segunda-feira, fevereiro 17, 2014

New Hand Lab a fábrica que é um Laboratório Criativo.

Reúne meia dúzia de artistas da região e dedica-se à produção de peças relacionadas com a lã. Mas também há fotografia e aguarelas. Localizada junto à emblemática ponte pedonal da Carpinteira a montra da criatividade haverá de ser um renovado motivo para visitar a Covilhã industrial e judaica.





 Francisco tinha dez anos quando entrou pela primeira vez na Fábrica António Estrela. Viviam-se os tempos áureos dos lanifícios e a Covilhã industrial era um atractivo inquestionável. As brincadeiras de menino eram invariavelmente em contexto de fábrica e assim se compreende a relação de afecto estabelecida entre o actual proprietário e o património construído por António Estrela. Da memória dos antepassados à relação que presentemente mantém com a venda de obras criativas foi um passo. Francisco queria dar um novo rumo a um edifício que hoje tem tanto de sombrio como de gelado. Mas é sempre possível fazer acontecer. O ano que há-de vir marcará o início de um conjunto de eventos associados às artes e à criação de novos talentos. “Enquadrar o espaço numa nova rota sobre a arqueologia industrial da Covilhã, é uma aposta a ter em conta”, afirma Francisco Afonso.

Quem se passeia sobre a ponte desenhada por Carrilho da Graça e observa os telhados do aglomerado de antigas fábricas que laboraram paredes meias com a Carpinteira, está longe de imaginar que aquele lugar da Covilhã industrial poderá vir a ser um miradouro sobre o Laboratório Criativo em que se tornou a antiga fábrica António Estrela. Francisco Afonso é cicerone numa viagem à descoberta de um “espaço de expressão livre e criativa”. Francisco é filho de Júlio Afonso, o último proprietário da fábrica António Estrela construída em 1830. Realizar o sonho da família, preservando a memória de uma empresa que se dedicou à produção de tecidos para senhora é a missão de quem assistiu ao fim da fábrica que então empregava 40 pessoas. Assim nasceu, em Junho último, o projecto do Laboratório Criativo. Revitalizar um espaço onde permanecem muitas das máquinas que outrora deram trabalho a centenas de pessoas é a missão! Embora nunca tenha ficado totalmente abandonado, pois ainda dispõe de enormes quantidades de tecidos e matéria-prima, o imóvel reúne agora um conjunto de artistas que são fornecedores da Casa da Lagariça em Castelo Novo. “Os artistas que trabalham connosco, e que são da região, têm aqui condições para desenvolverem a sua actividade num espírito de partilha. A ideia é um dia mais tarde tentarmos desenvolver um único produto que seja transversal a todos os criativos”, acrescenta Francisco Afonso. Presentemente a produção a partir do Laboratório Criativo também está á venda no primeiro piso da antiga unidade industrial.
A Casa da Lagariça em Castelo Novo e o boneco Petrus estão na origem de um novo projecto criativo que visa dinamizar uma antiga fábrica de lanifícios perto da ponte da Carpinteira na Covilhã. São dez mil metros quadrados de área coberta num Laboratório Criativo que reúne meia dúzia de criadores. Trabalham artesanato, lã e fotografia. O atelier Cool Nature de Miguel Gigante, o estúdio de fotografia Pulse and Vision de João Pedro Silva, o atelier Petrus de Ana Almeida, a MEG em pasta de papel de Maria Eugénia Gomes, a Casa da Lagariça em lãs mohair e lãs mais finas, o escultor Moreira Neves e o aguarelista João Rui Frade estão entre os artistas residentes.
Mas é no rés-do-chão da antiga fábrica que as mãos de criadores transformam a matéria-prima em criações de encher o olho. O visitante entusiasma-se  com a possibilidade de manusear máquinas totalmente construídas na Covilhã e que embora já não estejam permanentemente em laboração ajudam a decorar o laboratório criativo. “Estamos a utilizar algumas para desenvolver produtos que mais tarde serão a matéria-prima para a confecção de modelos assinados pelo criador Miguel Gigante. As mantas em mohair são exemplo disso”, conclui. De resto, Miguel Gigante está a desenvolver a colecção “Vestir a História”. Peças de vestuário em lã para senhora, disponíveis nas lojas das Aldeias Históricas de Portugal. Um trabalho exclusivo que se estende à decoração cujos acabamentos também se fazem a partir do Laboratório Criativo. Assim acontece com “um fundo de cama e respectivas almofadas ou um candeeiro de pé alto que será revestido a burel”. No Cool Natura Lda, a revistadeira ajuda a decorar o espaço mas espera-se que um dia venha a ser utilizada para desenvolver projectos de pintura nos tecidos que Miguel Gigante poderá aplicar em novos modelos. “Temos aqui vários momentos de ensaio de peças e acabamentos. Por exemplo uma carteira toda em lã”. Os estiradores, uma ploter, máquinas de costura e outros equipamentos ajudam a humanizar o amplo pavilhão que vai ganhando algum colorido por via dos trabalhos em curso. Ao atelier do burel junta-se o espaço da Casa da Lagariça. É visível o trabalho de fabrico de mantas em lã mohair que passa pelo tear e permite ao visitante escolher na paleta de fios qual a tonalidade a dar às peças únicas. Num outro sector encontramos o espaço de Ana Almeida onde é fabricado o ícone da Casa da Lagariça. O Petrus tem marca registada, é sinónimo de história. Petrus foi o primeiro alcaide de Castelo Novo. “São peças únicas, numeradas e que têm diferentes formas. São feitos à mão através da técnica da agulha com ponto baixo. Um com trinta centímetros pode demorar um dia a construir” explica a professora da Universidade da Beira Interior que trabalha no departamento de química e cuja formação em engenharia química permitiu à criadora aliar formas e pensar na consistência do modelo de autor. O Petrus “é uma espécie de mascote das Aldeias Históricas de Portugal” diz Ana Almeida, cheia de orgulho. MEG é um nome incontornável do artesanato nacional e a qualidade dos seus trabalhos têm-se traduzido em alguns prémios para a artista natural da Covilhã. O espaço MEG reúne uma panóplia de peças de artesanato elaboradas por Maria Eugénia Gomes. Com recurso à pasta de papel (serrim que resulta do corte de tubos de papel utilizados na indústria de lanifícios) e ao aproveitamento de objectos fora de moda, MEG apresenta peças bastante actuais e com nomes muito sugestivos. “Mulheres sob Pressão” é uma das obras recriada. “Aproveitando uma prensa dos livros e através da construção de duas mulheres em pasta de papel, elas aparecem espalmadas depois de terem ficado sob a prensa”. “Conversa Fiada é o título de outras das obras que nasceu a partir do aproveitamento de uma roca de fiar linho e em que três mulheres se apresentam na amena cavaqueira. A Semana é outro dos objectos decorativos que se desenvolve num quadro em que os dois bonecos rapazes e as cinco raparigas nos dão a ideia do período de descanso e de trabalho”. Já a peça “À Espera da Primavera, apresenta-se num quadro em que uma mulher está sentada no baloiço improvisado no tronco de uma árvore despida de folhas”. Trabalhos de artesanato que estão à venda na rede de lojas das Aldeias do Xisto e em duas ou três lojas de Lisboa, Porto e Castelo Novo. Segue-se o atelier de pintura de João Rui Frade. O aguarelista da Covilhã que também trabalhou na Fábrica António Estrela aderiu ao projecto para ajudar a preservar o património da unidade de lanifícios onde trabalhou na cardação e na verificação do estado de saúde da maquinaria industrial. O antigo desenhador de máquinas transporta-nos agora para outros desenhos que resultam das muitas viagens pelo património natural da Covilhã. Lugares recônditos que despertam no pintor a capacidade de construir cenários de sonho. “Um levantamento de lugares emblemáticos da cidade para uma colecção de aguarelas sobre a vida urbana da cidade”, preenche os dias do pintor de paisagens, telhados e igrejas mas que também se dedica à recolha de recantos do mundo rural. Por entre aguarelas, lápis e tintas, João Rui Frade confidencia a satisfação de ter um espaço para trabalhar que além de muita luz se localiza num lugar onde a beleza da natureza é uma constante. À porta da antiga fábrica de lanifícios o silêncio de um princípio de tarde de outono só é quebrado pelo som da água da Ribeira da Carpinteira que passa ao lado da unidade criativa. A natureza é o forte do fotógrafo João Pedro Silva. No estúdio improvisado e decorado a partir da utilização das caixas de madeira que foram utilizadas no transporte da lã, João Pedro explica que a arte de fotografar vai muito além de um mero clique. Não será ao acaso que “o contador de histórias em fotografia” foi seleccionado para assinar o catálogo da colecção de burel para a Rede das Aldeias Históricas de Portugal. Com o negócio da fotografia em crise, João Pedro vê na New Hand Lab uma nova janela de oportunidade para a realização de projectos que vão além da fotografia convencional. Sociólogo de formação Pedro tem em mãos o desafio de educar o gosto pela arte fotográfica e tem realizado cursos de fotografia na Covilhã. A fotografia de paisagem e os rostos são a aposta do Pulse and Vision explicou o especialista que tem vindo a realizar trabalhos de promoção à arte do burel.

Publicado no Jornal do Fundão em Janeiro de 2014

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