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sexta-feira, agosto 28, 2020

Regressar é mais fácil que ficar

Raquel Alves é  uma entre centenas de emigrantes da nova geração que seguiu o exemplo dos pais e no início da primeira década de 20 do século XXI deixou a pacata aldeia de Póvoa de Atalaia no concelho do Fundão e rumou ao estrangeiro.

Tinha 15 anos e  acreditou que  o sonho de alargar horizontes poderia concretizar-se mais perto do pai, na Suíça para onde viajou em 2003 com a mãe e os dois irmãos. No fundo tratava-se de dar seguimento à tradição familiar que começou com o avô materno. José Alves Mação esteve 20 anos em França e voltou para Portugal “à meia idade”, a neta recordou-nos os difíceis anos da década de 60 do século XX quando os portugueses se sujeitavam a qualquer trabalho mesmo que tivessem qualificações.

Os avós que “são o pilar da família” foram a maior dificuldade em deixar Portugal mas a ambição por uma vida melhor ajudaram-na a superar-se e em Bienne, perto de Berna, ambientou-se, fez novos amigos, trabalhou numa fábrica de relógios da Rolex e num salão de cabeleireira. Sentia-se realizada, apesar das dificuldades com a língua. Mas a motivação sempre foi amealhar alguns recursos e voltar ao país de origem.

Regressou em 2018 e no dia 22 de agosto de 2020 volta a fazer mas malas para começar de novo. Neste, entretanto, também viveu em Alcochete e trabalhou num call-center em Lisboa. Durante cerca de um ano, sentiu-se “uma estrangeira em Portugal, a dificuldade de reintegração e os complexos com o sotaque da língua bem como a dificuldade em compreender algumas expressões originalmente portuguesas” fizeram-na sentir-se “discriminada”.

As voltas da vida de Raquel Alves e dos filhos de seis e nove anos de idade trouxeram-na, então, de volta às raízes beirãs. “Voltar às origens sempre foi a minha maior motivação” descreveu ao JF Raquel Alves numa manhã de agosto na cidade do Fundão.

A jovem mulher que outrora tinha ficado com um nó na garganta por deixar os amigos de infância e as memórias do Externato Capitão Santiago de Carvalho (Alpedrinha) onde estudou, estava de volta mas trazia empreendedorismo e capital na bagagem.

Contrariada pela “sistemática burocracia” e “descoordenação entre serviços”, Raquel Alves respirou muitas vezes fundo até conseguir, com a ajuda dos pais, abrir no Fundão o seu salão de cabeleiro. “Abrir um negócio meu era o desafio de uma vida”, mas o sonho desta mãe de família haveria de conhecer mais que peripécias burocráticas associadas a licenças e afins. “Sou família monoparental, tantos anos depois já não conhecia as leis portuguesas, os serviços públicos nem sempre agilizavam. Valeram-me as pessoas espetaculares no aluguer e transformação do espaço”, refere a emigrante.

A antiga espingardaria que durante sete meses foi um salão de estética e cabeleireiro é hoje pouco mais que uma etapa na vida da portuguesa que está de abalada para o estrangeiro.

“Dá-me pena o trabalho que o meu pai, construtor civil, ali teve, mas vi-me obrigada a fechar o salão”, afirma quem investiu parte das economias conseguidas em 15 anos de emigração. O espaço que devido à pandemia covid 19 esteve dois meses e meio encerrado começou a perder clientela. “Tinha dias e dias sem ninguém, mesmo aos sábados, era incomportável”, desabafa meio triste meio conformada a emigrante de 32 anos.

Quando aceitou partilhar com os nossos leitores a sua história de vida, Raquel Alves falou-nos de como é ser emigrante no Portugal onde as redes sociais denotam incompreensão quanto a quem está lá fora. “Fico triste com o que leio. Nós só vimos visitar a família, não impomos nada”, refere.



Daqui a uns anos, Raquel reviverá os hábitos de criança e jovem quando em cada mês de agosto ficava ansiosa com o regresso ao país de origem. “É um sentimento indescritível a preparação do regresso, o reencontro durante a viagem com outros compatriotas. É uma emoção que à chegada à fronteira nos emociona”, conclui.

 

Regressar a Portugal com o fado no coração

 

A vida de emigrantes faz-se de regressos e partidas. Umas vezes com data marcada outras por imposição do destino. Lúcia Silva ou Lúcia Palpita como é conhecida é uma dessas pessoas que o destino obrigou a regressar à terra mãe.

Encontramo-la na semana passada numa das mais movimentadas esplanadas do Fundão. Conversava com uma amiga covilhanense sobre a aventura de deixar a Suíça e voltar à Beira Baixa.

“Estou aqui a tomar um cafezinho com uma amiga que nestas semanas me tem ajudado a resolver problemas burocráticos com a matrícula do meu filho”, começa por explicar-nos a fundanense de 45 anos.

O desabafo e contextualização do momento fazem-nos antever a dificuldade de uma emigrante que ao fim de 25 anos a trabalhar como auxiliar de limpezas regressou ao seu Fundão para cumprir o sonho maior que é cantar fado.

Na verdade Lúcia Palpita já canta e conhece o fado. Não só por causa da papelada que desde maio, quando regressou a Portugal, tem vindo a resolver, mas também porque é habitual ser convidada a mostrar o seu talento e dotes vocais em cerimónias e eventos privados.

Lúcia que estava desempregada desde 2018, devido a problemas de saúde, regressa agora ao aconchego da família de sangue para “atingir a felicidade plena”.

E para começar, iniciou esta segunda-feira uma nova experiência profissional numa fábrica de polimentos onde só não começou a trabalhar mais cedo por causa da pandemia.

O coronavírus foi, de resto, a realidade que maior impacto negativo causou na vida desta emigrante. Nem a adaptação à língua alemã foi tão traumática quanto o confinamento obrigatório ou o ensino à distância por parte do filho mais novo. “Nunca senti tanto medo, por mim e pela minha família”, diz-nos a emigrante cuja viagem de regresso a Portugal foi concretizada sob todas as medidas de proteção e segurança contra a pandemia.

Sobre os anos no estrangeiro, Lurdes Silva recorda a “beleza invulgar” do país onde “a qualidade de vida impera” e que há muito deixou de ser a galinha dos ovos de ouro.

Lúcia e Raquel são apenas dois exemplos de naturais da Bera Baixa que voaram mais longe em busca de um sonho chamado bem-estar. Entre os objetivos e a realidade há sempre obstáculos que roubam energias ou tornam as pessoas mais resilientes. Bom regresso às duas mulheres!

Dulce Gabriel

Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler na íntegra aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf

Gerações de Emigrantes regressam em cada Verão

A vivenda localizada no 6 da rua da Catraia em Soalheira é todos os anos em agosto o ponto de encontro das três gerações da família Lima. António e Maria José já faleceram mas os filhos e netos, futuramente também os bisnetos, seguem lhes o exemplo num tempo em que a emigração é bastante diferente da fuga para o estrangeiro a salto e em nome da necessidade. 

Emanuel Alves de 39 anos é o anfitrião deste nosso encontro com a família na freguesia de Soalheira. Natural de Vichy perto de Clermont Ferrand na França é neto da família Lima e nesta conversa de partilha com os pais Maria de São José Lucas Alves e Francisco Duarte Alves confidencia-nos que se sente um estrangeiro em Portugal, país onde reside desde os 23 anos de idade.




A história deste imigrante começa com o percurso académico que o levou à Universidade do Minho para fazer Erasmus e à Universidade da Beira Interior onde em 2004 concretizou um mestrado em economia que lhe abriu caminho a um contrato de trabalho na administração pública.

Emanuel que hoje é técnico superior no Município do Fundão sempre gostou de vir a Portugal visitar a família e conviver com os avós, mas foi o amor pela namorada que conheceu num baile de Verão que o fez repensar toda a trajetória de vida.

Hoje, casado com a professora do ensino básico e pai de duas crianças nascidas na região da Cova da Beira. Emanuel explica-nos que embora o seu adn seja francês não esqueceu as sensações dos anos em que vinha dois meses no Verão para o reencontro com avós, tios e primos. “Os cheiros e os sabores são diferentes”, admite o economista que “gostaria de manter-se em Portugal” acreditando que também as filhas “ficarão por cá para sempre”. “Uma delas fala corretamente o português e o francês”, afirma o beirão de sangue luso e mente francesa. “Sou um estrangeiro com complexos de liberdade de expressão”, confessa o irmão de Cláudia Alves que, por sua vez, vive em França e regressa a Portugal a cada mês de agosto.

“Foi um mundo novo que se abriu”

Os pais de Cláudia e Emanuel estão em França há mais de 40 anos, seguiram os passos dos progenitores de Maria de São José Lucas Alves. Atualmente passam o Inverno em França e o Verão em Portugal e na conversa com o Jornal do Fundão recordaram os tempos antigos descrevendo a emigração do novo milénio em que “as diferenças económicas se esbateram” pois atualmente os emigrantes já não deixam o país de origem com o intuito de “ir e ficar, trabalhando, reunindo recursos para fazer uma casa ou avolumar património”.

Se a primeira geração de emigrantes rasgava fronteiras para regressar à aldeia Natal e por aqui criar comodidades, a segunda geração já viaja pelo Portugal até então desconhecido fazendo férias no Algarve ou noutras paragens do território. Quanto à terceira geração, a família Alves acredita que poucos terão interesse em retornar às origens familiares. “Nunca renegarão a pátria mas não virão para a aldeia”, sintetiza Maria de São José Lucas Alves.

A matriarca da família recorda com orgulho a postura que sempre a caracterizou explicando que em França sempre fomentou a multiculturalidade e integração. “Nunca escondi a dureza das minhas origens no campo, mas também não fomentava o clubismo”. Muito embora se orgulhe do Benfica ou da Seleção Portuguesa de Futebol, Maria de São José que foi baby-sitter e empregada de balcão orgulha-se de “ensinar a língua portuguesa” às netas e às pessoas com quem se cruzou.

“Os portugueses são sempre bem acolhidos e respeitados pela seriedade e por não promovermos o conflito”, diz por seu lado Francisco Duarte Alves que emigrou mais cedo que a esposa e começou por ganhar a vida num picadeiro de cavalos”.

O serviço militar obrigatório levou para Angola, pertenceu à companhia 2783, e juntamente com outros 150 militares atuaram na guerra colonial. Mais tarde, regressado a França onde exercia funções de motorista num matadouro, conheceu a esposa com quem celebrou matrimónio em 1973. Maria de São José que desde 1972 se encontrava em França ao pé dos pais (António e Maria José Lima) bebeu do “choque cultural e político” numa cidade à altura com 30 mil habitantes.

“Foi um mundo novo que se abriu” afirma, segura e feliz ao JF no dia em que nos recebeu na Soalheira.

“O português vai atrás das raízes, onde há um português a comunidade adere”, explicam quase em uníssono os elementos do clã Alves. Sobre a Soalheira que a mãe diz ser “a terra onde nasci”, e Emanuel vinca como sendo “o local onde tudo começou”, Cláudia Alves vê-a como um lugar de “paz e serenidade” onde admite que pretende continuar a vir e ao qual as filhas estão intimamente ligadas. “A chegada do Verão é contar os dias”, afirma uma das netas mais crescida. “Quando nos aproximamos de Valladolid sentimos que as férias já começaram, os níveis de stresse abrandam e aqui chegados estamos em paz”, conclui Cláudia.

Um emigrante que é viajante no mundo

Resiliência e energia não faltam a Carlos Braz Nunes, 57 anos, natural de Silvares, emigrante desde 1988. Na verdade, o nosso interlocutor, que regressou esta semana a Portugal para as ferias de Verão, é mais que emigrante. É um cidadão do mundo que já viveu em Colónia, Eslováquia, Itália, Inglaterra e Namíbia.

Desde a Suíça de onde parte para vir a Portugal ou para longos períodos de trabalho em outros países, Carlos Nunes diz-nos que emigrou para conseguir melhores condições de vida e recursos num tempo em que ser emigrante chegava a ser “estafante”. “Hoje a vida é bastante mais calma, apesar de viajar muito entre países”, vinca o emigrante manobrador de máquinas e soldador. “O complicado é passar muito tempo sozinho e não fazer sentido ter aqui a família, pois há anos em que durmo aqui três noites”, especifica o silvarense.

Para este filho de emigrantes (os pais estiveram na França e regressaram a Portugal quando Carlos Nunes tinha 10 anos), vir a Portugal “é quase uma rotina” pois viaja até Silvares mais do que uma vez por ano por forma a estar junto da família nuclear.  “Já nem me preocupo com as malas, viajo de avião”, particulariza o cidadão que “voltaria a emigrar, mas nunca mais deixaria a família para trás”.

“A emigração continua a fazer sentido embora os tempos sejam de maior aperto e dificuldade”. “Antigamente emigrava-se para amealhar e fazer uma casa. Atualmente é mais complicado, é preciso trabalhar o casal para termos uma vida tranquila, antes disso ainda é preciso resistirmos até mantermos um contrato de trabalho definitivo”, explica-nos Carlos Nunes.

Pai de dois filhos adultos e a residirem no concelho do Fundão, Nunes esclarece que atualmente “o que se ganha aqui é só para nos mantermos”. “A Suíça não é o que se ganha é o que se paga”, adverte o cidadão.

E como são as férias de um emigrante, perguntámos. “Este ano por razões de segurança sanitária não iremos, mas habitualmente a família passa uns dias no Algarve. Também nos preparamos para o Inverno, recolhendo lenha”. Carlos, seja bem-vindo à terra encantada!

Dulce Gabriel 

Texto originalmente publicado no Suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf


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