quarta-feira, agosto 18, 2021

Gerês 25 anos depois

A memória dos dias calmos e plenos de atividade e movimento.  É assim que caracterizo o baú de imagens e vivências de quatro dias no Gerês. Aqui onde também se ouve o sino que dá as horas, se contam as estrelas, onde o nascer ou por do sol à beira rio tem outro encanto.


Aqui onde São Bento de Porta Aberta é uma espécie de Cova da Iria, tal a afluência de devotos e turistas que chegam em viatura própria ou camionetas de passageiros, trazem a merenda, veneram o santo e transformam o santuário no reencontro anual com a fé e espiritualidade. 


É daqui, do Gerês, que levo a gratidão da vida por me permitir inspirar-me na beleza poética de cada recanto, encosta, lago ou ponto de água. Aqui onde a água é  aventura e lazer, todos querem tirar proveitos do potencial turístico das águas do rio Caldo e da Barragem. Entre gaivotas, bóias, canoas e barcos, faz-se de tudo na calmaria do curso fluvial que junta centenas de pessoas de várias línguas. 
O francês e espanhol são as línguas mais faladas nas conversas entre veraneantes que também falam português do Brasil e a língua de Camões. 
O Gerês, tal qual o conheço hoje, é absolutamente diferente do Gerês de há mais de 25 anos.  Que transformação!


Mas a genuidade dos locais não se perdeu ! Nota-se na conversa com a pessoa do café ou a vendedora de frango na brasa num qualquer lugar das Terras do Bouro. Também é notório no verbo do guia turístico com quem conversei na Portela do Homem e que encontrei dias depois na rua onde morei estes dias. Neste reencontro com a natureza dei-me conta do trabalho zeloso dos vigilantes da natureza, o ICN - instituto de conservação da natureza,  parece não ter falta de meios humanos e isso reforça a confiança de quem andou por montes e vales do Parque Nacional Peneda-Gerês.
Paisagens de cortar a respiração, floresta diversificada e de beleza ímpar.  Espécies bastante invulgares se comparadas com a realidade da nossa Gardunha ou na generalidade da flora na Estrela.  Até as casas florestais estão semi restauradas e apresentam o aspecto que a foto documenta.


 
Nestes dias de agosto, eleitos para voltar ao lugar onde fui feliz, trouxe para  companhia gente de várias idades igualmente rendida à beleza do território que é ponto de confluência de tantas pessoas.
Se há casos em que dá gosto observar a evolução da oferta turística e capacidade empreendedora dos locais, estas aldeias e vilas à volta do Gerês Termal e Verde comprovam essa aposta acertiva na exploração económica e social de uma geografia cheia de potencial.

O Gerês não é o Algarve de Portugal mas tem expressão maior no destino para descanso e lazer de tantos de nós!

quinta-feira, abril 22, 2021

Confinamento de Mulheres e outros alertas

- Acordai
Acordai
Homens que dormis
A embalar a dor
Dos silêncios vis
Vinde no clamor
Das almas viris
Arrancar a flor
Que dorme na raiz
Acordai
Acordai
Raios e tufões
Que dormis no ar
E nas multidões
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras do mar
O mundo e os corações
Acordai
Acendei
De almas e de sóis
Este mar sem cais
Nem luz de faróis
E acordai depois
Das lutas finais
Os nossos heróis
Que dormem nos covais. 



Acordai!
"Acordai" na poesia de José Gomes Ferreira e na música de Fernando Lopes Graça foi o mote inspirador para o alerta, os alertas, que a peça "Confinamento de Mulheres" apresentada, durante duas sessões, na Moagem no Fundão deixou às dezenas de espetadores que terça e quarta feira assistiram à interpretação da CIA Atma das Artes liderada pela encenadora e atriz brasileira Sílvia Lucarini.





Ao longo de três quartos de hora ouvimos canções e poemas intemporais de Florbela Espana, Miguel Torga ou Rupi Kaur numa majestosa interpretação de Ana Leonor Santos, Luísa Nunes, Liliana Passos que nos fizeram refletir sobre a vida das pessoas cuja liberdade tantas vezes é condicionada.

"A crença no poder do julgamento desvanece-se sentindo o coração", disseram alto e bom som no palco performativo de onde sobressaíram vozes de inconformismo face ao continuado abuso de mulheres e pessoas sem voz. 

Pessoas confinadas e abusadas cuja tenacidade e determinação as leva a expressar indignação e comprometimento pela liberdade de outras mulheres, homens, crianças e seres carentes de sementes transformadoras como renovada foi a sensação coletiva de inquietude face à realidade da espuma dos dias.

Foi um espetáculo libertador e introspetivo no qual não faltaram os sons da natureza, símbolos de paz e harmonia na Primavera de 2021. Ou na Primavera que há em cada gesto. 





sábado, abril 03, 2021

A Escola da Meninice

 A escola. Esse lugar mágico de aprendizagem e brincadeiras onde outrora se fizeram distinções de género. Rapazes para um lado. Raparigas para o outro. A escola do quadro preto, do globo e do mapa de Portugal com carteiras e soalho de madeira em que a professora levantava a cana para impor o respeito. 


 



Hoje revisitei essa escola. Aquela que frequentei e para a qual me dirigia, diariamente,  a pé desde o alto da Gardunha.  É verdade,  para ir à escola eu palmilhava 6 quilómetros. Metade de manhã.  Metade à tarde. Um ir e voltar com a sacola às costas, por entre pinheiros gigantes e alguns uivos. Debaixo de chuva ou de temperaturas muito baixas. Mas nada me intimidava.

No Inverno, quando os dias eram mais curtos e o clima nos presenteava com um frio de rachar, ventos ciclónicos e muita chuva, o meu pai que era o guardião do perímetro florestal de Castelo Novo, assobiava e chamava: Dulcinha, Dulcinha ! Eu respondia e continuava no carreiro até à Casa Florestal. À chegada tinha o calor da lareira e a resposta às perguntas do quotidiano.

Verbalizava as brincadeiras no pátio da escola. Os jogos, o improviso e a sensação maravilhosa de pisar o risco. Quem nunca sentiu uma enorme excitação por saber-se a fazer algo menos correto ?

No meu tempo de escola, em Castelo Novo,  havia mimosas e esconderijos entre o estabelecimento de ensino e a Capela de Santa Ana e São Joaquim.
Quando não gritávamos "aí vai alho" e subíamos para cima do vizinho, não estaríamos a fazer de burro, poderíamos estar a jogar ao lenço ou à cabra cega. Também fazíamos o jogo da macaca e os rapazes jogavam ao aro ou ao berlinde.

Tenho uma vaga ideia de tantas das nossas brincadeiras no espaço à volta da escola !
Foi dali que hoje registei o retrato da minha aldeia encravada na serra.
Ali onde a escola, a precisar de obras de conservação,  é agora um edifício devoluto e de onde extraímos apenas memórias.

Memórias da professora Beatriz, uma mulher de estatura baixa mas bastante forte e a quem era difícil mexer-se. Depois veio uma professora de Braga, chamavam-lhe a "caixa de óculos" pois tinha uma lentes bastante grossas, que mal aqueceu o lugar.
Braga ficava longe e já naqueles anos do século XX os professores andavam com a casa às costas.

Fica um breve registo da escola da minha meninice. Foi há tantos anos !

E não a recuperam? A pergunta teve como resultado um encolher de ombros. Num tempo em que tanto se mede o impacto haverá sempre quem sinta o apelo por uma intervenção.  Ou quem se questione se valerá a pena.
Traços do quotidiano na minha aldeia berço. Ali onde avistamos Espanha e Monsanto. Lá onde o silêncio é Rei e as floreiras simbolizam esperança de outras Primaveras !

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...