quarta-feira, julho 24, 2019

Pinto o que sinto


Não sei se alguma pintei um desenho de que me possa orgulhar. Mas conheço imensas pessoas cuja pintura me faz viajar pelas paisagens da minha Gardunha quando ainda não vestia negro.  Lembrei-me disto, esta semana, quando numa visita relâmpago a Castelo Novo me apercebi da chegada da Arte Urbana à Aldeia Histórica de Portugal encravada na serra.

Nesse instante revisitei a memória das aulas de educação visual no Externato Capitão Santiago de Carvalho em Alpedrinha e o pensamento fixou-se no desenho geométrico do professor João de Matos. O malogrado educador para quem o “olhos eram a régua e o nariz o compasso”….

Quase me apeteceu entrar em casa, subir ao sótão e procurar no baú dos trabalhos da escola as pastas com desenhos geométricos realizados nas folhas de papel cavalinho. “O melhor,  pois as folhas são resistentes e ótimas para desenho com lápis de carvão”. Também o João Barreira, um pintor que na minha juventude se dedicava às paisagens verdejantes da minha geografia de infância, já me surpreendeu com belíssimas obras matizadas a verde.

As paisagens verdejantes da Beira Baixa, que outrora inspiraram a poesia de Albano Martins ou Eugénio de Andrade, também caracterizavam a obra do pintor Barata Moura. O Mestre que nunca renegou as suas origens beirãs e se formou na Escola António Arroio e na Superior de Artes Aplicadas também pintava a Beira como ninguém.

Falecido em 2011, 100 anos depois do seu nascimento, Barata Moura está nas mais de mil telas a óleo e inspira uma nova geração de pessoas ligadas à arte de eternizar personalidades e vivências de um território.

Esse património está agora mais completo com o mural alusivo ao pintor Barata Moura cuja memória passa a estar perpetuada na antiga torre da EDP na sua aldeia Natal.





Castelo Novo tem desde há uns dias um exemplar de arte urbana assinado por João Samina https://saminashop.bigcartel.com/. O artista que também pintou Carlos Paredes ou algumas das mais carismáticas figuras típicas da Covilhã, tem na Beira Baixa um trabalho dedicado ao pintor que sentia as paisagens, pessoas e recantos da sua Beira transportando-as  para a tela num registo multicolor que nos prende o olhar e nos faz vibrar de alegria. 

Na obra de Samina, Barata Moura “apresenta-se” em tons de preto e encarnado num jogo que nos faz acreditar que o traço característico do João ajudará a fazer do “miradouro da pardinha” – assim é designado pelos naturais de Castelo Novo a encosta da freguesia onde se encontra “a escultura” do mestre pintor – um ponto de paragem obrigatória no roteiro de visitação à localidade.

O toque de modernidade na Aldeia povoada de história acrescenta vida à localidade desejosa de espreguiçar-se para a Gardunha vestida de verde.

Mas passaram dois anos e como muitos transeuntes comentam, faz impressão que Castelo Novo continue rodeado de negro, marca indelével do fogo.



Neste meu regresso, à geografia que em agosto de 2017 voltou a ser massacrada pelos incêndios, não posso deixar de descrever a melancolia que assombra qualquer natural ou forasteiro que logo na autoestrada da Beira Interior se dá conta de como Castelo Novo permanece vestido de luto.




Não vemos árvores, a serra está globalmente despida. Dá pena olhar para o cabeço da Penha e observá-lo desnudo. Já no interior da localidade observamos o casario ainda fechado aguardando a chegada das centenas de pessoas que este Verão voltarão à sua terra do coração dando-lhe vida e esperança num ritual anual que nos faz continuar a acreditar que Castelo Novo ainda pode merecer mais que uma obra de arte de amor a Barata Moura.

Aguardemos!

sexta-feira, julho 12, 2019

Pessoas que vão e pessoas que ficam


Quantos de nós olhamos para o caminho e nos damos conta da quantidade de pessoas que deixámos para trás? Deixámos ou foram essas pessoas que se afastaram de nós, dos nossos projetos e vivências?

As perguntas, bailam-nos no pensamento sempre que passamos por uma provação, quando iniciámos um projeto ou concluímos outro. Vivemos o momento com a energia e intensidade que o mesmo traduz mas observamos que algumas vezes somos seres solitários nessa viagem e relação de compromisso com as nossas coisas.

É então que a nossa memória, mesmo seletiva, nos conduz às pessoas que fizeram o mesmo percurso ou nos alimentaram o trilho do paralelo da vida.

Recordamos os dias mais perturbadores e os indubitavelmente felizes. Recuperamos a memória inabalável da presença das nossas pessoas, naquele dia, àquela hora. No momento mais improvável mas importante da nossa vida.

São essas minhas pessoas que pretendo “homenagear” com esta ode à valorização d@s amig@s de sempre e para sempre.

Também há as pessoas que outrora foram antecâmara das nossas preocupações e venturas. As tais pessoas que ficaram pelo caminho ou que deixaram de nos dizer presente.

E que dizer das pessoas que um dia nos foram próximas, morando nas nossas gavetas e agora nos observam de forma cordial?

Também há aquelas que fazem vista grossa. Aqui abro um parêntese para dizer que perdoei mas não esqueci aqueles seres humanos que passaram metade da vida a tecer-me loas e quando deixei de lhes dar palco mudavam de passeio para não me cumprimentar.

Ensinamentos num percurso em que dou especial importância às minhas pessoas. Aquelas que nunca me falham. Na alegria e na dor. Nos momentos solenes ou nas mais ridículas situações capazes de me deixar desconfortável.



E quem são as minhas pessoas? E as que ficaram pelo caminho?
Pensem nisto. Eu sei quem são, todas essas pessoas. Todos nós sabemos.

Agora façam esse exercício e obriguem-se a dedicar mais tempo de vós às pessoas que nunca vos falharam. Essas pessoas são incondicionalmente o nosso espelho.

Dêem-se. Digam presente. Surpreendam-nas.

Não fiquem à espera do último adeus para lhes dizerem que as amam. Que têm saudades dos tempos em que a vida foi mais generosa e potenciou mais encontros e partilha.
Digam-lhe hoje.  

quarta-feira, julho 03, 2019

Agora já ninguém faz adeus para a «Casa Portugal»


Quando em setembro de 2018 fui ao encontro de José Lopes Nunes para gravarmos uma conversa para o meu «Porque Hoje é Domingo» na Rádio Cova da Beira, estava longe de imaginar que a «Casa Portugal», onde fui ter com o Jolon, estaria na eminência de fechar portas.

Leio agora na imprensa falada e digital que o Jolon encerrou a loja localizada na Rua 25 de Abril, uma das mais movimentadas da Vila de Penamacor. Ouvi-o na Rádio a confessando-se “constrangido” por encerrar a loja onde esteve mais de 45 anos, como verdadeiro prestador de serviços às populações.

A «Casa Portugal» com mais de 100 anos já foi loja de seguros e outros serviços. Foi, fundamentalmente, paragem regular para “Adelino Galhardo, Rodrigues da Silva ou o poeta Domingos Campos”. “Amigos que às dez e meia vinham aqui para o café”, recorda, já com saudade, o homem que nos habituamos a ler nas estórias publicadas no Jornal do Fundão e nos livros entretanto editados.

“Não me sinto um pássaro fora da gaiola, por ter mais liberdade para a fotografia, pesca e escrita. Saio daqui com um misto de satisfação pelo serviço público que desenvolvi ao longo da vida e alguma preocupação por sentir que farei falta a muitas pessoas que aqui vinham”, contou ao Luís Seguro numa conversa que ouvi na telefonia.

Efetivamente, a «Casa Portugal», era muito mais que uma retrosaria povoada de coloridos mostruários de linhas e outras utilidades associadas à renda, bordados e arte de transformar tecidos. Quando lá cheguei, naquela manhã de setembro, já tinha “clientes”.  Clientes entre aspas, pois na verdade quem procurava a «Casa Portugal» fazia-o mais para partilhar situações, estórias e vivências que muitas vezes enriqueceram a prosa do fotógrafo e repórter José Lopes Nunes.  

“Muitas vezes as pessoas passavam ali e faziam-me adeus”, partiam do princípio que eu estava cá dentro”. Isso mesmo referiu no «Porque Hoje é Domingo» de dia 9 de setembro de 2018 José Lopes Nunes. Agora que o “mais antigo comércio tradicional de Penamacor” encerra, certamente que os transeuntes deixarão de acenar ao Jolon.



O rés do chão da loja de Jolon também era espaço para debater o território, partilhar episódios políticos, perceber sensibilidades. Tantas vezes dirigentes, pessoas singulares e gente anónima, chegados a Penamacor, procuravam a casa das linhas do Jolon.

Naquele dia, após a gravação do programa (pode recordá-lo aqui https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-224-09-setembro-2018-jos%C3%A9-lopes-nunes-jolon/) regressámos à «Casa Portugal» e lá estava um político da terra. Francisco Abreu, militante do PS, ex- autarca e ex- delegado distrital do Instituto Português da Juventude. Foi um reencontro feliz com alguém a quem as conversas à volta da Beira e seus territórios entre a fronteira, as serranias e o regadio dizem bastante.

Ali ficamos alguns instantes a falar de pessoas mais ou menos mediáticas. Recordamos José Luís Gonçalves, António José Seguro; Jorge Seguro Sanches, – figuras políticas marcantes com quem tantas vezes me cruzei no exercício responsável de informar- e os dias em que Francisco abreu foi cronista na Rádio Jornal do Fundão. Ficámos de falar num registo menos informal no «Porque Hoje é Domingo».

O tempo corre veloz e num ano não levei o Francisco Abreu à Rádio Cova da Beira! Lembro-o agora neste registo saudosista da importância da «Casa Portugal» na movida de Penamacor.

Estou certa que o Jolon saberá reencontrar-se com os amigos de sempre num outro local cheio de luz, com vista para a Malcata, foco na sua amada Aranhas ou com Espanha no horizonte.

Vida longa ao José Lopes Nunes que é um conhecedor profundo de Penamacor, das suas gentes na vila e nas aldeias.

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...