terça-feira, fevereiro 18, 2014

"Saudade" a rua que é uma família

Na cidade com uma população flutuante de aproximadamente dez mil pessoas, há lugares que ganham vida com a chegada dos estudantes. Gente que se governa no decurso do ano académico e que já não sabe estar sem a movida dos universitários. A Saudade é um desses lugares de vida e memórias.





O que seria a Covilhã sem os estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI)? A pergunta em jeito de resposta marca as conversas entre a repórter e os transeuntes de uma das ruas mais universitárias da Covilhã. Mas a realidade é comum a outras artérias de uma cidade onde “existem negócios que sobrevivem à custa dos estudantes”. É o caso da zona da Anil, bastante procurada pela população flutuante da Faculdade de Medicina! Além do alojamento e alimentação, a noite e a dinâmica de vida da gente jovem permitem que a economia local movimente milhares de euros. Mas centremo-nos na Saudade. Ali é fácil darmo-nos conta da presença e partida dos estudantes. Quem regressa às origens nunca mais esquece o bairro. Quem permanece na Covilhã volta à Saudade sempre que a folia aperta. Mas também há quem não volte e leve na bagagem a saudade os dias, num bairro em que as, outrora, casas de habitação são hoje segundas casas. E quem passou a morar em zonas mais chiques da Covilhã, aluga os antigos apartamentos os estudantes. Até ao número 100 da Rua da Saudade amontoam-se os carros de matrículas oriundas de outras terras. Há mais movimento nas ruas do que o habitual. Pessoas que envergam traje académico e com pronúncia do norte. E embora aquela artéria da zona antiga da Covilhã já não tenha a mesma dinâmica que antecedeu o nascimento de outros bairros, na zona de expansão da cidade, a verdade é que a calmaria desaparece mal chegam os estudantes universitários. Além do bulício crescente, entre a rua e os becos de acesso à Faculdade de Arquitectura ou ao pólo principal da UBI, das janelas das casas sai o som das canções do mundo. Música em altos berros, jovens nas varandas e janelas num movimento que ganha maior expressão nos cafés do bairro. O Café da Saudade é um desses pontos de confluência de jovens de todo o lado. Não só os residentes no Bairro da Saudade mas os estudantes que residem em zonas mais caras da Covilhã ou nas residências académicas. Não há ubiano que desconheça a Saudade. Ponto de referência para jantaradas de grupo e outras partilhas. Geografia de afectos, gerador de relações humanas, lugar onde chegam a estabelecer-se relações de quase família. A imagem da repórter é corroborada por Ester Ferrinho. “Há estudantes que conheço há mais de dezassete anos. Concluíram o curso, constituíram família e mantém-se por cá”. A proprietária do Café da Saudade conhece tão bem alguns dos estudantes da UBI como a própria filha. Os seus gostos e defeitos, basta vê-los entrar e consegue perceber se já dormiram ou se a noite foi ao relento. “Na recepção ao caloiro e na semana académico é frequente vê-los a dormir à porta dos prédios, nas escadas ou nos elevadores. Uma vez num café aqui do bairro, estavam a regressar e alguns adormeceram debaixo da mesa de snooker”. Revelações de Ester Ferrinho que reforça o sorriso cúmplice quando recorda os dias em que lhe cantaram uma serenata. “Umas duas ou três vezes, a última foi a semana passada e eu gosto. Sinto que também me estimam”. Ester e o marido Júlio são uma entre muitas famílias covilhanenses que estreitam laços com os jovens oriundos de vários sítios de Portugal. Gente que muitas vezes é uma espécie de família de acolhimento com quem os estudantes podem contar. “Às vezes pedem-me uma aspirina ou uma forma de atenuar a gripe. Também temos quem peça complacência pela dificuldade e em vez de pagar a conta no dia fá-lo ao fim do mês. Quando conhecemos bem, gostamos de ajudar e as famílias não esquecem”. A escolha da Covilhã para estudar não está associada apenas a nota mínima de entrada nos cursos. Muitas famílias recorrem à cidade neve por saberem tratar-se de uma terra de dimensão média “em que toda a gente se conhece e onde o custo de vida é mais económico”. Foi o que aconteceu com o estudante de medicina Pedro Oliveira. Oriundo de Santa Maria da Feira, o jovem preferiu a Faculdade de Medicina da Covilhã em vez da Lisboa porque a cidade é mais acolhedora e as rendas (na Anil que é das zonas mais caras da Covilhã) custam menos duzentos euros que em Lisboa ou no Porto. Convidado a estabelecer um paralelismo entre a vida académica numa cidade do interior ou numa capital, Pedro admite que a dinâmica de festas e iniciativas académicas está concentrada em dois momentos (recepção e semana académica) mas que poderia “ser mais profícua se diluída ao longo do período académico. Por outro lado haveria uma maior probabilidade de estimular a economia”, diz.
Nuno é covilhanense e reside num dos bairros mais frequentados pela juventude da UBI. Não tem dúvidas em afirmar que o crescimento exponencial da população académica “é uma mais-valia” para a Covilhã e contesta a ideia de que entre os universitários haja gente perdida e com pouco juízo - como dizem alguns habitantes mais idosos. “São óptimas pessoas, a doideira passa-lhes a fim do primeiro ano”, esclarece. Alberto de Matos tem 85 anos e reside na Saudade há mais de vinte. Já morou em outros bairros da cidade, igualmente povoados de estudantes mas é da Saudade que guarda as maiores recordações da vida movimentada dos universitários. As festas fora de horas e para as quais nunca foram convidados mas que entram pela casa adentro de cada um dos moradores daquela artéria da zona antiga da Covilhã. Memória tem muitas, umas mais engraçadas que outras. Também tem muito presente o reboliço associado à chegada de novos “novos magotes de malta” e das tiranias que fazem uns aos outros. Numa alusão às praxes, Alberto recorda os exageros associados ao consumo de álcool e partilha connosco episódios como aquele em que uma rapariga queria ficar sem roupa ao pé do contentor. Gente cheia de vida que ora perturba o sossego dos outros ora é boa companhia para os dias mais cinzentos. Sobre os comportamentos acrescenta que os angolanos são mais calmos que os outros. Rafael Ferreira tem 22 anos é natural do Entroncamento e matriculou-se na Universidade da Beira Interior (UBI) há três anos, por opção. Ainda não concluiu o curso de Engenharia Civil e já está a desenvolver um projecto económico que dá trabalho a estudantes mas também os encaminha para as melhores casas ou na busca de bons resultados lectivos. No último Verão constituiu a ImoStudy, Imobiliária e Centro de Explicações. Um negócio que vai da ajuda ao arrendamento para estudantes até às explicações. Rafael quando chegou à Covilhã desconhecia a realidade do território e muito menos onde se dirigir para obter serviços básicos. Nesse caso constituiu-se como mediador imobiliário “não burocrático”. Em cada estudante um amigo é o lema da empresa que já celebrou alguns contractos com mais de uma vintena de pessoas que através da ImoStudy passam a conhecer a Covilhã fora das portas da UBI. Estimular a integração da população flutuante numa cidade do interior é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. Ao JF, Rafael adianta que a estratégia de negócio passa por tirar partido do período de matrículas em que cerca de dois mil estudantes chegam à Covilhã à procura de um abrigo. “Colocar uma placa a informar que se aluga quarto ou que se arrenda casa, não chega. As famílias querem saber mais sobre a cidade universitária e os locais que os filhos poderão frequentar. Nós encaminhamos essas pessoas”, esclarece o estudante empreendedor.
Dados dos serviços sociais da UBI indicam que no ano lectivo de 2012/13 estiveram ocupadas 742 das 815 camas em residência académica. A maior percentagem de população em residência diz respeito a estudantes oriundos dos distritos de Castelo Branco (10,38%), Porto (9,97%) e Aveiro (9,43%), seguido dos estudantes estrangeiros que chegam á Covilhã por via do programa Erasmus e que totalizam cerca de (23,58%) dos residentes em instalações da universidade. Recorrer a uma residência académica não é para todos os estudantes, depende dos rendimentos da família e normalmente a dormida em residência é encara como um suplemento à bolsa. De acordo com o Artigo 19º do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, os estudantes bolseiros deslocados do ensino superior público que não tenham tido colocação em residência dos serviços de acção social, “beneficiam, no período lectivo em causa, de um complemento mensal igual ao valor do encargo efectivamente pago pelo alojamento e comprovado por recibo, até ao limite de 30 % do indexante dos apoios sociais”. Relativamente ao apoio financeiro para o estudante morar na Covilhã, não existe nenhum caso, visto que todos os candidatos a alojamento foram colocados em residência académica. Os dados satisfazem a organização que defende os interesses dos estudantes. “A UBI tem das melhores percentagens de cobertura de residências para estudantes”, referiu Pedro Bernardo presidente da AAUBI. Os preços variam consoante a modernidade e conservação dos imóveis. No caso da UBI, a Casa Pedro Álvares Cabral (ao Sineiro) é a menos em conta. “O valor médio a pagar é de 110 euros, no entanto há residências a 80 euros”. Alugar quarto ou casa na Covilhã significa igualmente diversidade nos preços e comodidade. A localização é um factor muito importante tanto para quem procura como para quem investiu no negócio. Morar ao pé da Faculdade de Medicina ou junto ao pólo principal pode custar mais caro que escolher um quarto ou uma casa na zona da Saudade. “O preço é variável, se um quarto pode custar à volta de 100 euros, a renda de um T0 pode chegar aos 400 a 500 euros. Mas em média os preços por quarto andam na casa dos 150 a 160 euros mais despesas de luz, água e condomínio e sem contrato de arrendamento”. Pedro Bernardo esclarece que por exemplo na zona da Saudade “os arrendatários têm a preocupação de uniformizar o preço”. Questionado sobre a ausência de contractos de arrendamento o presidente da AAUBI lembra como a “necessidade aguça o engenho”, pois os estudantes querem pagar o menos possível e os senhorios evitam os impostos. Mas o dirigente estudantil também deixa um alerta:”É importante que se estabeleça algum compromisso”. E a título de exemplo conta ao JF a história de um ubiano que recentemente se atrasou uma semana a pagar a conta e foi convidado a abandonar o quarto onde permanecia há muito tempo. “Com um contrato estão sempre salvaguardados os deveres e direitos de inquilino e proprietário”, alerta! Sobre a frequência de centenas de estudantes na cidade que também depende da economia universitária, Pedro Bernardo, salienta que a Covilhã ainda não aprendeu a conviver com as mudanças de comportamentos dos residentes. Aludindo ao período em que centenas de novos estudantes se instalam na cidade e às festas académicas, Pedro Bernardo desvaloriza supostos exageros, barulhos e mudança de comportamentos e sublinha “os proveitos económicos” que a população académica deixa na Covilhã.


Quadros relativos à população estudante da UBI nas residências, bem como o distrito de proveniência:



Distrito
Nº Alunos 1º, 2º e 3º Ciclos e MI
%
Nº Aluno alojados na residência*
%
Castelo Branco
1734
27,31%
77
10,38%
Guarda
703
11,07%
54
7,28%
Aveiro
531
8,36%
70
9,43%
Viseu
514
8,09%
46
6,20%
Porto
468
7,37%
74
9,97%
Braga
394
6,20%
55
7,41%
Santarém
311
4,90%
27
3,64%
Leiria
278
4,38%
26
3,50%
Coimbra
196
3,09%
16
2,16%
Lisboa
185
2,91%
26
3,50%
Vila Real
160
2,52%
10
1,35%
Bragança
136
2,14%
8
1,08%
Viana do Castelo
121
1,91%
19
2,56%
Setúbal
99
1,56%
14
1,89%
R. A. Madeira
93
1,46%
21
2,83%
Faro
86
1,35%
14
1,89%
Portalegre
72
1,13%
3
0,40%
R. A. Açores
62
0,98%
4
0,54%
Évora
28
0,44%
2
0,27%
Beja
23
0,36%
1
0,13%
Outras localidades/ países/ Erasmus
156
2,46%
175
23,58%
Total Geral
6350
742


Publicado no Jornal do Fundão em Novembro de 2013

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