Breve apontamento sobre um passeio à geografia de
uma parte de Trás-os-Montes. Do Fundão a Bragança vinte anos de depois poderia
ser o subtítulo do texto que se segue.
Maria do Céu
Tomé tem 90 anos e mora em Marialva. Na manhã solarenga de finais de março,
Sexta-feira Santa, Maria abeirou-se dos convivas e logo ali deixou sinais de
ser uma boa conversadora. Uma anciã cheia de amor à terra e às lendas daquela
Aldeia Histórica de Portugal. Não fosse a necessidade de cumprir horário e o
Dia Santo teria sido preenchido a ouvir as suas lendas e tradições à volta de
Marialva.
Marialva não é só o belíssimo castelo do século
XII. À volta daquele Monumento Nacional assim classificado desde 1978 contam-se
histórias de personagens que experienciaram vivências inigualáveis. No interior
das muralhas são visíveis edifícios históricos como a antiga Casa da Câmara ou
o Pelourinho. Também podemos observar o vale que constitui a Meseta Ibérica e
imaginar-nos numa repetida caminhada de descoberta do território.
A redescoberta de Trás-os-Montes foi a motivação
para a viagem e a experiência, mais de 20 anos depois de lá ter estado,
permitiu-me descobrir que em Pocinho, a caminho de Vila Nova de Foz Côa, além
da belíssima vista sobre o rio Douro podemos ter o primeiro contacto com o
Centro de Alto Rendimento do Pocinho (CARP). Provavelmente uma infraestrutura
concretizada no tempo em que jorravam milhões da Europa que depois eram aplicados
em equipamentos sem utilidade.
Pensei.
Mas não!
O CARP da autoria do arquiteto Álvaro
Andrade é propriedade do Município de Vila Nova de Foz Côa e foi inaugurado em
2016. Localizado nos socalcos da paisagem a 500 metros do Douro, o CARP já
recebeu estágios de várias seleções internacionais de remo e canoagem e a sua construção
junta-se às mais-valias turísticas e de lazer de um território onde as Gravuras
Rupestres do Vale do Côa e a beleza do Douro Vinhateiro são ativos de enorme
projeção.
A viagem prossegue e já em Vila Flor faz-se uma
nova paragem, desta vez para almoçar e conhecer as Tradições Quaresmais da vila
localizada no distrito de Bragança. Na terra onde também se fazem bons
concertos e espetáculos de teatro, o Centro Cultural Vila Flor sobressai mas é na
Igreja Matriz que o coração se emociona pois os altares daquele templo de estilo
barroco fazem lembrar a Igreja Matriz de Castelo Novo, Aldeia Histórica de
Portugal mas na Beira Baixa.
Deixamos Vila Flor debaixo de uma chuva de neve mas
com o estômago aconchegado no restaurante Piripiri. Ali os nacos de febras, o
bacalhau e o polvo à lagareiro deixavam antever o que o cardápio nos reservaria
para as refeições seguintes.
Estávamos na Rota da Terra Fria Transmontana, Rio
de Onor fora um dos destinos seguintes. Mas antes é revelante registar o nome
das aldeias de Bragança onde pernoitámos, combatemos o frio e alimentámos a
alma. Babe e Gimonde. Dormimos na primeira, almoçámos e jantámos na segunda. Se
o conforto do TER- Turismo em Espaço Rural de um antigo juiz lá do burgo é
indesmentível também é verdade que as refeições fartas e baratas - mas também
pouco diversificadas – enriquecem este Caderno de Viagem.
Aquelas postas, o cordeiro na brasa e o vinho da
casa ao qual se juntava um digestivo servido como se fosse um shot ficarão para sempre na memória dos
jovens e adolescentes que, esperam os adultos, voltarão à geografia
transmontana daqui a uns anos.
Pode ser que daqui a duas décadas, seguindo o
exemplo das cotas, providenciem o passeio!
Talvez nesse hipotético regresso, os nossos filhos
e sobrinhos encontrem turistas de outras latitudes ou até uma nova geração de
transmontanos a falar-lhes de referências do nosso Fundão que vão além da
cereja, das cerejeiras em flor ou do resort
Alambique de Ouro, de que nos falaram sempre que a malta dizia de onde
partira.
A gente fica orgulhosa de ouvir falar bem da nossa
terra! Das nossas marcas e da geografia que nos acompanha dentro e fora do sopé
da Gardunha.
Vamos e voltamos de peito cheio. E na bagagem
trazemos postais e ideias feitas sobre boas iniciativas que os nossos
governantes poderiam replicar aqui pela Cova da Beira.
Macedo de Cavaleiros foi o destino de Domingo de
Páscoa. Na hora de retemperar energias e redefinir a rota de regresso ao nosso
Fundão parámos num acolhedor café e nos “Dez Manos” encaminharam os viajantes
para um requintado restaurante que por instantes nos faz acreditar que
estaríamos num qualquer estabelecimento de restauração parisiense.
E não estávamos enganados pois “A Brasa” aconchegou
o estômago, aqueceu o coração, alumiou o caminho e fez-nos acreditar no sonho.
O
glamour tomou conta do espaço e dos
inúmeros comensais que saíram dali felizes e cheios de vontade de voltar para
degustar a bochecha confitada com creme de vinho tinto ou uma daquelas
sobremesas de autor que merece um brinde final com champanhe da casa e um viva
à criatividade gastronómica e simpatia do chef de sala.
A refeição do primeiro dia de abril foi também um
momento de reflexão sobre um passeio que muito bem combina com o meu hastag “o
interior faz bem”!
Terminava a viagem de três dias a uma parte do
Portugal profundo que os decisores políticos abandonam mas que os turistas de
todo o lado - estrangeiros também! - admiram e recomendam.
É extremamente enriquecedor observar como as
comunidades locais se adaptam à nova realidade e exigências.
Miranda do Douro é um desses lugares de visitação.
Povoado por centenas de turistas, Terra de Miranda, que chegou a ser habitada
por Romanos, é uma cidade que no Sábado de Aleluia tinha o comércio tradicional
cheio de clientes e onde foi possível conhecer a belíssima Sé Catedral ou a
Igreja da Misericórdia.
Todo o casco urbano se assemelha a um gigantesco
museu ao ar livre e naquele fim-de-semana decorria uma Feira de Doçaria e
Produtos Locais que nos fez ficar com água na boca, dançar e abrir a carteira.
Daquele território que o Município local
caracteriza como “Património Natural Cultural” trouxemos postais e vivências
que podem inspirar as nossas comunidades beirãs.
É bom quando assim acontece! É bom quando o nosso Caderno
de Viagem vai muito além da comparação com o nosso quotidiano.