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sexta-feira, abril 24, 2020

Instantes do Meu Confinamento 6


Já não escrevo diários da pandemia há quase 20 dias.
Estou em semi confinamento há mais de um mês. Tantos dias, quantas as vezes que fui e vim do trabalho.
Estas viagens casa - Santa Casa da Misericórdia do Fundão com direito a paragens pontuais para abastecer a despensa cá de casa têm-me deixado respirar. 

Pouco mais que isso.

Contrariando a expectativa inicial que apontava para um período de algum relaxe nas obrigações profissionais e tempo, com fartura,  para devolver disponibilidade e entrega a mil coisas pendentes revelou-se um engano.

Eu vou e venho, ligo e desligo o pensamento das obrigações.  Mas não consigo ter energia suficiente para me concentrar em algo prazeroso, aprazível, capaz de me fazer sentir plenamente feliz.

Hoje confessava a uma amiga a minha frustração e aborrecimento interior quanto à incapacidade de dar expressão escrita às múltiplas vivências que têm caracterizado este mês e tal de conversação factual com profissionais do Terceiro Setor. Pessoas como nós  que, de forma exemplar,  têm vivido a pandemia da covid 19 com um sentido de entrega e criatividade ímpares. 

E chegam-me relatos de pessoas igualmente excecionais cuja batalha contra o coronavírus se tem revestido de tantas narrativas emotivas e cheias de vida!

Que preguiça mental é esta que me devora a mente e faz de mim um ser incapaz de concentrar-se na essência das experiências maiores e cheias de sentimento?!

Que espécie de cansaço mental se abateu sobre mim que não vislumbro uma luz para o ócio?



Reflexões, no exato momento em que a memória me recorda: Dulce tens horas de perguntas e respostas cujo conteúdo precisas transcrever, dando continuidade a um dos mais importantes projetos do corrente ano.

Raios partam a pandemia, a passividade ou a saudade das semanas que chegavam ao fim com direito ao exercício mental de realizar as conversas no «Porque Hoje é Domingo» na Rádio Cova da Beira.

Depois havia os jantares com as amigas de uma vida, os lanches e petiscos na nossa amada Nanda.

Desta vez nem fizemos o ajuntamento maior que assinalava o fim do Inverno e a chegada da Primavera !

Conseguiremos despedir-nos do Outono?


Saudades vossas minhas aranhiças do coração!



quarta-feira, abril 08, 2020

Instantes do Meu Confinamento 5


Quando Esperar não é uma perda de tempo
Sempre fui avessa ao nim, nem não nem sim, ao logo se vê, depois falamos, cada coisa a seu tempo.



Não é que seja uma mulher aparelhada, de sofisticada tecnologia, mais rápida que o vento.  Mas sempre achei que não temos tempo a perder.
Havia situações em que repetidamente brincava com as notícias que davam conta da constituição de mais uma comissão, grupo de trabalho, conselho consultivo …. Blá blá blá.

Na verdade sempre fui muito de mais vale uma má decisão do que uma não decisão.
Agora que vivo há três semanas entre casa e o serviço sem direito a outras vidas dou comigo a experienciar uma condição, até agora, pouco provável em mim.

A condição da espera. Esperar que tudo acabe em bem. Que a minha família, amigos, conhecidos e a organização onde passo os dias consigam ultrapassar esta pandemia sem sobressaltos maiores.

Nesta já longa espera sinto que aprendi a viver sem as jantaradas de sexta-feira, sem mais uns sapatos, uma carteira ou um vestido novo.
De hoje para amanhã, creio até que serei capaz de encontrar uma solução para as raízes dos meus caracóis. 

Uma solução que em nada tem a ver com o registo habitual do se a cabeleira A não pode, a B deve ter uma aberta. Posso sempre recorrer à C.
E neste instante ocorre-me a infância em Castelo Novo, entre a serra da Gardunha e a Aldeia e a véspera de um casamento em Louriçal do Campo. Eu e a minha irmã Paula, meninas de tenra idade, pais sem recursos e logística para irmos ao cabeleiro a Alpedrinha. Vai daí o nosso pai improvisa e leva-nos ao barbeiro.
Saímos de lá com uma tijela na cabeça. Literalmente!

Tudo tem solução, diziam os meus pais do alto da experiência de quem sempre viveu com pouco.
Com pouco e sem pressa. A serra da Gardunha tinha, ainda tem, esse poder de ajudar-nos a caminhar com vagar.



Vivamos então esta pandemia com a ponderação e recomendações de quem sabe. Sejamos cautelosos e capazes de esperar pelo fim deste tempo impeditivo de tantas situações que afinal se afiguram não essenciais.
Essencial é continuarmos aqui para contar a história.

Retemperando energias com a memória dos dias bons. Reflexos da nossa existência aparentemente comum mas com bases sólidas para hoje em dia sermos capazes de esperar que a tempestade passe para relançarmos as sementes da amizade e do amor entre pares.
Todo o amor verdadeiro se faz de uma longa espera

terça-feira, março 24, 2020

Instantes do meu Confinamento

Na Tentativa de gastar os tempos livres que resultam da suspensão da vida depois do horário laboral vou-me ocupando da leitura de livros e autores outrora companhia regular na mesa da cabeceira cá de casa.

Às vezes recorro à biblioteca para rever títulos e clássicos. Hoje de manhã deparei-me com o "ensaio sobre a cegueira" do Nobel da Literatura José Saramago. Apeteceu-me começar a devorar uma segunda ou terceira leitura de uma obra escrita em 1995 que nos relata a história de uma cegueira que começou num homem só e posteriormente  fez-se epidemia. 

As semelhanças com muito daquilo que desde há três semanas estamos a observar e vivenciar, à distância ou bastante perto de nós, fazem-me crer num tubo de ensaio literário para aprendermos a lidar com a pandemia Covid-19 como foi designada pela Organização Mundial de Saúde. 

E diz o livro  "Nesta quarentena esses sentimentos irão desenvolver-se sob
diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida disponibilizada, compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou crianças, embaraço por atitudes que antes nunca seriam cometidas, atos de violência e abuso sexual, mortes (...)"
Saramago mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono.

Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis; mata para se preservar e aos demais, depara-se com a morte de maneiras bizarras, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios; após a saída do hospício, ao entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram vendados: “se os céus não vêem, que ninguém veja". 
Aos interessados em ler um pouco mais da obra recomenda-se este link https://rparquitectos.weebly.com/uploads/2/6/6/9/266950/jose_saramago_-_ensaio_sobre_a_cegueira.pdf

Se preferirem leituras mais leves e menos introspetivas sugiro uma viagem pela obra da poetisa feminista Rupi Kaur que há uns anos editou "milk and honey", em Portugal "leite e mel",  e de onde retirei este poema que parece o meu auto retrato.


“dizes para me acalmar
porque as minhas opiniões me tornam menos bonita
mas não fui feita com um fogo no peito
para que conseguissem apagar-me
não fui feita com ligeireza na língua
para que fosse fácil engolir-me
fui feita pesada
meio espada meio seda
difícil de esquecer e nada fácil
de a mente entender”

A par da poesia a paisagem primaveril observada a partir de casa têm-me inspirado para os dias que se seguem. E bem preciso de paz e confiança. Logo hoje que foi oficialmente conhecido o primeiro caso de covid 19 positivo no concelho do Fundão.

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...