sexta-feira, agosto 28, 2020

Gerações de Emigrantes regressam em cada Verão

A vivenda localizada no 6 da rua da Catraia em Soalheira é todos os anos em agosto o ponto de encontro das três gerações da família Lima. António e Maria José já faleceram mas os filhos e netos, futuramente também os bisnetos, seguem lhes o exemplo num tempo em que a emigração é bastante diferente da fuga para o estrangeiro a salto e em nome da necessidade. 

Emanuel Alves de 39 anos é o anfitrião deste nosso encontro com a família na freguesia de Soalheira. Natural de Vichy perto de Clermont Ferrand na França é neto da família Lima e nesta conversa de partilha com os pais Maria de São José Lucas Alves e Francisco Duarte Alves confidencia-nos que se sente um estrangeiro em Portugal, país onde reside desde os 23 anos de idade.




A história deste imigrante começa com o percurso académico que o levou à Universidade do Minho para fazer Erasmus e à Universidade da Beira Interior onde em 2004 concretizou um mestrado em economia que lhe abriu caminho a um contrato de trabalho na administração pública.

Emanuel que hoje é técnico superior no Município do Fundão sempre gostou de vir a Portugal visitar a família e conviver com os avós, mas foi o amor pela namorada que conheceu num baile de Verão que o fez repensar toda a trajetória de vida.

Hoje, casado com a professora do ensino básico e pai de duas crianças nascidas na região da Cova da Beira. Emanuel explica-nos que embora o seu adn seja francês não esqueceu as sensações dos anos em que vinha dois meses no Verão para o reencontro com avós, tios e primos. “Os cheiros e os sabores são diferentes”, admite o economista que “gostaria de manter-se em Portugal” acreditando que também as filhas “ficarão por cá para sempre”. “Uma delas fala corretamente o português e o francês”, afirma o beirão de sangue luso e mente francesa. “Sou um estrangeiro com complexos de liberdade de expressão”, confessa o irmão de Cláudia Alves que, por sua vez, vive em França e regressa a Portugal a cada mês de agosto.

“Foi um mundo novo que se abriu”

Os pais de Cláudia e Emanuel estão em França há mais de 40 anos, seguiram os passos dos progenitores de Maria de São José Lucas Alves. Atualmente passam o Inverno em França e o Verão em Portugal e na conversa com o Jornal do Fundão recordaram os tempos antigos descrevendo a emigração do novo milénio em que “as diferenças económicas se esbateram” pois atualmente os emigrantes já não deixam o país de origem com o intuito de “ir e ficar, trabalhando, reunindo recursos para fazer uma casa ou avolumar património”.

Se a primeira geração de emigrantes rasgava fronteiras para regressar à aldeia Natal e por aqui criar comodidades, a segunda geração já viaja pelo Portugal até então desconhecido fazendo férias no Algarve ou noutras paragens do território. Quanto à terceira geração, a família Alves acredita que poucos terão interesse em retornar às origens familiares. “Nunca renegarão a pátria mas não virão para a aldeia”, sintetiza Maria de São José Lucas Alves.

A matriarca da família recorda com orgulho a postura que sempre a caracterizou explicando que em França sempre fomentou a multiculturalidade e integração. “Nunca escondi a dureza das minhas origens no campo, mas também não fomentava o clubismo”. Muito embora se orgulhe do Benfica ou da Seleção Portuguesa de Futebol, Maria de São José que foi baby-sitter e empregada de balcão orgulha-se de “ensinar a língua portuguesa” às netas e às pessoas com quem se cruzou.

“Os portugueses são sempre bem acolhidos e respeitados pela seriedade e por não promovermos o conflito”, diz por seu lado Francisco Duarte Alves que emigrou mais cedo que a esposa e começou por ganhar a vida num picadeiro de cavalos”.

O serviço militar obrigatório levou para Angola, pertenceu à companhia 2783, e juntamente com outros 150 militares atuaram na guerra colonial. Mais tarde, regressado a França onde exercia funções de motorista num matadouro, conheceu a esposa com quem celebrou matrimónio em 1973. Maria de São José que desde 1972 se encontrava em França ao pé dos pais (António e Maria José Lima) bebeu do “choque cultural e político” numa cidade à altura com 30 mil habitantes.

“Foi um mundo novo que se abriu” afirma, segura e feliz ao JF no dia em que nos recebeu na Soalheira.

“O português vai atrás das raízes, onde há um português a comunidade adere”, explicam quase em uníssono os elementos do clã Alves. Sobre a Soalheira que a mãe diz ser “a terra onde nasci”, e Emanuel vinca como sendo “o local onde tudo começou”, Cláudia Alves vê-a como um lugar de “paz e serenidade” onde admite que pretende continuar a vir e ao qual as filhas estão intimamente ligadas. “A chegada do Verão é contar os dias”, afirma uma das netas mais crescida. “Quando nos aproximamos de Valladolid sentimos que as férias já começaram, os níveis de stresse abrandam e aqui chegados estamos em paz”, conclui Cláudia.

Um emigrante que é viajante no mundo

Resiliência e energia não faltam a Carlos Braz Nunes, 57 anos, natural de Silvares, emigrante desde 1988. Na verdade, o nosso interlocutor, que regressou esta semana a Portugal para as ferias de Verão, é mais que emigrante. É um cidadão do mundo que já viveu em Colónia, Eslováquia, Itália, Inglaterra e Namíbia.

Desde a Suíça de onde parte para vir a Portugal ou para longos períodos de trabalho em outros países, Carlos Nunes diz-nos que emigrou para conseguir melhores condições de vida e recursos num tempo em que ser emigrante chegava a ser “estafante”. “Hoje a vida é bastante mais calma, apesar de viajar muito entre países”, vinca o emigrante manobrador de máquinas e soldador. “O complicado é passar muito tempo sozinho e não fazer sentido ter aqui a família, pois há anos em que durmo aqui três noites”, especifica o silvarense.

Para este filho de emigrantes (os pais estiveram na França e regressaram a Portugal quando Carlos Nunes tinha 10 anos), vir a Portugal “é quase uma rotina” pois viaja até Silvares mais do que uma vez por ano por forma a estar junto da família nuclear.  “Já nem me preocupo com as malas, viajo de avião”, particulariza o cidadão que “voltaria a emigrar, mas nunca mais deixaria a família para trás”.

“A emigração continua a fazer sentido embora os tempos sejam de maior aperto e dificuldade”. “Antigamente emigrava-se para amealhar e fazer uma casa. Atualmente é mais complicado, é preciso trabalhar o casal para termos uma vida tranquila, antes disso ainda é preciso resistirmos até mantermos um contrato de trabalho definitivo”, explica-nos Carlos Nunes.

Pai de dois filhos adultos e a residirem no concelho do Fundão, Nunes esclarece que atualmente “o que se ganha aqui é só para nos mantermos”. “A Suíça não é o que se ganha é o que se paga”, adverte o cidadão.

E como são as férias de um emigrante, perguntámos. “Este ano por razões de segurança sanitária não iremos, mas habitualmente a família passa uns dias no Algarve. Também nos preparamos para o Inverno, recolhendo lenha”. Carlos, seja bem-vindo à terra encantada!

Dulce Gabriel 

Texto originalmente publicado no Suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf


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