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sábado, abril 03, 2021

A Escola da Meninice

 A escola. Esse lugar mágico de aprendizagem e brincadeiras onde outrora se fizeram distinções de género. Rapazes para um lado. Raparigas para o outro. A escola do quadro preto, do globo e do mapa de Portugal com carteiras e soalho de madeira em que a professora levantava a cana para impor o respeito. 


 



Hoje revisitei essa escola. Aquela que frequentei e para a qual me dirigia, diariamente,  a pé desde o alto da Gardunha.  É verdade,  para ir à escola eu palmilhava 6 quilómetros. Metade de manhã.  Metade à tarde. Um ir e voltar com a sacola às costas, por entre pinheiros gigantes e alguns uivos. Debaixo de chuva ou de temperaturas muito baixas. Mas nada me intimidava.

No Inverno, quando os dias eram mais curtos e o clima nos presenteava com um frio de rachar, ventos ciclónicos e muita chuva, o meu pai que era o guardião do perímetro florestal de Castelo Novo, assobiava e chamava: Dulcinha, Dulcinha ! Eu respondia e continuava no carreiro até à Casa Florestal. À chegada tinha o calor da lareira e a resposta às perguntas do quotidiano.

Verbalizava as brincadeiras no pátio da escola. Os jogos, o improviso e a sensação maravilhosa de pisar o risco. Quem nunca sentiu uma enorme excitação por saber-se a fazer algo menos correto ?

No meu tempo de escola, em Castelo Novo,  havia mimosas e esconderijos entre o estabelecimento de ensino e a Capela de Santa Ana e São Joaquim.
Quando não gritávamos "aí vai alho" e subíamos para cima do vizinho, não estaríamos a fazer de burro, poderíamos estar a jogar ao lenço ou à cabra cega. Também fazíamos o jogo da macaca e os rapazes jogavam ao aro ou ao berlinde.

Tenho uma vaga ideia de tantas das nossas brincadeiras no espaço à volta da escola !
Foi dali que hoje registei o retrato da minha aldeia encravada na serra.
Ali onde a escola, a precisar de obras de conservação,  é agora um edifício devoluto e de onde extraímos apenas memórias.

Memórias da professora Beatriz, uma mulher de estatura baixa mas bastante forte e a quem era difícil mexer-se. Depois veio uma professora de Braga, chamavam-lhe a "caixa de óculos" pois tinha uma lentes bastante grossas, que mal aqueceu o lugar.
Braga ficava longe e já naqueles anos do século XX os professores andavam com a casa às costas.

Fica um breve registo da escola da minha meninice. Foi há tantos anos !

E não a recuperam? A pergunta teve como resultado um encolher de ombros. Num tempo em que tanto se mede o impacto haverá sempre quem sinta o apelo por uma intervenção.  Ou quem se questione se valerá a pena.
Traços do quotidiano na minha aldeia berço. Ali onde avistamos Espanha e Monsanto. Lá onde o silêncio é Rei e as floreiras simbolizam esperança de outras Primaveras !

terça-feira, abril 10, 2018

Caderno de Viagem


Breve apontamento sobre um passeio à geografia de uma parte de Trás-os-Montes. Do Fundão a Bragança vinte anos de depois poderia ser o subtítulo do texto que se segue.

Maria do Céu Tomé tem 90 anos e mora em Marialva. Na manhã solarenga de finais de março, Sexta-feira Santa, Maria abeirou-se dos convivas e logo ali deixou sinais de ser uma boa conversadora. Uma anciã cheia de amor à terra e às lendas daquela Aldeia Histórica de Portugal. Não fosse a necessidade de cumprir horário e o Dia Santo teria sido preenchido a ouvir as suas lendas e tradições à volta de Marialva.




Marialva não é só o belíssimo castelo do século XII. À volta daquele Monumento Nacional assim classificado desde 1978 contam-se histórias de personagens que experienciaram vivências inigualáveis. No interior das muralhas são visíveis edifícios históricos como a antiga Casa da Câmara ou o Pelourinho. Também podemos observar o vale que constitui a Meseta Ibérica e imaginar-nos numa repetida caminhada de descoberta do território.

A redescoberta de Trás-os-Montes foi a motivação para a viagem e a experiência, mais de 20 anos depois de lá ter estado, permitiu-me descobrir que em Pocinho, a caminho de Vila Nova de Foz Côa, além da belíssima vista sobre o rio Douro podemos ter o primeiro contacto com o Centro de Alto Rendimento do Pocinho (CARP). Provavelmente uma infraestrutura concretizada no tempo em que jorravam milhões da Europa que depois eram aplicados em equipamentos sem utilidade.
Pensei.
Mas não! 

O CARP da autoria do arquiteto Álvaro Andrade é propriedade do Município de Vila Nova de Foz Côa e foi inaugurado em 2016. Localizado nos socalcos da paisagem a 500 metros do Douro, o CARP já recebeu estágios de várias seleções internacionais de remo e canoagem e a sua construção junta-se às mais-valias turísticas e de lazer de um território onde as Gravuras Rupestres do Vale do Côa e a beleza do Douro Vinhateiro são ativos de enorme projeção.
Não tirei fotos mas neste sítio o leitor encontra testemunhos e uma lista de prémios atribuídos ao equipamento. http://www.car-pocinho.pt/index.php/testemunhos



A viagem prossegue e já em Vila Flor faz-se uma nova paragem, desta vez para almoçar e conhecer as Tradições Quaresmais da vila localizada no distrito de Bragança. Na terra onde também se fazem bons concertos e espetáculos de teatro, o Centro Cultural Vila Flor sobressai mas é na Igreja Matriz que o coração se emociona pois os altares daquele templo de estilo barroco fazem lembrar a Igreja Matriz de Castelo Novo, Aldeia Histórica de Portugal mas na Beira Baixa.




Deixamos Vila Flor debaixo de uma chuva de neve mas com o estômago aconchegado no restaurante Piripiri. Ali os nacos de febras, o bacalhau e o polvo à lagareiro deixavam antever o que o cardápio nos reservaria para as refeições seguintes.

Estávamos na Rota da Terra Fria Transmontana, Rio de Onor fora um dos destinos seguintes. Mas antes é revelante registar o nome das aldeias de Bragança onde pernoitámos, combatemos o frio e alimentámos a alma. Babe e Gimonde. Dormimos na primeira, almoçámos e jantámos na segunda. Se o conforto do TER- Turismo em Espaço Rural de um antigo juiz lá do burgo é indesmentível também é verdade que as refeições fartas e baratas - mas também pouco diversificadas – enriquecem este Caderno de Viagem.




Aquelas postas, o cordeiro na brasa e o vinho da casa ao qual se juntava um digestivo servido como se fosse um shot ficarão para sempre na memória dos jovens e adolescentes que, esperam os adultos, voltarão à geografia transmontana daqui a uns anos.
Pode ser que daqui a duas décadas, seguindo o exemplo das cotas, providenciem o passeio!

Talvez nesse hipotético regresso, os nossos filhos e sobrinhos encontrem turistas de outras latitudes ou até uma nova geração de transmontanos a falar-lhes de referências do nosso Fundão que vão além da cereja, das cerejeiras em flor ou do resort Alambique de Ouro, de que nos falaram sempre que a malta dizia de onde partira.

A gente fica orgulhosa de ouvir falar bem da nossa terra! Das nossas marcas e da geografia que nos acompanha dentro e fora do sopé da Gardunha.

Vamos e voltamos de peito cheio. E na bagagem trazemos postais e ideias feitas sobre boas iniciativas que os nossos governantes poderiam replicar aqui pela Cova da Beira.

Macedo de Cavaleiros foi o destino de Domingo de Páscoa. Na hora de retemperar energias e redefinir a rota de regresso ao nosso Fundão parámos num acolhedor café e nos “Dez Manos” encaminharam os viajantes para um requintado restaurante que por instantes nos faz acreditar que estaríamos num qualquer estabelecimento de restauração parisiense.




E não estávamos enganados pois “A Brasa” aconchegou o estômago, aqueceu o coração, alumiou o caminho e fez-nos acreditar no sonho. 
O glamour tomou conta do espaço e dos inúmeros comensais que saíram dali felizes e cheios de vontade de voltar para degustar a bochecha confitada com creme de vinho tinto ou uma daquelas sobremesas de autor que merece um brinde final com champanhe da casa e um viva à criatividade gastronómica e simpatia do chef de sala.

A refeição do primeiro dia de abril foi também um momento de reflexão sobre um passeio que muito bem combina com o meu hastag “o interior faz bem”!
Terminava a viagem de três dias a uma parte do Portugal profundo que os decisores políticos abandonam mas que os turistas de todo o lado - estrangeiros também! - admiram e recomendam.
É extremamente enriquecedor observar como as comunidades locais se adaptam à nova realidade e exigências.

Miranda do Douro é um desses lugares de visitação. Povoado por centenas de turistas, Terra de Miranda, que chegou a ser habitada por Romanos,  é uma cidade que no Sábado de Aleluia tinha o comércio tradicional cheio de clientes e onde foi possível conhecer a belíssima Sé Catedral ou a Igreja da Misericórdia.
Todo o casco urbano se assemelha a um gigantesco museu ao ar livre e naquele fim-de-semana decorria uma Feira de Doçaria e Produtos Locais que nos fez ficar com água na boca, dançar e abrir a carteira.




Daquele território que o Município local caracteriza como “Património Natural Cultural” trouxemos postais e vivências que podem inspirar as nossas comunidades beirãs.

É bom quando assim acontece! É bom quando o nosso Caderno de Viagem vai muito além da comparação com o nosso quotidiano.




terça-feira, março 06, 2018

Na Rota do Património Azulejar da Covilhã

A cidade da lã e da neve, atualmente mais conhecida pelo roteiro de arte urbana é também um destino obrigatório para o contacto com o património azulejar. Certo dia a repórter apanhou a boleia do Museu Arte Sacra na Covilhã e descobriu paisagens de azulejos que merecem uma visita.



A viagem poderá iniciar-se nas proximidades do Museu Arte Sacra, ao jardim público, e se preferir recorrer àquela unidade museológica poderá ter a sorte de se cruzar com Carlos Madalena, pois o coordenador da estrutura é das pessoas que melhor conhece o património azulejar da Covilhã. Voltando ao percurso, a igreja de Nossa Senhora da Conceição que foi um claustro do Convento de São Francisco datado do século XVI entusiasma o visitante uma vez que os azulejos em tons de azul e as imagens de cariz religioso facilmente se apegam ao olhar. Ali nas proximidades, existe o Palacete Jardim desenhado pelo arquiteto e projetista Ernesto Korrodi, edificado em 1915, que apresenta painéis de azulejo característicos do “naturalismo e arte nova” cuja paisagem bucólica nos retém.

No edifício que nos transporta para a Vila Hortênsia em Leiria já moraram o Inatel da Covilhã e o Tribunal do Trabalho. O percurso não sinalizado mas que haverá de constituir o Roteiro Azulejar da Covilhã prossegue por becos e ruelas da Covilhã antiga onde é bastante comum encontrar uma linguagem azulejar cuja o fabrico vem da fábrica de Constância. Também não é difícil cruzarmo-nos com outros exemplares de toponímia cujo azulejo é inspirado na olaria do pintor e ceramista Leopoldo Batistini. Neste particular destaque-se a beleza impar da sinalética de azulejo esculpida nas paredes de algumas edificações com a indicação do nome das ruas cujos titulares são quase sempre figuras associadas à memória coletiva dos covilhanenses e ao património imaterial da urbe.



Mas o património azulejar que em muitas das artérias da Covilhã antiga entronca na Rota da Arte Urbana também é uma espécie de motivação para ir amiúde aos locais onde estão alguns serviços públicos e de proximidade. Por certo que as implicações de uma ida à Autoridade das Condições do Trabalho é rapidamente minimizada pela beleza do imóvel datado da primeira metade do século XX e cujo azulejo foi recolocado e preservado. Uma vez ali chegados, facilmente nos rendemos aos “azulejos catequéticos e outros de natureza decorativa” que nos transportam para realidades históricas e pedagógicas.

Mas também há azulejos modernos como um mural na sede do Sindicato Têxtil da Beira Baixa que foi pensado pelos alunos e professores da escola Campos Melo. E há ainda edifícios que se apresentam engalanados “com grinaldas e outras formas geométricas e florais coloridas” igualmente atraentes ao olhar e que logo nos transportam para “a arte nova” do azulejar. O edifício residencial da Rua Cristóvão de Castro ou o da rua Conselheiro Santos Viegas são apenas dois dos exemplares.



E aqui entram as casas particulares e a memória visual de um passeio em fevereiro último faz lembrar a habitação desenhada pelo arquiteto Raúl Lino e cujos painéis com motivos religiosos e de apego à tradição familiar são uma construção da fábrica Lusapo de Coimbra. Também existem nas várias artérias da cidade azulejos originários da fábrica Carvalhinho no Porto. 

Ao rol juntam-se ainda os exemplares da fábrica Aleluia de Aveiro cujos conjuntos mais vistosos são a frontaria azulejada da igreja de Santa Maria ou a majestosa entrada da antiga Empresa Transformadora de Lãs. Aliás, é da mesma “fornada” o conjunto azulejar localizado na rua Marquês D´Ávila e Bolama ao pé da Universidade da Beira Interior o qual nos indica a porta de acesso à serra da Estrela e inúmera um conjunto de motivos de interesse para o visitante.

A arte azulejar que é “a arte ornamental mais expressiva em Portugal” e cujo fabrico iniciado em Portugal no século XVI é um património que importa conhecer e preservar também é visível quando o visitante se rende à beleza e perfil ímpares da obra de Sousa Araújo cujas particularidades do seu traço justificam procura obrigatória” diz Carlos Madalena que tem dificuldade em indicar um percurso especial pois os azulejos “estão espalhados por toda a cidade”. Ainda assim o responsável pelo Museu Arte Sacra da Covilhã considera que o “Palacete Jardim é o mais representativo bem como a Antiga Transformadora de Lãs a que se junta a imagem de Nossa Senhora da Conceição na rua Marquês d´Ávila e Bolama, precisamente da autoria de Sousa Araújo”.



Quanto ao futuro a autarquia pretende iniciar o inventário azulejar do concelho da Covilhã por forma a criar uma estratégia de defesa e valorização do património azulejar do território. As intenções de projeto  foram partilhadas no decurso das várias iniciativas que colocaram o foco cultural na valorização de um património que motivou a ida à Covilhã da diretora do projeto SOS Azulejo e cuja partilha e ensinamentos ajudarão a criar uma estratégia de valorização e divulgação do azulejo.

Este artigo foi originalmente por mim escrito e publicado na edição de 1 de março de 2018 do Jornal do Fundão.



Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...