre a repórter e os transeuntes de uma das ruas mais universitárias da Covilhã. Mas a realidade é comum a outras artérias de uma cidade onde “existem negócios que sobrevivem à custa dos estudantes”. É o caso da zona da Anil, bastante procurada pela população flutuante da Faculdade de Medicina! Além do alojamento e alimentação, a noite e a dinâmica de vida da gente jovem permitem que a economia local movimente milhares de euros. Mas centremo-nos na Saudade. Ali é fácil darmo-nos conta da presença e partida dos estudantes. Quem regressa às origens nunca mais esquece o bairro. Quem permanece na Covilhã volta à Saudade sempre que a folia aperta. Mas também há quem não volte e leve na bagagem a saudade os dias, num bairro em que as, outrora, casas de habitação são hoje segundas casas. E quem passou a morar em zonas mais chiques da Covilhã, aluga os antigos apartamentos os estudantes. Até ao número 100 da Rua da Saudade amontoam-se os carros de matrículas oriundas de outras terras. Há mais movimento nas ruas do que o habitual. Pessoas que envergam traje académico e com pronúncia do norte. E embora aquela artéria da zona antiga da Covilhã já não tenha a mesma dinâmica que antecedeu o nascimento de outros bairros, na zona de expansão da cidade, a verdade é que a calmaria desaparece mal chegam os estudantes universitários. Além do bulício crescente, entre a rua e os becos de acesso à Faculdade de Arquitectura ou ao pólo principal da UBI, das janelas das casas sai o som das canções do mundo. Música em altos berros, jovens nas varandas e janelas num movimento que ganha maior expressão nos cafés do bairro. O Café da Saudade é um desses pontos de confluência de jovens de todo o lado. Não só os residentes no Bairro da Saudade mas os estudantes que residem em zonas mais caras da Covilhã ou nas residências académicas. Não há ubiano que desconheça a Saudade. Ponto de referência para jantaradas de grupo e outras partilhas. Geografia de afectos, gerador de relações humanas, lugar onde chegam a estabelecer-se relações de quase família. A imagem da repórter é corroborada por Ester Ferrinho. “Há estudantes que conheço há mais de dezassete anos. Concluíram o curso, constituíram família e mantém-se por cá”. A proprietária do Café da Saudade conhece tão bem alguns dos estudantes da UBI como a própria filha. Os seus gostos e defeitos, basta vê-los entrar e consegue perceber se já dormiram ou se a noite foi ao relento. “Na recepção ao caloiro e na semana académico é frequente vê-los a dormir à porta dos prédios, nas escadas ou nos elevadores. Uma vez num café aqui do bairro, estavam a regressar e alguns adormeceram debaixo da mesa de snooker”. Revelações de Ester Ferrinho que reforça o sorriso cúmplice quando recorda os dias em que lhe cantaram uma serenata. “Umas duas ou três vezes, a última foi a semana passada e eu gosto. Sinto que também me estimam”. Ester e o marido Júlio são uma entre muitas famílias covilhanenses que estreitam laços com os jovens oriundos de vários sítios de Portugal. Gente que muitas vezes é uma espécie de família de acolhimento com quem os estudantes podem contar. “Às vezes pedem-me uma aspirina ou uma forma de atenuar a gripe. Também temos quem peça complacência pela dificuldade e em vez de pagar a conta no dia fá-lo ao fim do mês. Quando conhecemos bem, gostamos de ajudar e as famílias não esquecem”. A escolha da Covilhã para estudar não está associada apenas a nota mínima de entrada nos cursos. Muitas famílias recorrem à cidade neve por saberem tratar-se de uma terra de dimensão média “em que toda a gente se conhece e onde o custo de vida é mais económico”. Foi o que aconteceu com o estudante de medicina Pedro Oliveira. Oriundo de Santa Maria da Feira, o jovem preferiu a Faculdade de Medicina da Covilhã em vez da Lisboa porque a cidade é mais acolhedora e as rendas (na Anil que é das zonas mais caras da Covilhã) custam menos duzentos euros que em Lisboa ou no Porto. Convidado a estabelecer um paralelismo entre a vida académica numa cidade do interior ou numa capital, Pedro admite que a dinâmica de festas e iniciativas académicas está concentrada em dois momentos (recepção e semana académica) mas que poderia “ser mais profícua se diluída ao longo do período académico. Por outro lado haveria uma maior probabilidade de estimular a economia”, diz.
Nuno é covilhanense e reside num dos bairros mais frequentados pela juventude da UBI. Não tem dúvidas em afirmar que o crescimento exponencial da população académica “é uma mais-valia” para a Covilhã e contesta a ideia de que entre os universitários haja gente perdida e com pouco juízo - como dizem alguns habitantes mais idosos. “São óptimas pessoas, a doideira passa-lhes a fim do primeiro ano”, esclarece. Alberto de Matos tem 85 anos e reside na Saudade há mais de vinte. Já morou em outros bairros da cidade, igualmente povoados de estudantes mas é da Saudade que guarda as maiores recordações da vida movimentada dos universitários. As festas fora de horas e para as quais nunca foram convidados mas que entram pela casa adentro de cada um dos moradores daquela artéria da zona antiga da Covilhã. Memória tem muitas, umas mais engraçadas que outras. Também tem muito presente o reboliço associado à chegada de novos “novos magotes de malta” e das tiranias que fazem uns aos outros. Numa alusão às praxes, Alberto recorda os exageros associados ao consumo de álcool e partilha connosco episódios como aquele em que uma rapariga queria ficar sem roupa ao pé do contentor. Gente cheia de vida que ora perturba o sossego dos outros ora é boa companhia para os dias mais cinzentos. Sobre os comportamentos acrescenta que os angolanos são mais calmos que os outros. Rafael Ferreira tem 22 anos é natural do Entroncamento e matriculou-se na Universidade da Beira Interior (UBI) há três anos, por opção. Ainda não concluiu o curso de Engenharia Civil e já está a desenvolver um projecto económico que dá trabalho a estudantes mas também os encaminha para as melhores casas ou na busca de bons resultados lectivos. No último Verão constituiu a ImoStudy, Imobiliária e Centro de Explicações. Um negócio que vai da ajuda ao arrendamento para estudantes até às explicações. Rafael quando chegou à Covilhã desconhecia a realidade do território e muito menos onde se dirigir para obter serviços básicos. Nesse caso constituiu-se como mediador imobiliário “não burocrático”. Em cada estudante um amigo é o lema da empresa que já celebrou alguns contractos com mais de uma vintena de pessoas que através da ImoStudy passam a conhecer a Covilhã fora das portas da UBI. Estimular a integração da população flutuante numa cidade do interior é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. Ao JF, Rafael adianta que a estratégia de negócio passa por tirar partido do período de matrículas em que cerca de dois mil estudantes chegam à Covilhã à procura de um abrigo. “Colocar uma placa a informar que se aluga quarto ou que se arrenda casa, não chega. As famílias querem saber mais sobre a cidade universitária e os locais que os filhos poderão frequentar. Nós encaminhamos essas pessoas”, esclarece o estudante empreendedor.
Dados dos serviços sociais da UBI indicam que no ano lectivo de 2012/13 estiveram ocupadas 742 das 815 camas em residência académica. A maior percentagem de população em residência diz respeito a estudantes oriundos dos distritos de Castelo Branco (10,38%), Porto (9,97%) e Aveiro (9,43%), seguido dos estudantes estrangeiros que chegam á Covilhã por via do programa Erasmus e que totalizam cerca de (23,58%) dos residentes em instalações da universidade. Recorrer a uma residência académica não é para todos os estudantes, depende dos rendimentos da família e normalmente a dormida em residência é encara como um suplemento à bolsa. De acordo com o Artigo 19º do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, os estudantes bolseiros deslocados do ensino superior público que não tenham tido colocação em residência dos serviços de acção social, “beneficiam, no período lectivo em causa, de um complemento mensal igual ao valor do encargo efectivamente pago pelo alojamento e comprovado por recibo, até ao limite de 30 % do indexante dos apoios sociais”. Relativamente ao apoio financeiro para o estudante morar na Covilhã, não existe nenhum caso, visto que todos os candidatos a alojamento foram colocados em residência académica. Os dados satisfazem a organização que defende os interesses dos estudantes. “A UBI tem das melhores percentagens de cobertura de residências para estudantes”, referiu Pedro Bernardo presidente da AAUBI. Os preços variam consoante a modernidade e conservação dos imóveis. No caso da UBI, a Casa Pedro Álvares Cabral (ao Sineiro) é a menos em conta. “O valor médio a pagar é de 110 euros, no entanto há residências a 80 euros”. Alugar quarto ou casa na Covilhã significa igualmente diversidade nos preços e comodidade. A localização é um factor muito importante tanto para quem procura como para quem investiu no negócio. Morar ao pé da Faculdade de Medicina ou junto ao pólo principal pode custar mais caro que escolher um quarto ou uma casa na zona da Saudade. “O preço é variável, se um quarto pode custar à volta de 100 euros, a renda de um T0 pode chegar aos 400 a 500 euros. Mas em média os preços por quarto andam na casa dos 150 a 160 euros mais despesas de luz, água e condomínio e sem contrato de arrendamento”. Pedro Bernardo esclarece que por exemplo na zona da Saudade “os arrendatários têm a preocupação de uniformizar o preço”. Questionado sobre a ausência de contractos de arrendamento o presidente da AAUBI lembra como a “necessidade aguça o engenho”, pois os estudantes querem pagar o menos possível e os senhorios evitam os impostos. Mas o dirigente estudantil também deixa um alerta:”É importante que se estabeleça algum compromisso”. E a título de exemplo conta ao JF a história de um ubiano que recentemente se atrasou uma semana a pagar a conta e foi convidado a abandonar o quarto onde permanecia há muito tempo. “Com um contrato estão sempre salvaguardados os deveres e direitos de inquilino e proprietário”, alerta! Sobre a frequência de centenas de estudantes na cidade que também depende da economia universitária, Pedro Bernardo, salienta que a Covilhã ainda não aprendeu a conviver com as mudanças de comportamentos dos residentes. Aludindo ao período em que centenas de novos estudantes se instalam na cidade e às festas académicas, Pedro Bernardo desvaloriza supostos exageros, barulhos e mudança de comportamentos e sublinha “os proveitos económicos” que a população académica deixa na Covilhã.


Quadros relativos à população estudante da UBI nas residências, bem como o distrito de proveniência:



Distrito
Nº Alunos 1º, 2º e 3º Ciclos e MI
%
Nº Aluno alojados na residência*
%
Castelo Branco
1734
27,31%
77
10,38%
Guarda
703
11,07%
54
7,28%
Aveiro
531
8,36%
70
9,43%
Viseu
514
8,09%
46
6,20%
Porto
468
7,37%
74
9,97%
Braga
394
6,20%
55
7,41%
Santarém
311
4,90%
27
3,64%
Leiria
278
4,38%
26
3,50%
Coimbra
196
3,09%
16
2,16%
Lisboa
185
2,91%
26
3,50%
Vila Real
160
2,52%
10
1,35%
Bragança
136
2,14%
8
1,08%
Viana do Castelo
121
1,91%
19
2,56%
Setúbal
99
1,56%
14
1,89%
R. A. Madeira
93
1,46%
21
2,83%
Faro
86
1,35%
14
1,89%
Portalegre
72
1,13%
3
0,40%
R. A. Açores
62
0,98%
4
0,54%
Évora
28
0,44%
2
0,27%
Beja
23
0,36%
1
0,13%
Outras localidades/ países/ Erasmus
156
2,46%
175
23,58%
Total Geral
6350
742


Publicado no Jornal do Fundão em Novembro de 2013

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

New Hand Lab a fábrica que é um Laboratório Criativo.

Reúne meia dúzia de artistas da região e dedica-se à produção de peças relacionadas com a lã. Mas também há fotografia e aguarelas. Localizada junto à emblemática ponte pedonal da Carpinteira a montra da criatividade haverá de ser um renovado motivo para visitar a Covilhã industrial e judaica.





 Francisco tinha dez anos quando entrou pela primeira vez na Fábrica António Estrela. Viviam-se os tempos áureos dos lanifícios e a Covilhã industrial era um atractivo inquestionável. As brincadeiras de menino eram invariavelmente em contexto de fábrica e assim se compreende a relação de afecto estabelecida entre o actual proprietário e o património construído por António Estrela. Da memória dos antepassados à relação que presentemente mantém com a venda de obras criativas foi um passo. Francisco queria dar um novo rumo a um edifício que hoje tem tanto de sombrio como de gelado. Mas é sempre possível fazer acontecer. O ano que há-de vir marcará o início de um conjunto de eventos associados às artes e à criação de novos talentos. “Enquadrar o espaço numa nova rota sobre a arqueologia industrial da Covilhã, é uma aposta a ter em conta”, afirma Francisco Afonso.

Quem se passeia sobre a ponte desenhada por Carrilho da Graça e observa os telhados do aglomerado de antigas fábricas que laboraram paredes meias com a Carpinteira, está longe de imaginar que aquele lugar da Covilhã industrial poderá vir a ser um miradouro sobre o Laboratório Criativo em que se tornou a antiga fábrica António Estrela. Francisco Afonso é cicerone numa viagem à descoberta de um “espaço de expressão livre e criativa”. Francisco é filho de Júlio Afonso, o último proprietário da fábrica António Estrela construída em 1830. Realizar o sonho da família, preservando a memória de uma empresa que se dedicou à produção de tecidos para senhora é a missão de quem assistiu ao fim da fábrica que então empregava 40 pessoas. Assim nasceu, em Junho último, o projecto do Laboratório Criativo. Revitalizar um espaço onde permanecem muitas das máquinas que outrora deram trabalho a centenas de pessoas é a missão! Embora nunca tenha ficado totalmente abandonado, pois ainda dispõe de enormes quantidades de tecidos e matéria-prima, o imóvel reúne agora um conjunto de artistas que são fornecedores da Casa da Lagariça em Castelo Novo. “Os artistas que trabalham connosco, e que são da região, têm aqui condições para desenvolverem a sua actividade num espírito de partilha. A ideia é um dia mais tarde tentarmos desenvolver um único produto que seja transversal a todos os criativos”, acrescenta Francisco Afonso. Presentemente a produção a partir do Laboratório Criativo também está á venda no primeiro piso da antiga unidade industrial.
A Casa da Lagariça em Castelo Novo e o boneco Petrus estão na origem de um novo projecto criativo que visa dinamizar uma antiga fábrica de lanifícios perto da ponte da Carpinteira na Covilhã. São dez mil metros quadrados de área coberta num Laboratório Criativo que reúne meia dúzia de criadores. Trabalham artesanato, lã e fotografia. O atelier Cool Nature de Miguel Gigante, o estúdio de fotografia Pulse and Vision de João Pedro Silva, o atelier Petrus de Ana Almeida, a MEG em pasta de papel de Maria Eugénia Gomes, a Casa da Lagariça em lãs mohair e lãs mais finas, o escultor Moreira Neves e o aguarelista João Rui Frade estão entre os artistas residentes.
Mas é no rés-do-chão da antiga fábrica que as mãos de criadores transformam a matéria-prima em criações de encher o olho. O visitante entusiasma-se  com a possibilidade de manusear máquinas totalmente construídas na Covilhã e que embora já não estejam permanentemente em laboração ajudam a decorar o laboratório criativo. “Estamos a utilizar algumas para desenvolver produtos que mais tarde serão a matéria-prima para a confecção de modelos assinados pelo criador Miguel Gigante. As mantas em mohair são exemplo disso”, conclui. De resto, Miguel Gigante está a desenvolver a colecção “Vestir a História”. Peças de vestuário em lã para senhora, disponíveis nas lojas das Aldeias Históricas de Portugal. Um trabalho exclusivo que se estende à decoração cujos acabamentos também se fazem a partir do Laboratório Criativo. Assim acontece com “um fundo de cama e respectivas almofadas ou um candeeiro de pé alto que será revestido a burel”. No Cool Natura Lda, a revistadeira ajuda a decorar o espaço mas espera-se que um dia venha a ser utilizada para desenvolver projectos de pintura nos tecidos que Miguel Gigante poderá aplicar em novos modelos. “Temos aqui vários momentos de ensaio de peças e acabamentos. Por exemplo uma carteira toda em lã”. Os estiradores, uma ploter, máquinas de costura e outros equipamentos ajudam a humanizar o amplo pavilhão que vai ganhando algum colorido por via dos trabalhos em curso. Ao atelier do burel junta-se o espaço da Casa da Lagariça. É visível o trabalho de fabrico de mantas em lã mohair que passa pelo tear e permite ao visitante escolher na paleta de fios qual a tonalidade a dar às peças únicas. Num outro sector encontramos o espaço de Ana Almeida onde é fabricado o ícone da Casa da Lagariça. O Petrus tem marca registada, é sinónimo de história. Petrus foi o primeiro alcaide de Castelo Novo. “São peças únicas, numeradas e que têm diferentes formas. São feitos à mão através da técnica da agulha com ponto baixo. Um com trinta centímetros pode demorar um dia a construir” explica a professora da Universidade da Beira Interior que trabalha no departamento de química e cuja formação em engenharia química permitiu à criadora aliar formas e pensar na consistência do modelo de autor. O Petrus “é uma espécie de mascote das Aldeias Históricas de Portugal” diz Ana Almeida, cheia de orgulho. MEG é um nome incontornável do artesanato nacional e a qualidade dos seus trabalhos têm-se traduzido em alguns prémios para a artista natural da Covilhã. O espaço MEG reúne uma panóplia de peças de artesanato elaboradas por Maria Eugénia Gomes. Com recurso à pasta de papel (serrim que resulta do corte de tubos de papel utilizados na indústria de lanifícios) e ao aproveitamento de objectos fora de moda, MEG apresenta peças bastante actuais e com nomes muito sugestivos. “Mulheres sob Pressão” é uma das obras recriada. “Aproveitando uma prensa dos livros e através da construção de duas mulheres em pasta de papel, elas aparecem espalmadas depois de terem ficado sob a prensa”. “Conversa Fiada é o título de outras das obras que nasceu a partir do aproveitamento de uma roca de fiar linho e em que três mulheres se apresentam na amena cavaqueira. A Semana é outro dos objectos decorativos que se desenvolve num quadro em que os dois bonecos rapazes e as cinco raparigas nos dão a ideia do período de descanso e de trabalho”. Já a peça “À Espera da Primavera, apresenta-se num quadro em que uma mulher está sentada no baloiço improvisado no tronco de uma árvore despida de folhas”. Trabalhos de artesanato que estão à venda na rede de lojas das Aldeias do Xisto e em duas ou três lojas de Lisboa, Porto e Castelo Novo. Segue-se o atelier de pintura de João Rui Frade. O aguarelista da Covilhã que também trabalhou na Fábrica António Estrela aderiu ao projecto para ajudar a preservar o património da unidade de lanifícios onde trabalhou na cardação e na verificação do estado de saúde da maquinaria industrial. O antigo desenhador de máquinas transporta-nos agora para outros desenhos que resultam das muitas viagens pelo património natural da Covilhã. Lugares recônditos que despertam no pintor a capacidade de construir cenários de sonho. “Um levantamento de lugares emblemáticos da cidade para uma colecção de aguarelas sobre a vida urbana da cidade”, preenche os dias do pintor de paisagens, telhados e igrejas mas que também se dedica à recolha de recantos do mundo rural. Por entre aguarelas, lápis e tintas, João Rui Frade confidencia a satisfação de ter um espaço para trabalhar que além de muita luz se localiza num lugar onde a beleza da natureza é uma constante. À porta da antiga fábrica de lanifícios o silêncio de um princípio de tarde de outono só é quebrado pelo som da água da Ribeira da Carpinteira que passa ao lado da unidade criativa. A natureza é o forte do fotógrafo João Pedro Silva. No estúdio improvisado e decorado a partir da utilização das caixas de madeira que foram utilizadas no transporte da lã, João Pedro explica que a arte de fotografar vai muito além de um mero clique. Não será ao acaso que “o contador de histórias em fotografia” foi seleccionado para assinar o catálogo da colecção de burel para a Rede das Aldeias Históricas de Portugal. Com o negócio da fotografia em crise, João Pedro vê na New Hand Lab uma nova janela de oportunidade para a realização de projectos que vão além da fotografia convencional. Sociólogo de formação Pedro tem em mãos o desafio de educar o gosto pela arte fotográfica e tem realizado cursos de fotografia na Covilhã. A fotografia de paisagem e os rostos são a aposta do Pulse and Vision explicou o especialista que tem vindo a realizar trabalhos de promoção à arte do burel.

Publicado no Jornal do Fundão em Janeiro de 2014

quarta-feira, novembro 27, 2013

Tratamento para abusadores sexuais precisa-se

“Sexo, Crianças e Abusadores” é o título de um livro que resulta da realização de uma investigação clínico-forense, no âmbito da conclusão do Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UBI. Um trabalho de Filipa Carrola que entre 2010 e 2011 se dedicou a uma investigação que ajuda a avaliar “a personalidade e saúde mental” do sujeito abusador.
O documento com prefácio de Barra da Costa (profiler criminal) poderá ser um contributo para a compreensão e promoção de acções de acompanhamento e cura dos abusadores sexuais. Por outro lado, a tese de mestrado ajuda a “desmistificar a confusão que existe na sociedade entre pedofilia e abuso sexual de crianças, e os mitos que criam um imagem estereotipada acerca do crime de abuso sexual de crianças, abusadores e crianças”. 
No âmbito do estudo foram ouvidos em contexto prisional “62 abusadores sexuais de crianças” que cumprem pena nos estabelecimentos prisionais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Carregueira. No trabalho de campo a jovem investigadora ouviu ainda “63 sujeitos da população normativa, que foram avaliados em termos da sua personalidade e saúde mental, através da aplicação de dois instrumentos de avaliação psicológica (entenda-se, questionários). Para complementar o estudo e melhor caracterizar a amostra foi também aplicado a todos os sujeitos de ambos os grupos um breve questionário sócio-demográfico. Após a análise estatística concluiu-se que a média de idades dos abusadores sexuais foi “de 44 anos, sendo que 53,22% destes sujeitos tinha idade igual ou inferior a 45 anos. No que respeita à escolaridade, 48,38% dos abusadores estudados tinham escolaridade equivalente ao 2.º/3.º ciclos do ensino básico, 40,32% tinham escolaridade igual ou inferior ao 1.º ciclo do ensino básico e 11,29% tinham escolaridade igual ou superior ou ensino secundário”. Por outro lado, os abusadores em causa pertencem a “vários estratos socio-económicos e as suas competências sociais e culturais são variáveis. É um grupo heterogéneo psicologicamente afectado, pois ao nível da personalidade tinham dificuldade em identificar e gerir emoções”. São tendencialmente hostis e negativistas. Estão associados a problemas de alcoolismo e a um sub mundo quantas vezes criado pelos próprios e com base nas “fantasias e vícios” de cada um.
Filipa Carrola entrevistou cada um dos abusadores e em nenhum momento sentiu desconforto. Ainda assim sublinha a tentativa de cada um dos abusadores em justificar o injustificável. “Muitas vezes disseram que foram seduzidos pela vítima. Mas o relato mais marcante foi o de um jovem abusador que me disse ser o Messias e encarnando uma pessoa teria de dar carinho e afecto permanente às crianças”.
Apreensiva com o retrato dos abusadores, Filipa Carrola deseja que o seu trabalho académico abra caminho “ao tratamento dos abusadores evitando o crescimento das taxas de reincidência e protegendo mais as crianças”. A investigadora, natural da Covilhã, referiu ao JF ser imperioso “contrariar a ideia de que a prisão é o único tratamento penal para estes sujeitos, pois muitas vezes saem mais perigosos”. À semelhança do que acontece com os condenados por violência doméstica, em Portugal não há uma estratégia de tratamento dos criminosos/condenados. Filipa Carrola lembra a Convenção dos Direitos da Criança em que os todos os países se comprometem a legislar para prevenir todas as formas de violência sexual e a prevenção está também no tratamento, alerta! Ainda assim, sublinhe-se que em Portugal existe nos Estabelecimentos Prisionais de Paços de Ferreira, Carregueira e Funchal um programa de acompanhamento de abusadores sexuais mas cujos resultados práticos são desconhecidos. “Em 2011 pensou-se dar continuidade ao programa fora do contexto da cadeia”, conclui. Da investigação, que permitiu a Filipa Corrola um brilhante 19, resultou a publicação de um artigo numa revista de Criminologia no Brasil e dois capítulos na revista Portuguesa de Psicologia. Continuar o trabalho académico de investigação nesta área é o próximo passo da autora do livro “Sexo, Crianças e Abusadores, que se propõe tirar o Doutoramento e desenvolver as suas competências no acompanhamento dos abusadores sexuais. 

Publicado no Jornal do Fundão de 14 de Novembro de 2013

segunda-feira, novembro 18, 2013

Desinvestimento na cultura ameaça um bem essencial

Fernando Sena o actor que é director e fundador de uma companhia de teatro que é um exemplo de resistência à interioridade e à ausência de uma maior aposta na produção cultural. ”Sou contra a menorização da cultura”.


Fernando Sena, director do Teatro das Beiras, fundador da associação que deu origem à companhia profissional de teatro. O GICC- Grupo de Intervenção Cultural da Covilhã, fundado em 1974, e onde foi actor e encenador. Foi um dos mentores de um projecto cultural ecléctico, que à época era único na Beira Interior, pioneiro no combate ao analfabetismo. Na conversa realizada na sede da companhia, Fernando Sena recordou os primeiros passos de um projecto que assume como parte integrante da sua vida e elege a profissionalização da companhia como o marco mais importante do projecto. O primeiro espectáculo foi logo em 1975, mas a associação tinha uma intervenção multifacetada. “Muito antes de se falar de analfabetismo, dinamizámos a alfabetização e houve quem tenha feito o exame da quarta classe, após as aulas aqui realizadas”. A realização em Agosto de O acto na Montanha, permitindo a troca de experiência e aperfeiçoamento de conhecimento no teatro e outras artes foi, durante dez anos, outro doa marcos da companhia. Resistir “às inúmeras dificuldades criadas ao teatro e à cultura” tem sido a estratégia. Aos parcos apoios financeiros que desde sempre marcaram o apoio à produção cultural - ao contrato de financiamento assinada em 2009 com a Direcção Geral das Artes, sucederam-se cortes que em 2013 chegaram aos 70% - junta-se a interioridade. “Quando fizemos o primeiro festival, um camião com os cenários demorava nove horas na viagem desde Lisboa à Covilhã. Hoje as viagens são menos demoradas mas a vida das companhias no interior continua financeiramente muito complicada. Seja pelo desinvestimento do Estado, seja pelo encerramento de serviços. Sem elementos catalisadores decresce a população”. Apesar dos contratempos Sena orgulha-se da panóplia de espectáculos realizados. “Mais de duas mil e duzentas produções em 39 anos, uma centena de espectadores por sessão”. Contestando o aparente divórcio entre o público e o teatro, Fernando Sena sublinha o decréscimo de espectadores também no cinema e questiona se “esse divórcio com a cultura não será, antes, um reflexo da formação das pessoas e da sociedade em geral”. Ou no resultado da perda de poder de compra! Quanto à estratégia de produção a aposta recai em nomes universais (Moliére e Goldoni) e “textos acessíveis”. Trabalhamos para o grande público e também para as crianças. Também produzimos espectáculos a partir de textos mais herméticos” mas que “têm uma grande qualidade e que pertencem a autores de renome mundial”. Enriquecem a oferta da companhia profissional que ao longo dos anos apresentou “quase 90 produções próprias”. Actualmente o Teatro das Beiras tem em cena o espectáculo de Dário Fou, “Pagar aqui Ninguém Paga”, que tem tido boa receptividade do público mas “infelizmente não tem havido condições para fazermos circular mais peças a nível nacional”. Embora a região e o país disponham actualmente uma rede de - e infra-estruturas culturais a verdade é que de há “quatro ou cinco anos a esta parte fazem-se menos espectáculos e digressão”. Enaltecendo o plano de recuperação de cine-teatros nas capitais de distrito, Fernando Sena elogia a estratégia do então Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho) mas lamenta que a construção de novos equipamentos (um por concelho) não tenha sido acompanhada pela contratação de bons programadores. “A maioria das salas encontra-se distante da actividade para a qual foi construída. Não estando abandonadas, são salas sem uma oferta regular de produção profissional”. A recuperação do Teatro Municipal da Covilhã que deverá ser uma das apostas do novo executivo do Município da Covilhã, merece um alerta: “Espero que não se comentam erros idênticos aos realizados pelo país em que se gastaram milhões de euros em salas com problemas técnicos de todo o tipo. A programação deverá ser adequada à cidade e não a preferência de uma ou duas pessoas”. O Teatro das Beiras está a fazer 39 anos, a caminho vem o Festival de Teatro, que nasceu em 1980 como Ciclo de Teatro de Outono, antevê-se uma programação cultural à altura da credibilidade da companhia. Actualmente reúne seis actores residentes, sonha com um espaço “mais digno para a apresentação de espectáculos”. “Trabalhamos com muito bons actores que não beneficiando do mediatismo das telenovelas são muito profissionais”. Embora a televisão seja um enorme meio de difusão de actores, Fernando Sena queixa-se de que “ao nível do espectáculo televisivo, não existe oferta de teatro. Nem na televisão pública! Mas a mediocridade não se fica pela oferta das estações privadas, a pública que é suportada por todos nós actua com a mesma ligeireza”, afirma. Em tom critico, lembra o ”país da compra e vende-se que esqueceu a cultura. Para mim a cultura faz parte da vida como um bem essencial”.

Publicado no Jornal do Fundão em Outubro de 2013

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