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sexta-feira, maio 24, 2019

Lembranças vossas


Ana Almeida, Rodolfo Pinto Silva, Liliana Machadinho, Sérgio Figueiredo, Carla Loureiro e Marisa Miranda. Que têm em comum estes nomes? O jornal Notícias da Covilhã. Foi no mais antigo semanário do distrito de Castelo Branco que esta semana recordei algumas passagens do meu percurso de atividade no jornalismo, lado a lado com estas pessoas.

Que é feito destes profissionais que outrora escreveram sobre lugares e projetos deste território que também é a minha geografia de causas e de afetos?

Pelo que observo o jornalismo perdeu uma parte destas pessoas. Chegaram à região por via da Universidade da Beira Interior. Cursaram ciências da comunicação, realizaram estágio e exerceram a profissão de jornalistas mas quase lhes perdi o rasto. Os órgãos de comunicação social não conseguiram mantê-los.

Ontem como hoje os recursos financeiros escasseiam, as redações estão à míngua de profissionais credenciados. Por maior que seja o gosto pela profissão, tantas vezes mal paga e desvalorizada, a gente faz-se à vida em outros projetos, muitas vezes longe da região onde nos apaixonamos pelo exercício do jornalismo livre.

Felizmente há as redes sociais que tanto diabolizamos mas que também têm virtudes. Aproximam-nos. Promovem reencontros virtuais com as nossas pessoas. Com gente boa e talentosa com a qual tivemos o privilégio de nos cruzar.

E que fizémos para as manter por cá?

Reflexões que marcaram a conversa mantida esta semana com o senhor Aurélio Carrega, uma espécie de guardador da memória do semanário de inspiração cristã que por estes dias assinala cem anos de existência.

É verdade, fui às instalações do Notícias da Covilhã na zona antiga da cidade universitária e na rota da arte urbana. Estive no Notícias no dia em que o jornal, fundado em 1913 com o nome “ A Democracia” e rebatizado em 1919, regressa á casa mãe. Na rua de Santa Maria à qual em 1999 o município da Covilhã atribuiu o nome de rua Jornal Notícias da Covilhã.

Ouvi o testemunho cronológico da história do Notícias e bebi do entusiasmo, agora mais distanciado por via da sua condição de reformado, do homem que durante 57 anos cuidou das contas do jornal, lidando com adversidades, críticas e emergências.

Os vários processos de modernização tecnológica, o fim do processo tipográfico, o sonho das novas instalações no Parque Industrial da Covilhã, o encerramento da gráfica do Notícias.

Memórias com gente dentro na narrativa verbalizada pelo senhor Aurélio Carrega que é o meu convidado no programa “Porque Hoje é Domingo” de dia 26 de maio de 2019 na Rádio Cova da Beira.

Aurélio Carrega e Luís Pardal Freire nas renovadas instalações do Notícias da Covilhã


A conversa previamente gravada levará os ouvintes à lembrança e percurso do Notícias da Covilhã. O jornal que nos 75 anos foi condecorado pela Presidência do Conselho de Ministros e pela Câmara da Covilhã, entidade que em 2012 entregou ao então diretor, o arcipreste Fernando Brito dos Santos, a Medalha de ouro de Mérito Municipal.

Marcos históricos no percurso da publicação que teve como diretores, José Andrade, António Mendes Fernandes, José Geraldes, Fernando Brito e Luís Pardal freire.

O atual diretor também participa nas conversas e garante que o Notícias da Covilhã continuará a fazer “jornalismo de proximidade e de causas mas nunca de subserviência”.

Por aqui, continuaremos a olhar para o Notícias da Covilhã, um dos 33 jornais com mais de 100 anos, como uma referência no panorama da imprensa regional.

Uma voz na diáspora.

Uma publicação em que não raras vezes sabe bem viajar pela narrativa factual ou pela reportagem enriquecedora da Ana Ribeiro Rodrigues. Uma beirã da terra da cereja pela qual mantenho respeito e admiração profissional.

sexta-feira, setembro 07, 2018

Reencontro com a Esperança no Território

Quando o leitor se prender nestas linhas já Castelo Novo, Aldeia Histórica de Portugal, terá mergulhado na calmaria do costume. Uma realidade apenas quebrada pelo fluxo turístico que dizem ser suficiente para acreditar nas potencialidades da freguesia do concelho do Fundão.

Ao turismo juntou-se na última quinzena a população flutuante do Verão. O fluxo de residentes temporários regista forte impacto nas duas semanas que se caracterizam pela preparação,  realização e conclusão das festa do Senhor de Misericórdia.
Um acontecimento civil e religioso que é a maior reunião anual de residentes, naturais e amigos de Castelo Novo. Este ano não foi excepção.

Além da Banda da Liga de Amigos de Castelo Novo, enquanto elemento agregador de um povo, a festa do primeiro fim-de-semana de setembro  em Castelo Novo é uma espécie de comprovativo de resiliência ou de sobrevivência ao despovoamento daquelas paragens.
À volta da devoção ao Senhor de Misericórdia e do amor às origens pessoas de todas as idades regressam àquela geografia de afectos e demonstram, através da garra e dedicação com que a cada ano se dedicam à festa, que mesmo sendo poucos ninguém os derrubará nem impedirá de, a cada ano, carregarem andores e semearem a esperança naquele chão encravado na Gardunha.


Estas palavras são, pois, uma ode aos homens e mulheres residentes, naturais e amigos de Castelo Novo que não deixam morrer a tradição e transportam para a aldeia essa vontade inabalável de fazer acontecer. Fazem-no no merecido período de férias, longe das cidades que há muitos anos os acolheram e onde conseguiram trabalho e pão.
Sem nunca esquecer o berço e tendo na Banda da Liga de Amigos o ponto forte de união, os naturais da Aldeia História constituíram família, fizeram amigos e o grupo de indefectíveis de Castelo Novo ganhou músculo. E aí estão cheios de uma alegria contagiante, uma garra pela manutenção das tradições de Castelo Novo que deveria inspirar-nos!

A dedicação dos naturais de Castelo Novo à história e vivências do território não é caso único. Felizmente para os que continuamos a acreditar nas potencialidades destas terras. No fim-de-semana em que chegam ao fim muitas das festas religiosas da temporada, merece igualmente ênfase a dedicação e empenho de cinco mulheres de Alcongosta, outra freguesia do concelho do Fundão, que estes dias deram o corpo ao manifesto para a realização da festa de Nossa Senhora da Anunciação.
Ana Rodrigues, Muriel Bernardo, Sandra Rolão, Marta Isabel Mendes e Sandra Batista completam 40 anos  e manda a tradição que não reneguem as origens e se façam mordomas.


A preparação dos festejos agendados para este sábado, domingo e segunda feira começou há um ano atrás. Depois de um contacto presencial prévio e da  troca de endereços eletrónicos, estas mulheres naturais do berço da cereja, mas residentes onde conseguiram trabalho, foram reunindo virtualmente e organizam uma romaria que é, também ali e em qualquer aldeia, o ponto de encontro de sucessivas gerações de pessoas a quem a reunião de naturais sabe a bálsamo e energia positiva para mais um ano de trabalho.

Afoitas, as festeiras que não deixam transparecer o cansaço físico, orgulham-se de não terem falhado nada do previsto e da destreza com que calcorrearam  a freguesia quando foi dia de pedir a esmola e ouviram comentários ainda muito frequentes na sociedade conservadora pouco interessada em valorizar o papel da mulher nas mais diversas áreas.


O amor à terra é, pois, um exemplo que deverá inspirar-nos sempre que arregaçarmos as mangas na procura das melhores soluções para as nossos desafios novos. O espírito de entrega e a partilha de saberes que são a alma da preservação do nosso património imaterial deveria inspirar-nos para tudo o que aqui fazemos pois o reencontro com o território é a esperança no amanhã melhor.

*Artigo adaptado e originalmente publicado na edição de 6 de setembro de 2018 do Jornal do Fundão





quinta-feira, novembro 02, 2017

Cemitério de Silêncios


No dia em que toda a gente caminhava para o cemitério subi à Gardunha. A viagem iniciou-se exatamente à porta do cemitério da minha aldeia Natal. Sim, essa terra onde o silêncio geral denota o despovoamento agravado pelos incêndios que deixaram um rasto de destruição e um chão vincadamente negro.

No hora em que o povo descia desde a igreja até à zona baixa de Castelo Novo para ali prestar homenagem aos que jazem no cemitério localizado no sopé da Gardunha, contrariei a tradição, dispensei o momento de oração e silêncio coletivos para mergulhar numa outra geografia, igualmente marcada por um silêncio sepulcral.

Serra acima, numa manhã sombria de novembro e a ameaçar chuva, dei-me conta do vasto cenário carregado de negro.

À primeira paragem, já fora do carro e sem o som da música ambiente, os meus ouvidos fizerem um esforço maior para identificar o chilrear de um melro, um pássaro ou um milhafre ávido de galinhas das capoeiras localizadas nos campos da Gardunha.

Porém as quintas, que foram resistindo à desertificação do território, estão agora reduzidas a cinza e as galinhas ou outros vivos que por lá existiram finaram-se em agosto último.

Assim terá acontecido com as raposas e os coelhos que já se passeavam pela serra e certamente sucumbiram ao calor do inferno das chamas.

É então que a viajante se dá conta do silêncio continuado que a acompanha desde o cemitério de silêncios. Esse lugar onde habitam os nossos entes queridos e que naquele dia de agosto também terão sentido o inferno do fogo.  O bafejar da chama sobre as campas que compõem o "povoado" desse lugar de invariável confluência anual no Dia dos Santos.

O poder do silêncio do cemitério foi de tal forma poderoso que a demorada paragem no outrora paradisíaco lugar da Casa Florestal de Castelo Novo se traduziu em calafrios. A viajante sentiu uma pontinha de medo quanto à ausência de um único barulho. Nem um ruído! Uma folha a cair, a serpentear de um lugar para o outro... Até as pinhas estavam todas no chão!

Não se ouvia uma mosca. Nem havia sinais de vivalma. A água escasseia e não encharca os terrenos à volta do tanque que se apresentava quase vazio. 
Da bica corre um fio do precioso líquido e nem me atrevo a bebê-la pois os incêndios foram há pouco tempo e as chuvas ainda não apaziguaram o manto de cinzas.
São tantos os sinais a adensar o cemitério de silêncios que até as lágrimas do viajante secaram. A descrença tolhe-nos o olhar e na alma lembra-nos que quase nada nos prende áquele lugar.

O fogo de há dois meses e meio levou outra vez o verde da Gardunha e agora a viajante só consegue identificar os lugares onde tantas pessoas foram felizes!

Embora a Casa Florestal de Castelo Novo permaneça intacta, aquela geografia é, também ela, um cemitério de silêncios. Desapareceu tudo!

Os mosquitos, as moscas, as aves, as raposas e os coelhos.

As árvores que já estavam a reerguer-se, depois do fogo de há doze anos, também pereceram e delas restam apenas pequenos troncos dos quais haverá de rebentar uma nova planta. 

Uma renovada réstia de fé num amanhã outra vez verdejante e esplendorosamente belo.

Mas nessa altura a viajante e os amantes da Gardunha continuarão a questionar-se quanto ao abandono a que está votada a Casa Florestal. 




Consequentemente lamentarão o avanço da degradação do imóvel onde permanecem os azulejos com letras azuis escuras a dizer “Matas Nacionais”.

Elegantes e com letras bem definidas, os azulejos (felizmente a mão alheia não os roubou!) estão geometricamente colocados na lateral da casa. Estão “esculpidos” sobre a janela do quarto da viajante que uma vez criança, ali sonhou com uma Gardunha sempre romântica e cheia de vida,

É na Mata Nacional do perímetro de Castelo Novo que a memória conduz o narrador para o tempo em que debaixo dos imponentes cedros havia bancos e uma mesa hexagonal de granito que alguém fez desaparecer.

Na antiga sala de visitas da Gardunha para Castelo Novo e com a Raia no horizonte, também havia arbustos e bancos onde o guarda-florestal recebia outros viajantes e amantes da sua serra. 

Ali, o guardião da fauna e da flora da Gardunha fez tantos amigos como cerejas e também essas deixaram de povoar aquela zona da Gardunha.


Aqui está uma explicação poética para o vazio que agora se instala na última mesa localizada nas imediações da Casa Florestal de Castelo Novo e onde o silêncio chega a embrenhar-se na pele do viajante. 



É então que a viajante, narradora e saudosista da sua Gardunha fixa o olhar naquela mesa e lamenta que o destino e os erros do homem tenham feito do seu jardim um cemitério de silêncio localizado na encruzilhada das causas e consequência do fogo.

Numa tentativa de enriquecer a narrativa que comprova o sentimento de quem passou a manhã no silêncio da Gardunha, penso num poema suficientemente rico e que seja capaz de traduzir a mágoa que fica do reencontro com as pessoas e lugares que me fizeram mulher.

Lembrei-me de Pessoa.

Na pesquisa encontrei Álvaro de Campos

E diz o poema:


Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que foste um momento eterno
E como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser neste silêncio noturno.
Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa;
Ou um [. . .] assustado e mudo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e [. . .] e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti.


s. d. Álvaro de Campos — Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993: 174.

quinta-feira, outubro 26, 2017

Um Encontro Inesperado

O que nós somos e como a vida nos transforma.

Obrigações de natureza profissional levaram-me hoje à Quinta Pedagógica do Fundão para acompanhar um workshop sobre estimulação sensorial.

Estavam lá dezenas de séniores.

De repente há uma mão que me acena, uns olhos que quase saltam do rosto e não escondem um misto de emoção e alegria.

Ao mesmo tempo há uma voz trémula que chama por mim. Aproximo-me ainda mais e reconheço o senhor Américo.

O meu tio Américo!

Quem o viu e quem o vê.

O homem do campo que criava gado e cuidava das hortas, o homem que a dureza da vida obrigou a ser rijo e rude é hoje um ser indefeso.

A idade e a doença apoderaram-se de um dos últimos guardadores de rebanhos da Gardunha.
A minha serra que também é a dele foi devastada pelo último crime contra a nossa floresta.
As chamas que tudo lamberam e devastaram as enconstas onde meu tio tantas vezes picou os dedos a apanhar castanhas.

As melhores castanhas cá da terra eram as do tio Américo.

Eram! Disse bem. Pois o efeito do fogo e a fragilidade humana do tio Américo colocarão em causa a produção de castanha.

Se é que a mesma já não estava suspensa!

O Tio Américo há muito tempo que havia deixado a vida no campo e até já tinha trocado a casa localizada junto à ribeira de Alpreade por outra mais confortável e de fácil acesso no centro da Aldeia Histórica de Castelo Novo.

Anos antes, muito anos antes, o tio Américo foi um dos resistentes das intempéries e da inclemência do fogo.
Quantas vezes as chamas varreram a "serra dos correias" e a "pelada" na enconta da Gardunha que faz fronteira com Alcongosta?

Tantas vezes a neve, o vento gélido e os incêndios o fizeram gritar "ai Jesus"!

Hoje em dia o suspiro e a crença prendem-se com outras dores e provações.

A falta de saúde e uma inesperada cirurgia atiram-no para a Unidade de Cuidados Continuados do Fundão.

Hoje encontrei-o numa daquelas jornadas em que os técnicos de saúde e as equipas de animação da Santa Casa da Misericórdia do Fundão acrescentaram vida aos anos do tio Américo e de todos os outros idosos que com ele estavam reunidos na Quinta Pedagógica do Fundão.




Entre os exercícios e as músicas de antigamente o meu tio Américo lá confessou que gosta de ali estar e que o tratam bem. De lágrima estendida na face direita do rosto mais magro e menos corado, o tio Américo confidenciou-me que a tia Adelina também está doente. "Teve um problema e tem estado no hospital mas o mal já está curado, amanhã vai para casa", explicou-me.

Dentro de dias prometo ir ao encontro do meu tio. Talvez lhe faça bem ver uma cara mais familiar ! Talvez, nessa ou noutras visitas "de médico", eu seja capaz de o fazer recuar no tempo e ele me conte sobre a labuta de antigamente.

A criação de gado. Os cabritos. As peles que vendia a 1.500 escudos. Os queijos. O essencial de uma vida nos campos que as chamas reduziram a cinza!

Oxalá essas vivências de homem da Gardunha continuem registadas na memória de quem enriquece o meu baú de recordações em família!







quarta-feira, abril 19, 2017

Canções com Memória

Diz o poema da canção que hoje ecoará no Meo Arena


"Quantas vezes me sinto perdido 

No meio da noite Com problemas e angústias Que só gente grande é que tem Me afagando os cabelos Você certamente diria Amanhã de manhã você vai se sair muito bem Quando eu era criança Podia chorar nos seus braços E ouvir tanta coisa bonita Na minha aflição Nos momentos alegres Sentado ao seu lado, eu sorria E, nas horas difíceis Podia apertar sua mão" (...)


O tema belissimamente interpretado por Roberto Carlos é umas das minhas canções de e para a vida. O Rei completa hoje 76 anos. Minha mãe teria completado 72 e meu pai teria no dia 10 de abril alcançado a bonita fronteira dos 98.



Que têm meus pais a ver com uma das mais nostálgicas canções de Roberto Carlos?



Tudo.



Aprendi a ouvir Roberto Carlos nos anos 80 do século XX com os meus pais. Na Gardunha não havia televisão e naquela época também não havia consolas. Eu também não tinha muitos brinquedos nem bonecas. Na tranquilidade (hoje recordo assim a serra da Gardunha) ou na pasmaceira dos dias passados na solidão de que mora na floresta, as horas eram passadas na companhia dos pais e da minha irmã três anos mais nova. 



Aos domingos à tarde, quando as temperaturas o permitiam, trazíamos o rádio para as escadas da casa e sintonizávamos a onde média da Rádio Altitude. Apesar de na aldeia as tardes de domingo serem propícias aos bailaricos no salão paroquial, eu permanecia na serra e ouvia os discos pedidos ( sim, naqueles anos a telefonia também dedicava discos e aproximava pessoas ou era remédio contra a solidão!) ao lado da mãe Patrocínia.



Levantávamos o volume do Rádio e mesmo que meus pais se entregassem à rega, à sacha ou às tarefas do campo, havia a certeza de que nenhum de nós perderia o programa emitido a partir da cidade mais alta.



Também havia momentos de pura empatia. Eu e a mãe chegávamos a cantarolar juntas. Às vezes também me sentava na perna direita de meu pai que guardava a esquerda para a mana Paula e fazia cavalinho connosco.



Ali ficávamos a contemplar a paisagem verde, às vezes já com tonalidades de verão e outono, e a receber do mimo incondicional dos progenitores.



"Lady Laura" é uma dessas canções intemporais que, além de um saudosismo profundamente melancólico, me faz recuar ao tempo em que sendo criança me fiz adulta e mulher precoce.  Interiorizava o significado de cada uma das quadras da canção interpretada pelo lendário musico que neste 19 de abril de 2017 regressa a Portugal para um concerto que há-de ser memorável.



Às vezes, ou muitas vezes, as canções devolvem-me a lembrança dos dias andados, dos caminhos cruzados com a Gardunha ou outras paragens bem mais planas mas igualmente pejadas de boas lembranças a ouvir as canções do Rei.


E aqui vos deixo outra

https://www.youtube.com/watch?v=54xxnkXqltw

E mais outra

https://www.youtube.com/watch?v=3fuzoSGTNOo

Por razões diferentes são canções com memória.





terça-feira, abril 12, 2016

Voltar ao "berço"

Regressei ao "berço". 

"Plantei" flores de saudade e revivi memórias dos antepassados. Um tempo ausente, mas muito presente.

Revisitar lugares que são nossos por natureza ou apenas por afeto e emotividade pode revelar-se uma "carga de trabalhos".

Quer isto dizer que a saudade me tomou os passos e o olhar deixou dores no pescoço. Às vezes olhamos para trás e a menina do olho prende-se no infindável mundo das recordações.

Primeiro as emocionais. Depois as paisagens. A seguir os gestos. Também as palavras ditas. As mesmas que neste domingo de abril me revisitaram. Algumas guardo-as em mim. Outras vou partilhá-las aqui.

Saberá o leitor como é revisitar "o berço" e darmos-nos conta de que já lá não mora quase ninguém?

Muitas vezes nem as boas memórias e o ecoar das brincadeiras de outrora apagam esta sensação fúnebre de que poderemos ser dos últimos a regressar ao "berço".

Naquele dia não era a única viajante. Nem só meus passos percorreram as estreitas ruas ladeadas do casario fechado.

Felizmente, vão aparecendo outros viajantes. Poucos! 
Muito menos que o número de residentes que este postal dos anos 20 nos mostra.

Ai como custa regressar ao "berço" e dar-me conta de como o silêncio reinante é premonitório do fim das nossas aldeias!

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...