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sexta-feira, dezembro 09, 2016

Reencontro com Idanha

Naquele domingo de dezembro o sol envergonhado convocava-me para um passeio longe das rotinas e do quotidiano dos dias. Enquanto o grupo acompanhava a partida de futebol que opunha o Fundão ao Idanhense fiz-me ao caminho e andei a pé até ao centro de Idanha-a-Nova. A primeira paragem foi no Centro Cultural Raiano mas antes descobri como a geografia urbana da sede de concelho tinha crescido e sido acompanhada pela construção de novas infraestruturas de apoio à prática desportiva e de lazer.

A primeira surpresa ocorreu quando o jardim com equipamentos para a manutenção do corpo e da mente, instalado perto do novo hotel Estrela de Idanha, me pareceu pouco ou nada frequentado. Um excelente espaço de lazer que tantas pessoas gostariam de ter no seu bairro e na aldeia mas que em Idanha-a-Nova parece ter pouca procura.
Talvez o frio de dezembro não seja convidativo. Talvez as pessoas vão ao ginásio amiúde. Talvez não haja pessoas que gostem da prática de exercício físico.
Mas há pessoas? Se a área urbana cresceu é porque o número de famílias também aumentou.
Mas e então onde estão as pessoas?

Na tarde em que as avenidas de Idanha se apresentavam desertas e em que os bairros se caracterizavam pela calmaria de uma tarde sem movida até me foi difícil encontrar um espaço de cafetaria aberto. Mais depressa tropecei numa loja made in China. Pudera, estão em todo o lado e nas cidades mais populosas até vão aparecendo os China Shopping!

O périplo continuou e lá atrás soube bem observar que o Baroa, referência local gastronómica, continua de portas abertas e por certo a fazer as delícias de quem gosta de uma boa mesa.

Mas voltemos ao Centro Cultural Raiano, espaço de cultura inaugurado por Jorge Sampaio na década de 90 do século XX. Ponto de encontro com a cultura transfronteiriça. Porta de entrada para a experimentação e visitação de culturas oriundas dos dois lados da fronteira.
A sala que marcou um território e uma geração de políticos e fazedores de coisas foi financiada pelo Interreg II e só por isso já era o garante de que o espaço haveria de continuar a seu o laboratório e ideário de agentes e pessoas de Portugal e de Espanha.

Foi a pensar nessa memória e na história do quotidiano de outrora que entrei no Centro Cultural Raiano para observar exposições e dinâmicas à volta do território.
A escassez de pessoas que caracterizava a vila na tarde de domingo era também uma realidade num espaço cultural onde “há dias em que o número de visitantes é de um ou às vezes nem vem ninguém”, descreve a rececionista e guia da sala onde permanece uma exposição sobre agricultura.

Na sala de visitas da Raia não havia apenas a demonstração das artes e ofícios à volta da Campina mas também uma exposição fotográfica sobre o Património de Proença-a-Velha. É então que a profissional de serviço no Centro Cultural se lamenta quanto à falta de adesão dos locais às mostras que presentemente ali acontecem. “Talvez por já conhecerem as nossas tradições vêm pouco e não ligam, já estão habituadas”, diz.

Solícita e empenhada, a mesma profissional entra na conversa da visitante e admite que a frequência de público é hoje em dia “menos regular e numerosa”. “Tem dias!”, diz-nos quem nos relata a enchente do dia anterior pois “houve aqui um encontro de tunas” ou recorda o tempo em que o Inatel enviava frequentemente turistas para a capital da raia em Portugal.

No mesmo instante oferece-me um exemplar da ADUFE – Magazine Cultural editada pelo Município de Idanha. Uma publicação excelente e diferenciadora de tudo o que existe em matéria de agendas culturais municipais. 

A ADUFE transporta o leitor muito para além da oferta cultural. A publicação dirigida pela Divisão de Cultura do Município de Idanha-a-Nova é um roteiro sobre figuras marcantes da região (desta vez o destaque vai para Ribeiro Sanches ou para uma entrevista ao Ministro da Cultura Luís Filipe de Castro Mendes que é natural de Idanha), lugares e gente profundamente conhecedora da nossa geografia usos e costumes. Neste particular merece ênfase o relevo dado a Toulões ou à narrativa que destaca a verdadeira guardiã da história de Penha Garcia. 

A beleza das paisagens contrasta com o ceticismo dos dias em que nos damos conta de como a falta de gente pode “matar” uma terra, um destino, uma região. A desertificação é, aliás, uma realidade que marca os discursos de quem já na década de 90 – Joaquim Morão, autarca com obra feita e reconhecimento aqui e além-fronteiras é uma dessas vozes que nunca se cansa de colocar o dedo na ferida e ao mesmo tempo contagiar tantos e mais uns com esse apelo maior para que ninguém esqueça o Interior - defendia a necessidade de atrair investimentos à campina.

Mas os anos passaram, foram concretizadas obras, o ensino superior manteve-se, o município apostou no turismo e em projetos para a fixação de pessoas e aproveitamento dos campos mas nem assim se estanca a desertificação humana. Diante esta realidade cruel haverá Missão de Valorização do Interior que nos valha?


terça-feira, maio 10, 2016

Quando os livros quebram o silêncio

Hoje escrevo sobre a biblioteca itinerante de Proença-a-Nova . Um projeto cultural que desde há dez anos é dinamizado por Nuno Marçal. Falar do bibliotecário que  viaja pelas aldeias mais recônditas do Pinhal Interior sem dar boa nota da componente humana do cidadão é muito pouco.
 

É que Nuno Marçal não se faz acompanhar apenas de livros. Às pessoas leva mais que livros. Na mala de viagem também vão revistas, bons conselhos e uma mão cheia de afetos.
Sorrisos feito palavras que abraçam e acrescentam alegria às pessoas que resistem à desertificação.

Nuno Marçal é um colecionador de imagens da vida no campo. Momentos de uma ruralidade em que a rotina só é quebrada pela chegada da bibliomóvel.

Quer seja através da Mala das Letras, quer através dos improvisados clubes de leitura que se criam nos lugares e nas aldeias onde às vezes sobressai o som de um acordeão ou a concertina de alguém que se junta ao coro das palavras soltas e consegue criar animação de rua.

Nesse instante o adro da igreja ou o espaço mais amplo do casario transforma-se num palco de cantigas ao desafio.

Quem diz cantigas, diz estórias. Memórias de outros tempos e lugares que a alma implora que se recordem. 
Partilha-se, então, esse património imaterial de uma geografia em que os livros quebram o silêncio.

Além dos livros e do gesto, a bibliomóvel de Proença-a-Nova promove ainda os diálogos entre pessoas cujas famílias estão muitas vezes distantes. Mas também ajuda a solucionar questões de natureza burocrática que tantas vezes representam um problema de maior dimensão para quem está isolado.

Por todas estas razões e outras que não caberiam nesta meia dúzia de linhas, vale a pena continuar a investir na rede de bibliotecas itinerantes. Em Portugal serão cerca de 60. Na Cova da Beira, houve o caso da biblioteca itinerante dinamizada pelo município do Fundão. Oxalá a dinâmica da bibliotecária Dina Matos faça da Eugénio de Andrade uma biblioteca que rasga fronteiras e combate a solidão que marca os dias das  nossas aldeias.

E agora apetece citar Jorge Luís Borges e um magnífico poema sobre os livros.

E diz assim:

Os Meus Livros

Os meus livros (que não sabem que existo) 
São uma parte de mim, como este rosto 
De têmporas e olhos já cinzentos 
Que em vão vou procurando nos espelhos 
E que percorro com a minha mão côncava. 
Não sem alguma lógica amargura 
Entendo que as palavras essenciais, 
As que me exprimem, estarão nessas folhas 
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo. 
Mais vale assim. As vozes desses mortos 
Dir-me-ão para sempre. 

Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda" 

Aos leitores deixo ainda o link de uma belíssima conversa com Nuno Marçal. https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-1-maio-2016-rcb-nuno-mar%C3%A7al/

quarta-feira, maio 04, 2016

Debater o Interior

O Jornal do Fundão retoma dentro de alguns dias uma das matrizes que tão bem o caracterizaram no tempo de António Paulouro. 

Discutir o Interior não é coisa pouca e se o debate abranger uma maior geografia territorial, tanto melhor! 

Bem sei que os sucessivos debates, iniciativas e grupos de trabalho em defesa do Interior têm alterado muito pouco o nosso fado. Mas se à mesma mesa se reunirem outras vozes de um eixo territorial mais basto que a Beira Interior pode ser que a expressão mediática que o fórum possa vir a ter seja mais um grito de alerta da geografia onde se colhem poucos votos. 

Desconheço se é apenas o facto de não sermos muitos que justifica o constante desinvestimento no Interior. Também não sei se essa é a única razão que, no caso concreto da Beira Interior,  nos trouxe as portagens mais caras do país. Porém, vejo que o discurso em defesa do Interior continua a estar na agenda. Reconquista holofotes. Está na génese da criação de mais um Grupo de Missão para o Desenvolvimento do Interior. 

Chegará? 

As Primeiras Jornadas do Interior que o Jornal do Fundão realiza no Fundão no dia 13 de maio recordam-me outras jornadas. As da Beira Interior que nos anos 80 do século XX António Paulouro promoveu. 

De então para cá a Beira Interior mudou muito. Felizmente para todos os que aqui resistem e continuam a acreditar no futuro deste cantinho entre serras. 

Ainda assim, importa fazer mais. Legislar no sentido de repovoar os territórios de baixa densidade. Nós por cá, vamos tendo tudo. 
Mas faltam pessoas. 

Venha o debate!

terça-feira, abril 12, 2016

Voltar ao "berço"

Regressei ao "berço". 

"Plantei" flores de saudade e revivi memórias dos antepassados. Um tempo ausente, mas muito presente.

Revisitar lugares que são nossos por natureza ou apenas por afeto e emotividade pode revelar-se uma "carga de trabalhos".

Quer isto dizer que a saudade me tomou os passos e o olhar deixou dores no pescoço. Às vezes olhamos para trás e a menina do olho prende-se no infindável mundo das recordações.

Primeiro as emocionais. Depois as paisagens. A seguir os gestos. Também as palavras ditas. As mesmas que neste domingo de abril me revisitaram. Algumas guardo-as em mim. Outras vou partilhá-las aqui.

Saberá o leitor como é revisitar "o berço" e darmos-nos conta de que já lá não mora quase ninguém?

Muitas vezes nem as boas memórias e o ecoar das brincadeiras de outrora apagam esta sensação fúnebre de que poderemos ser dos últimos a regressar ao "berço".

Naquele dia não era a única viajante. Nem só meus passos percorreram as estreitas ruas ladeadas do casario fechado.

Felizmente, vão aparecendo outros viajantes. Poucos! 
Muito menos que o número de residentes que este postal dos anos 20 nos mostra.

Ai como custa regressar ao "berço" e dar-me conta de como o silêncio reinante é premonitório do fim das nossas aldeias!

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...