Bom Dia!
Não Basta Olhar.
É preciso falar!
As palavras ditas por uma septuagenária quebraram o longo silêncio no curto passeio do final da manhã primaveril no Telhado.
A viagem concretizada por via de uma visita de estudo à Casa do Barro tinha permitido perceber que nesta como noutras aldeias da Beira a vida faz-se devagar e na calmaria do calendário que à hora certa leva as pessoas para as empresas longe da terra do barro ou do berço do poeta Albano Martins.
Num povoado com cerca de 600 habitantes o ofício outrora dedicado à olaria é agora preenchido noutras paragens e geografias porventura menos poéticas.
Enquanto muitos saem de manhã para voltar ao por do sol preenchendo a jornada em busca do ganha pão na terra do barro, onde a linguagem poética vai além da "Torre das Palavras", permanecem os residentes com mais idade.
Uma espécie de Sol Nascente que transporta o transeunte para a esperança que olhar alcança no verde esperança que caracteriza os campos verdejantes e a perder de vista.
Enquanto o relógio avança e a senhora Maria arruma a casa e coloca a roupa da cama à janela, há um punhado de crianças de tenra idade que invade a pacata aldeia e semeia a alegria de viver. As ruas silenciosas que nos anos trinta do século XX foram calcorreadas pelo poeta das paisagens voltam a ter vida mesmo quando as crianças da escola primária, que resiste à desertificação humana, estão naquele instante em horário lectivo.
São dezenas de miúdos (as) acabados de chegar do Fundão que é cidade das cerejas e foi berço de outros poetas e homens que semearam as palavras que desde sempre inscreveram a terra de José da Cunha Taborda ou de José Alves Monteiro na paisagem literária e instruída da Cova da Beira.
É então que apetece comparar a energia contagiante da miudagem ao desabrochar das flores.
A correr e saltar, cheios de curiosidade vão ao encontro do barro e dos ofícios que há muitos anos foram sustento maior para as gentes do Telhado. Ali descobrem a importância da olaria numa casa temática que os ajuda a compreender a metodologia de trabalho, as peças e a roda do oleiro que chega a entusiasmar a educadora Amélia Nunes.
Portadora de um vasto leque de conhecimentos relacionados com oralidade, etnografia e tradições Amélia Nunes é como peixe dentro de água. Embora teime em recusar a publicação de tanta sabedoria popular é nela que as crianças de 4 e 5 anos se focam para, através dos sentidos, se apaixonarem pelas rotinas da olaria.
Amélia parece uma profissional de turismo e explica ao Rodrigo, ao Gonçalo ou à Maria o bê à bá da olaria e das utilidades criadas pelo labor dos oleiros cuja criatividade e sentido empreendedor transformou o barro em tigelas, potes, cântaros, gamelas e tachos ou até nas coelheiras.
Imagine o leitor a cara de estupefação da criançada quando ouviram Amélia contar-lhes que naquela peça poderiam habitar coelhinhos.
E depois vieram os Rostos da Memória, memorial dedicado aos muitos oleiros cujo labor de uma vida de dedicação permitiu gerar riqueza e o património imaterial às vezes plasmado nos livros e na linguagem poética que vai muito além do percurso literário de Albano Martins e que também convoca o visitante do Telhado a conhecer essa valiosa "Torre das Palavras" que é contígua à Casa do Barro onde as crianças do Fundão meteram as mãos no barro.
E diz o poeta :
"De barro somos, dizem os oráculos, solicitas vozes do crepúsculo ou das manhãs solenes, rituais (...)"