Apresento-vos
a centenária Maria de Lourdes Videira. Nasceu na cidade mais alta, veio para o
Fundão ainda bebé e completa no dia 3 de junho 100 anos. Uma centena de anos de
uma vida feliz. Contou-me no dia em que me recebeu em sua casa, no centro da
cidade do Fundão, para gravarmos a conversa que passará na Rádio Cova da Beira,
no programa “Porque Hoje é Domingo” exatamente à mesma hora em que na igreja
matriz do Fundão decorrerá a eucaristia que assinalará o centenário de
Lurdinhas Paulouro.
“Lurdinhas”
pela dedicação que familiares e amigos têm para com a viúva de Armando
Paulouro, o militar com que Maria de Lourdes Videira se casou depois de 26 anos
de namoro à distância. “O meu marido passou muitos anos nos Açores
e umas vezes queria casar, outras nem tanto. Escrevia-me muitas cartas de amor,
mais do que eu!”. Descreve Lourdes Videira que embora não tenha adotado o nome da
família Paulouro, é conhecida de todos os fundanenses como Lourdes Paulouro.
Na conversa
divertida e intimista na sala de estar de um apartamento na rua Vasco da Gama,
Lourdes Videira confessa-nos que gostaria de ter sido atriz. “Eu quando via o
palco, corria para lá e só me imaginava ali a demonstrar o que eu gostava de
fazer. Mas eu tinha uma vida muito presa. Não gostava de deixar os meus pais
sozinhos e também não tive grandes oportunidades de estudar”, revela-nos ainda quem
abriu no Fundão o primeiro colégio privado para as crianças. No entanto, o
mesmo deixou de existir quando chegaram ao Fundão as Irmãs Franciscanas que
criaram na Misericórdia um outro colégio que praticava “preços mais baixos” e
lhe acabou com o projeto, descreve.
Além
da educação infantil baseada na pedagogia de João de Deus Ramos *, Lourdes
Paulouro desenvolveu, até aos 70 anos, um percurso profissional em boa parte
foi dedicado ao combate à tuberculose. “Quando as Freiras me acabaram com o
colégio, havia muitas famílias com tuberculose e Monsenhor Santos Carreto**,
convidou-me para trabalhar no Dispensário de Tuberculose”. “Ajudei muitas
famílias. Nos anos cinquenta ia às barracas dos ciganos dar injeções e fazer
inquéritos para avaliar a evolução do surto da doença nas Minas da Panasqueira
e na Covilhã”, explicou quem também exerceu funções de assistente social e
reportava “diretamente ao diretor geral de saúde”.
Entusiasmada
com as memórias de uma vida sempre “bastante ativa” a minha entrevistada
orgulha-se de ter tido “a melhor nota – 16 valores – do seu ano no bacharelato
de ação social”. Ao mesmo tempo lamenta não ter podido inscrever-se na
licenciatura por “questões económicas”.
É
única viva das três filhas do casal Emília Castro e Silva e João Videira. Com o
sorriso contagiante que todoa a gente lhe reconhece, Maria de Lourdes conta
ainda que o seu pai, “enquanto militar foi o único português que deu um duplo
salto numa cerimónia oficial para a Rainha Dona Amélia”.
O
percurso de vida da viúva de Armando Paulouro, que durante vários mandatos foi
secretário de sucessivas mesas administrativas da Santa Casa da Misericórdia do
Fundão, cruza-se com a vida moderna da Misericórdia e do Hospital do Fundão
onde chegou a trabalhar quando o serviço local de Luta Contra a Tuberculose passou
para a alçada do Hospital local.
Uma
vida de bem-fazer que cedo começou a desenhar-se pois aos doze anos, “quando
ainda estudava num colégio na Guarda, um Missionário que foi visitar-nos
perguntou se alguém se voluntariava para o acompanhar em África. Coloquei-me em
cima de uma cadeira e ofereci-me para ir, mas era uma criança”, esclarece.
Diante
a atenção da sobrinha Ana Emília Junqueiro que assiste à conversa, Maria de
Lourdes socorre-se da memória fotográfica das muitas vivências e lugares
emblemáticos do seu Fundão: O cinema Gardunha, o colégio de Santo António (onde
conheceu o amor da sua vida) ou o Casino Fundanense dos bailes e outros
encontros cujas lembranças vivenciadas povoam a conversa que durou mais de duas
horas.
Já
no final da gravação da entrevista sugeriu que a sobrinha me ofertasse um
exemplar da revista satírica “O Mundo Ri” que durante anos foi desenvolvida por
Armando Paulouro, José Vilhena e Simões Nunes. A publicação cujo número 103,
datado de novembro de 1960, está agora na minha biblioteca custava 4$00 escudos.
Certamente
que a revista que perturbava a PIDE continuará a fazer parte das leituras de
quem gosta imenso de ler. Camões está entre os clássicos mas hoje em dia lê “livros mais leves” – terminou agora a leitura
de “Fellini na Praça Velha”, da autoria de seu sobrinho Fernando Paulouro Neves.
O
dia de Maria de Lourdes começa de manhã com as rotinas normais de quem gosta de
vestir “toaletes que me fiquem e façam sentir bem”. “Vou sempre almoçar fora de
casa e todos os dias tomo chá ou café com as minhas amigas. Não gosto de estar
em casa”, confirma.
Autónoma
e saudável, “só vai ao médico quando é obrigada”, escreve e lê sem precisar de
óculos. Não sabe o que são diabetes, colesterol elevado ou tensão arterial
irregular e diz-nos que o segredo é “estar sempre bem”.
E
ficará ainda melhor quando este domingo presenciar na festa surpresa do
centenário de nascimento um punhado de amigos, sobrinhos, sobrinhos netos e
alguns bisnetos.
Será
um momento inesquecível. Como inesquecível foi o pedaço da tarde de dia 31 de
maio de 2018, o dia da gravação de uma conversa que reforça a ideia de bondade,
pluralidade e modernidade da senhora Maria de Lourdes Videira.
*João de Deus
Ramos era filho do pedagogo e poeta João de Deus e de D. Guilhermina
Battaglia Ramos. João de Deus Ramos é autor, entre outras, das seguintes obras sobre
pedagogia: Reforma da Instrução Primária, 1911; A Reforma do Ensino
Normal, 1912; O Estado Mestre Escola e a Necessidade das Escolas
Primárias Superiores, 1924; A Criança em Portugal antes da Educação
Infantil, 1940 – in Wikipédia
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Monsenhor Santos Carreto foi Sacerdote e Reitor do Seminário do Fundão
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