quinta-feira, janeiro 19, 2023

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa de Atalaia na celebração do centenário Eugénio de Andrade.

O poeta maior só na meia-idade se reencontrou com a Póvoa de Atalaia, localidade onde as marcas da sua obra literária são bem visíveis. Ali haverá de nascer a Sala da Leitura mas os locais querem mais. Ouvir aqui a reportagem que passa hoje na Rádio Cova da Beira https://audiomack.com/cova-da-beira/song/peca-dulce-centenario-eugenio

A Sala de Leitura a localizar no olival que inspirou alguns dos poemas de Eugénio, irá enriquecer a obra física perpetuando o percurso literário do poeta que morou na Rua da Eira, viveu em Lisboa e passou grande parte da vida no Porto- cidade onde faleceu no ano de 2005.

Mas a população quer mais que edifícios e o secretário da União de Freguesias de Póvoa e Atalaia do Campo acompanha o sonho da comunidade. O autarca gostaria que as comemorações do centenário terminassem na terra Natal do poeta.

Enquanto não se sabe se a vontade da comunidade se concretiza, importa registar a memória falada da vida do poeta que deu vinte escudos à prima Maria Mesquita Fontinhas para comprar um bibe.



O pai de Maria Mesquita Fontinhas era irmão da mãe de Eugénio. Irmão de Maria dos Anjos. A mulher amada pelo poeta que foi mãe solteira e empregada de servir. Contou à RCB Maria de Jesus Rato de 74 anos. Sobre o poeta, recorda o sentido de família alargada de Eugénio de Andrade e o orgulho de Póvoa de Atalaia quanto ao filho da terra.

As memórias de Maria de Jesus são de ouvido e a poesia de Eugénio de Andrade é algo que só na idade adulta a despertou. Ainda assim, Maria de Jesus sabe que os seus poemas falavam da ribeira da Orca e da infância.

Maria de Jesus não é uma mulher de preto mas consegue ler a obra do poeta da Póvoa e garante que Eugénio de Andrade foi das mais importantes personalidades da localidade onde é visível a trajetória de inspiração de José Fontinhas. Um percurso de inspiração que enaltece os sentimentos, o amor de mãe e a geografia da sua meninice.



A Sala da Leitura projetada pelo arquiteto Siza Vieira ficará a caminho do Corricão, num antigo olival que irá tornar-se ponto de paragem obrigatória no circuito da Rota dos Escritores. A obra que merece a concordância das gentes de Póvoa de Atalaia irá juntar-se à Casa da Poesia e ao Lugar da Casa, espaços que já fazem parte do circuito de visitação poética à terra Natal de Eugénio de Andrade.

quinta-feira, maio 05, 2022

A Associação que é a sala de visitas de Castelo Novo

 

Ponto de encontro entre residentes e turistas, a coletividade, localizada na zona central da freguesia, é ponto de paragem obrigatória para quem quer sentir o pulsar da Aldeia Histórica. Ali pratica-se a arte de bem receber.


Fundada em 1998, a Associação Sociocultural de Castelo Novo (ASCCN) é liderada por duas sexagenárias. As irmãs Laurinda e Fernanda Duarte assumiram os destinos da organização social e não se furtam a esforços para agradar a quem visita Castelo Novo e recorre à coletividade para tomar um café, chá ou até solicitar disponibilidade para ali realizarem refeições de grupo.



Com a preciosa ajuda de outros dirigentes, radicados fora de Castelo Novo mas sempre disponíveis para arregaçar as mangas, desde que estejam na aldeia, as diligentes carolas da ASCCN facilmente granjeiam a ajuda de outras sócias e amigas da coletividade com vista à realização de convívio para associados ou garantindo acolhimento básico a grupos de turistas que solicitem a sede da Associação para ali poderem deixarem o farnel, degustarem a merenda e tomarem uma bebida quente.

Foi o que aconteceu no fim-de-semana do 25 de Abril quando um grupo de Alverca, através de um telefonema, garantiu que a ASSCN poderia disponibilizar o salão para o almoço partilhado. “Ficaram encantados com o acolhimento e decoração típica do espaço onde quiseram fotografar-se”, salientam as dirigentes associativas que nesses dias não tiveram mãos a medir com tanta afluência de turistas e naturais da freguesia. 

A ASCCN é o “único espaço com vida” na Aldeia, confirma ao Jornal do Fundão Laurinda Duarte que faz gala em não deixar fechar as portas da coletividade fundada pelo marido, Raúl Augusto Pinto Rodrigues. “Todas as pessoas desejam longevidade” a uma organização que desde sempre dinamizou a localidade através do acolhimento de tertúlias, iniciativas desportivas, eventos solidários, visitas de estudo à localidade  ou até aulas de ginástica que chegaram a quebrar o sedentarismo das pessoas idosas maioritariamente residentes na localidade.

Além dos carolas dirigentes, também alguns associados e amigos da agremiação se disponibilizam para ajudar a concretizar as atividades programadas. Na véspera do 25 de Abril, o voluntariado ganhou outro sabor na degustação de um almoço convívio que juntou 70 participantes entre sócios residentes e de fora de Castelo Novo que a reforma devolveu à freguesia.



É pois, na ASCCN que a idade maior e a pouca juventude da freguesia confraternizam num ritual que enobrece a localidade e orgulha quem está ao leme da Associação que em 2023 completará as Bodas de Prata. Ali, nos domingos à tardinha, é certa a confluência dos locais e novos residentes, mesmo se oriundos de outras nacionalidades, que elegeram Castelo Novo como último refúgio de uma vida inteira dedicada ao trabalho nos países de origem. É vê-los de copo de cerveja na mão, confraternizando com a comunidade local, soltando gargalhadas e simpatia que fica na memória de quem ali ocupa o tempo livre.

É a pensar nos resistentes e novos residentes de uma freguesia marcada pelo êxodo rural que a família da ASCCN dedicada muitas horas do fim-de-semana à associação. À beira de celebrar 25 anos de existência é quase certo que a data não passará em branco. Laurinda Duarte diz-se entusiasmada com a possibilidade de realizarem uma celebração à altura da jovem mas relevante força viva de Castelo Novo.

“Com a bênção do Senhor de Misericórdia e a entrega dos associados” nada será deixado ao acaso, “nem que tenha de investir do meu bolso”, atira a sorridente presidente ao lado da irmã Fernanda, na pausa pós almoço de celebração da Liberdade e da Democracia, no pátio exterior ao edifício onde, naquele domingo, ouve comes e bebes, concertina, alegria e reencontros com pessoas naturais de Castelo Novo que nas épocas festivas ou fins-de-semana alargados regressam à terra Natal e não falham uma ida à Associação Sociocultural de Castelo Novo.

Ali onde a vida acontece !



Originalmente publicado no Jornal do Fundão de 05 de maio 2022 

quarta-feira, agosto 18, 2021

Gerês 25 anos depois

A memória dos dias calmos e plenos de atividade e movimento.  É assim que caracterizo o baú de imagens e vivências de quatro dias no Gerês. Aqui onde também se ouve o sino que dá as horas, se contam as estrelas, onde o nascer ou por do sol à beira rio tem outro encanto.


Aqui onde São Bento de Porta Aberta é uma espécie de Cova da Iria, tal a afluência de devotos e turistas que chegam em viatura própria ou camionetas de passageiros, trazem a merenda, veneram o santo e transformam o santuário no reencontro anual com a fé e espiritualidade. 


É daqui, do Gerês, que levo a gratidão da vida por me permitir inspirar-me na beleza poética de cada recanto, encosta, lago ou ponto de água. Aqui onde a água é  aventura e lazer, todos querem tirar proveitos do potencial turístico das águas do rio Caldo e da Barragem. Entre gaivotas, bóias, canoas e barcos, faz-se de tudo na calmaria do curso fluvial que junta centenas de pessoas de várias línguas. 
O francês e espanhol são as línguas mais faladas nas conversas entre veraneantes que também falam português do Brasil e a língua de Camões. 
O Gerês, tal qual o conheço hoje, é absolutamente diferente do Gerês de há mais de 25 anos.  Que transformação!


Mas a genuidade dos locais não se perdeu ! Nota-se na conversa com a pessoa do café ou a vendedora de frango na brasa num qualquer lugar das Terras do Bouro. Também é notório no verbo do guia turístico com quem conversei na Portela do Homem e que encontrei dias depois na rua onde morei estes dias. Neste reencontro com a natureza dei-me conta do trabalho zeloso dos vigilantes da natureza, o ICN - instituto de conservação da natureza,  parece não ter falta de meios humanos e isso reforça a confiança de quem andou por montes e vales do Parque Nacional Peneda-Gerês.
Paisagens de cortar a respiração, floresta diversificada e de beleza ímpar.  Espécies bastante invulgares se comparadas com a realidade da nossa Gardunha ou na generalidade da flora na Estrela.  Até as casas florestais estão semi restauradas e apresentam o aspecto que a foto documenta.


 
Nestes dias de agosto, eleitos para voltar ao lugar onde fui feliz, trouxe para  companhia gente de várias idades igualmente rendida à beleza do território que é ponto de confluência de tantas pessoas.
Se há casos em que dá gosto observar a evolução da oferta turística e capacidade empreendedora dos locais, estas aldeias e vilas à volta do Gerês Termal e Verde comprovam essa aposta acertiva na exploração económica e social de uma geografia cheia de potencial.

O Gerês não é o Algarve de Portugal mas tem expressão maior no destino para descanso e lazer de tantos de nós!

quinta-feira, abril 22, 2021

Confinamento de Mulheres e outros alertas

- Acordai
Acordai
Homens que dormis
A embalar a dor
Dos silêncios vis
Vinde no clamor
Das almas viris
Arrancar a flor
Que dorme na raiz
Acordai
Acordai
Raios e tufões
Que dormis no ar
E nas multidões
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras do mar
O mundo e os corações
Acordai
Acendei
De almas e de sóis
Este mar sem cais
Nem luz de faróis
E acordai depois
Das lutas finais
Os nossos heróis
Que dormem nos covais. 



Acordai!
"Acordai" na poesia de José Gomes Ferreira e na música de Fernando Lopes Graça foi o mote inspirador para o alerta, os alertas, que a peça "Confinamento de Mulheres" apresentada, durante duas sessões, na Moagem no Fundão deixou às dezenas de espetadores que terça e quarta feira assistiram à interpretação da CIA Atma das Artes liderada pela encenadora e atriz brasileira Sílvia Lucarini.





Ao longo de três quartos de hora ouvimos canções e poemas intemporais de Florbela Espana, Miguel Torga ou Rupi Kaur numa majestosa interpretação de Ana Leonor Santos, Luísa Nunes, Liliana Passos que nos fizeram refletir sobre a vida das pessoas cuja liberdade tantas vezes é condicionada.

"A crença no poder do julgamento desvanece-se sentindo o coração", disseram alto e bom som no palco performativo de onde sobressaíram vozes de inconformismo face ao continuado abuso de mulheres e pessoas sem voz. 

Pessoas confinadas e abusadas cuja tenacidade e determinação as leva a expressar indignação e comprometimento pela liberdade de outras mulheres, homens, crianças e seres carentes de sementes transformadoras como renovada foi a sensação coletiva de inquietude face à realidade da espuma dos dias.

Foi um espetáculo libertador e introspetivo no qual não faltaram os sons da natureza, símbolos de paz e harmonia na Primavera de 2021. Ou na Primavera que há em cada gesto. 





sábado, abril 03, 2021

A Escola da Meninice

 A escola. Esse lugar mágico de aprendizagem e brincadeiras onde outrora se fizeram distinções de género. Rapazes para um lado. Raparigas para o outro. A escola do quadro preto, do globo e do mapa de Portugal com carteiras e soalho de madeira em que a professora levantava a cana para impor o respeito. 


 



Hoje revisitei essa escola. Aquela que frequentei e para a qual me dirigia, diariamente,  a pé desde o alto da Gardunha.  É verdade,  para ir à escola eu palmilhava 6 quilómetros. Metade de manhã.  Metade à tarde. Um ir e voltar com a sacola às costas, por entre pinheiros gigantes e alguns uivos. Debaixo de chuva ou de temperaturas muito baixas. Mas nada me intimidava.

No Inverno, quando os dias eram mais curtos e o clima nos presenteava com um frio de rachar, ventos ciclónicos e muita chuva, o meu pai que era o guardião do perímetro florestal de Castelo Novo, assobiava e chamava: Dulcinha, Dulcinha ! Eu respondia e continuava no carreiro até à Casa Florestal. À chegada tinha o calor da lareira e a resposta às perguntas do quotidiano.

Verbalizava as brincadeiras no pátio da escola. Os jogos, o improviso e a sensação maravilhosa de pisar o risco. Quem nunca sentiu uma enorme excitação por saber-se a fazer algo menos correto ?

No meu tempo de escola, em Castelo Novo,  havia mimosas e esconderijos entre o estabelecimento de ensino e a Capela de Santa Ana e São Joaquim.
Quando não gritávamos "aí vai alho" e subíamos para cima do vizinho, não estaríamos a fazer de burro, poderíamos estar a jogar ao lenço ou à cabra cega. Também fazíamos o jogo da macaca e os rapazes jogavam ao aro ou ao berlinde.

Tenho uma vaga ideia de tantas das nossas brincadeiras no espaço à volta da escola !
Foi dali que hoje registei o retrato da minha aldeia encravada na serra.
Ali onde a escola, a precisar de obras de conservação,  é agora um edifício devoluto e de onde extraímos apenas memórias.

Memórias da professora Beatriz, uma mulher de estatura baixa mas bastante forte e a quem era difícil mexer-se. Depois veio uma professora de Braga, chamavam-lhe a "caixa de óculos" pois tinha uma lentes bastante grossas, que mal aqueceu o lugar.
Braga ficava longe e já naqueles anos do século XX os professores andavam com a casa às costas.

Fica um breve registo da escola da minha meninice. Foi há tantos anos !

E não a recuperam? A pergunta teve como resultado um encolher de ombros. Num tempo em que tanto se mede o impacto haverá sempre quem sinta o apelo por uma intervenção.  Ou quem se questione se valerá a pena.
Traços do quotidiano na minha aldeia berço. Ali onde avistamos Espanha e Monsanto. Lá onde o silêncio é Rei e as floreiras simbolizam esperança de outras Primaveras !

sexta-feira, agosto 28, 2020

Regressar é mais fácil que ficar

Raquel Alves é  uma entre centenas de emigrantes da nova geração que seguiu o exemplo dos pais e no início da primeira década de 20 do século XXI deixou a pacata aldeia de Póvoa de Atalaia no concelho do Fundão e rumou ao estrangeiro.

Tinha 15 anos e  acreditou que  o sonho de alargar horizontes poderia concretizar-se mais perto do pai, na Suíça para onde viajou em 2003 com a mãe e os dois irmãos. No fundo tratava-se de dar seguimento à tradição familiar que começou com o avô materno. José Alves Mação esteve 20 anos em França e voltou para Portugal “à meia idade”, a neta recordou-nos os difíceis anos da década de 60 do século XX quando os portugueses se sujeitavam a qualquer trabalho mesmo que tivessem qualificações.

Os avós que “são o pilar da família” foram a maior dificuldade em deixar Portugal mas a ambição por uma vida melhor ajudaram-na a superar-se e em Bienne, perto de Berna, ambientou-se, fez novos amigos, trabalhou numa fábrica de relógios da Rolex e num salão de cabeleireira. Sentia-se realizada, apesar das dificuldades com a língua. Mas a motivação sempre foi amealhar alguns recursos e voltar ao país de origem.

Regressou em 2018 e no dia 22 de agosto de 2020 volta a fazer mas malas para começar de novo. Neste, entretanto, também viveu em Alcochete e trabalhou num call-center em Lisboa. Durante cerca de um ano, sentiu-se “uma estrangeira em Portugal, a dificuldade de reintegração e os complexos com o sotaque da língua bem como a dificuldade em compreender algumas expressões originalmente portuguesas” fizeram-na sentir-se “discriminada”.

As voltas da vida de Raquel Alves e dos filhos de seis e nove anos de idade trouxeram-na, então, de volta às raízes beirãs. “Voltar às origens sempre foi a minha maior motivação” descreveu ao JF Raquel Alves numa manhã de agosto na cidade do Fundão.

A jovem mulher que outrora tinha ficado com um nó na garganta por deixar os amigos de infância e as memórias do Externato Capitão Santiago de Carvalho (Alpedrinha) onde estudou, estava de volta mas trazia empreendedorismo e capital na bagagem.

Contrariada pela “sistemática burocracia” e “descoordenação entre serviços”, Raquel Alves respirou muitas vezes fundo até conseguir, com a ajuda dos pais, abrir no Fundão o seu salão de cabeleiro. “Abrir um negócio meu era o desafio de uma vida”, mas o sonho desta mãe de família haveria de conhecer mais que peripécias burocráticas associadas a licenças e afins. “Sou família monoparental, tantos anos depois já não conhecia as leis portuguesas, os serviços públicos nem sempre agilizavam. Valeram-me as pessoas espetaculares no aluguer e transformação do espaço”, refere a emigrante.

A antiga espingardaria que durante sete meses foi um salão de estética e cabeleireiro é hoje pouco mais que uma etapa na vida da portuguesa que está de abalada para o estrangeiro.

“Dá-me pena o trabalho que o meu pai, construtor civil, ali teve, mas vi-me obrigada a fechar o salão”, afirma quem investiu parte das economias conseguidas em 15 anos de emigração. O espaço que devido à pandemia covid 19 esteve dois meses e meio encerrado começou a perder clientela. “Tinha dias e dias sem ninguém, mesmo aos sábados, era incomportável”, desabafa meio triste meio conformada a emigrante de 32 anos.

Quando aceitou partilhar com os nossos leitores a sua história de vida, Raquel Alves falou-nos de como é ser emigrante no Portugal onde as redes sociais denotam incompreensão quanto a quem está lá fora. “Fico triste com o que leio. Nós só vimos visitar a família, não impomos nada”, refere.



Daqui a uns anos, Raquel reviverá os hábitos de criança e jovem quando em cada mês de agosto ficava ansiosa com o regresso ao país de origem. “É um sentimento indescritível a preparação do regresso, o reencontro durante a viagem com outros compatriotas. É uma emoção que à chegada à fronteira nos emociona”, conclui.

 

Regressar a Portugal com o fado no coração

 

A vida de emigrantes faz-se de regressos e partidas. Umas vezes com data marcada outras por imposição do destino. Lúcia Silva ou Lúcia Palpita como é conhecida é uma dessas pessoas que o destino obrigou a regressar à terra mãe.

Encontramo-la na semana passada numa das mais movimentadas esplanadas do Fundão. Conversava com uma amiga covilhanense sobre a aventura de deixar a Suíça e voltar à Beira Baixa.

“Estou aqui a tomar um cafezinho com uma amiga que nestas semanas me tem ajudado a resolver problemas burocráticos com a matrícula do meu filho”, começa por explicar-nos a fundanense de 45 anos.

O desabafo e contextualização do momento fazem-nos antever a dificuldade de uma emigrante que ao fim de 25 anos a trabalhar como auxiliar de limpezas regressou ao seu Fundão para cumprir o sonho maior que é cantar fado.

Na verdade Lúcia Palpita já canta e conhece o fado. Não só por causa da papelada que desde maio, quando regressou a Portugal, tem vindo a resolver, mas também porque é habitual ser convidada a mostrar o seu talento e dotes vocais em cerimónias e eventos privados.

Lúcia que estava desempregada desde 2018, devido a problemas de saúde, regressa agora ao aconchego da família de sangue para “atingir a felicidade plena”.

E para começar, iniciou esta segunda-feira uma nova experiência profissional numa fábrica de polimentos onde só não começou a trabalhar mais cedo por causa da pandemia.

O coronavírus foi, de resto, a realidade que maior impacto negativo causou na vida desta emigrante. Nem a adaptação à língua alemã foi tão traumática quanto o confinamento obrigatório ou o ensino à distância por parte do filho mais novo. “Nunca senti tanto medo, por mim e pela minha família”, diz-nos a emigrante cuja viagem de regresso a Portugal foi concretizada sob todas as medidas de proteção e segurança contra a pandemia.

Sobre os anos no estrangeiro, Lurdes Silva recorda a “beleza invulgar” do país onde “a qualidade de vida impera” e que há muito deixou de ser a galinha dos ovos de ouro.

Lúcia e Raquel são apenas dois exemplos de naturais da Bera Baixa que voaram mais longe em busca de um sonho chamado bem-estar. Entre os objetivos e a realidade há sempre obstáculos que roubam energias ou tornam as pessoas mais resilientes. Bom regresso às duas mulheres!

Dulce Gabriel

Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler na íntegra aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf

Já Tínhamos Saudades

No Verão do novo normal fomos ao encontro de emigrantes que arriscaram vir a casa num tempo de redobrada exigência sanitária. Embora a região assista a um decréscimo de presenças, o território não ficou indiferente ao calendário e até as tradições religiosas se adaptaram à pandemia.

Souvenirs e lembranças adequadas à geografia do território ou às crenças e figuras icónicas das nossas terras, objetos alusivos à saudade de quem visita o país da língua de Camões estão à vista de quem entra nos quiosques, praças e mercados ou lojas de produtos locais que por estas semanas são ponto de paragem obrigatória por parte dos inúmeros emigrantes que nos visitam.

Não tantos quanto o desejável e muito menos do que em anos normais, dizem comerciantes, transeuntes e hoteleiros que embora não tenham preparado iniciativas específicas para receber os emigrantes habituaram-se a esperar por agosto para equilibrar a faturação do ano inteiro.

Na Praça Municipal, no mercado, nas esplanadas e restaurantes das cidades, vilas e aldeias percebe-se que há mais movimento, mas “estamos aquém” de outros tempos vincam autarcas e dirigentes de organizações de comerciantes e restauração.

No ano em que as generalidades das novas gerações de emigrantes não puderam vir a Portugal para se protegerem da pandemia covid 19, encontramos algumas famílias mais jovens que desta vez vêm para estar com os pais e avós, mas não irão sair da região para, por exemplo, mergulharem na águas salgadas do mar.

É nesse contexto que os hotéis da região trabalham para “atenuar prejuízos maiores”. “Os emigrantes costumam procurar-nos, habitualmente registamos percentagens consideráveis de dormidas, 90 por cento das mesmas correspondem a portugueses com raízes na região. Vêm para ficar uma a duas noites, saem para visitar a aldeia ou concretizarem estadias fora da região e quando pensam no regresso ao estrangeiro ficam mais uma noite”.

O relato feito ao JF num dos mais antigos hotéis da cidade do Fundão não é muito diferente da realidade no único hotel de cinco estrelas da região. Com programas específicos para clientes estrangeiros e uma procura na casa dos 40 por cento, apenas 15 por cento tem estado a efetuar reservas, adiantou a relações públicas da unidade hoteleira.

A oferta turística “diferenciadora” no concelho do Fundão levou inclusivamente o município local desenvolver uma campanha intitulada “Já Tínhamos Saudades” que visa afirma o território como um “destino turístico alternativo e seguro em tempos de pandemia”, valorizando os programas e rotas enquanto elementos impactantes para a economia regional no acolhimento de turistas.

Leonardo Durão Romão de sete anos poderá ser a segunda geração da família Romão em França. Nunca ouviu falar de Aldeias Históricas nem de Aldeias do Xisto, mas sabe e diz-nos que gosta muito de vir a Portugal.



Foi exatamente no café que dá nome ao país dos pais Elisabete e Hugo que o petiz exprimiu alegria e boa disposição quanto às férias que o trazem para junto dos avós e do irmão mais velho, a viagem antecede o regresso presencial à escola francesa e significa “um tempo de enorme liberdade e celebração” sublinha Elisabete Durão, 40 anos e a residir em França desde 2008.

A mãe de família que em Portugal se dedicava à fotografia é agora proprietária de salão de estética e cabelos em Villabê a 30 quilómetros de Paris.

Também o beirão e marido, Hugo Romão se estabeleceu por conta própria em França. O casal que não tem tradição de emigração na família deixou a Beira Baixa rumo ao desconhecido, mas â parte da dificuldade em aprender a língua francesa e das saudades da família não sentiram quaisquer outros entraves na aventura de “começar do zero”. “O meu marido foi o primeiro a orientar trabalho, mês e meio depois de chegarmos também eu me ocupava como operadora de caixa num supermercado”, revela a fundanense radicada numa região onde existe uma expressiva comunidade de portugueses.

“Com dois filhos a ideia é ficarmos o mais tempo possível, mas o regresso a Portugal é algo que permanece inscrito no diário de quem se socorre dos amigos franceses para garantir a melhor retaguarda para as crianças.

Todos os anos vêm a Portugal no período do Verão e sempre que podem dão um pulinho à praia. Porto Covo poderá ser o destino de 2020, um ano atípico e sem romarias ou festivais que esta família alternava com as reuniões familiares.

A ausência de festas religiosas é bastante notada pelos compatriotas que nesta altura do ano se encontram no Interior de Portugal. Por causa da pandemia e das imposições de segurança sanitária, a componente espiritual do regresso a Portugal ficou comprometida.

No segundo e terceiro fim de semana de agosto em várias aldeias da região as numerosas procissões deram lugar a simbólicos cortejos religiosos e a missas campais com o distanciamento social necessário.

“Não é a mesma coisa, mas as devoções mantêm-se!”, asseveram os fiéis de Santo António, Anjo da Guarda ou Nossa senhora da Assunção.

José Fernando Ferreira da Silva Torres de 54 anos também de férias na região. Natural da Maia mudou-se para o Luxemburgo em 2016 e não está nada arrependido.

Começou a experiência seguindo o exemplo da primeira e segunda geração de familiares diretos que há muitos anos deixaram Portugal em busca de uma vida melhor em Angola e na França.

Bem-sucedido, José Torres conseguiu convencer a esposa e a filha mais nova a seguirem-lhe o rasto.

Chegados lá não sentiram grandes dificuldades em adaptar-se. Primeiro José que logo iniciou o percurso na área das estruturas de alumínios e vidro, setor que dominava uma vez que em Portugal também se dedicou ao ofício.

Para José um cidadão português no Luxemburgo significa juntar-se a uma comunidade respeitadora “dos direitos e apoios sociais à família, excecionalmente superiores aos obtidos em Portugal”.

“Na saúde pagamos a consulta médica, mas posteriormente a caixa nacional de saúde reembolsa-nos com 80 por cento custo”. Particularidades que fazem toda a diferença num país em que a mão de obra portuguesa é considerada “valiosa pois adapta-se com facilidade a qualquer trabalho”.



José não equaciona voltar para Portugal até porque a esposa, educadora de infância numa organização publica, também está bem e a restante família também deverá definir o futuro num país onde existem comunidades portuguesa, italiana e Cabo Verdiana e onde “não sinto que haja racismo e xenofobia”.

Para a família Torres a pandemia trouxe-lhes as regras imposições associadas à covid 19, estão ambientados quanto a uma realidade que “continua a ser negligenciada por cidadãos de todos o mundo”, embora em países como o Luxemburgo existam “fortes penalizações pecuniárias” para incumpridores de regras básicas e que dessa forma passarão a corrigir-se. “O reforço da vigilância policial foi uma das medidas para evitar uma segunda vaga de coronavírus”, acrescenta o cidadão português que no regresso ao Luxemburgo irá receber um voucher pago pelo governo local para fazer teste gratuito, tal qual aconteceu antes de virem para o Fundão.

Dulce Gabriel

Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler integralmente aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...