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sexta-feira, junho 01, 2018

Cem Anos e uma Vida Feliz


Apresento-vos a centenária Maria de Lourdes Videira. Nasceu na cidade mais alta, veio para o Fundão ainda bebé e completa no dia 3 de junho 100 anos. Uma centena de anos de uma vida feliz. Contou-me no dia em que me recebeu em sua casa, no centro da cidade do Fundão, para gravarmos a conversa que passará na Rádio Cova da Beira, no programa “Porque Hoje é Domingo” exatamente à mesma hora em que na igreja matriz do Fundão decorrerá a eucaristia que assinalará o centenário de Lurdinhas Paulouro.



“Lurdinhas” pela dedicação que familiares e amigos têm para com a viúva de Armando Paulouro, o militar com que Maria de Lourdes Videira se casou depois de 26 anos de namoro à distância. “O meu marido passou muitos anos nos Açores e umas vezes queria casar, outras nem tanto. Escrevia-me muitas cartas de amor, mais do que eu!”. Descreve Lourdes Videira que embora não tenha adotado o nome da família Paulouro, é conhecida de todos os fundanenses como Lourdes Paulouro.

Na conversa divertida e intimista na sala de estar de um apartamento na rua Vasco da Gama, Lourdes Videira confessa-nos que gostaria de ter sido atriz. “Eu quando via o palco, corria para lá e só me imaginava ali a demonstrar o que eu gostava de fazer. Mas eu tinha uma vida muito presa. Não gostava de deixar os meus pais sozinhos e também não tive grandes oportunidades de estudar”, revela-nos ainda quem abriu no Fundão o primeiro colégio privado para as crianças. No entanto, o mesmo deixou de existir quando chegaram ao Fundão as Irmãs Franciscanas que criaram na Misericórdia um outro colégio que praticava “preços mais baixos” e lhe acabou com o projeto, descreve.

Além da educação infantil baseada na pedagogia de João de Deus Ramos *, Lourdes Paulouro desenvolveu, até aos 70 anos, um percurso profissional em boa parte foi dedicado ao combate à tuberculose. “Quando as Freiras me acabaram com o colégio, havia muitas famílias com tuberculose e Monsenhor Santos Carreto**, convidou-me para trabalhar no Dispensário de Tuberculose”. “Ajudei muitas famílias. Nos anos cinquenta ia às barracas dos ciganos dar injeções e fazer inquéritos para avaliar a evolução do surto da doença nas Minas da Panasqueira e na Covilhã”, explicou quem também exerceu funções de assistente social e reportava “diretamente ao diretor geral de saúde”.

Entusiasmada com as memórias de uma vida sempre “bastante ativa” a minha entrevistada orgulha-se de ter tido “a melhor nota – 16 valores – do seu ano no bacharelato de ação social”. Ao mesmo tempo lamenta não ter podido inscrever-se na licenciatura por “questões económicas”.

É única viva das três filhas do casal Emília Castro e Silva e João Videira. Com o sorriso contagiante que todoa a gente lhe reconhece, Maria de Lourdes conta ainda que o seu pai, “enquanto militar foi o único português que deu um duplo salto numa cerimónia oficial para a Rainha Dona Amélia”.  

O percurso de vida da viúva de Armando Paulouro, que durante vários mandatos foi secretário de sucessivas mesas administrativas da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, cruza-se com a vida moderna da Misericórdia e do Hospital do Fundão onde chegou a trabalhar quando o serviço local de Luta Contra a Tuberculose passou para a alçada do Hospital local.

Uma vida de bem-fazer que cedo começou a desenhar-se pois aos doze anos, “quando ainda estudava num colégio na Guarda, um Missionário que foi visitar-nos perguntou se alguém se voluntariava para o acompanhar em África. Coloquei-me em cima de uma cadeira e ofereci-me para ir, mas era uma criança”, esclarece.

Diante a atenção da sobrinha Ana Emília Junqueiro que assiste à conversa, Maria de Lourdes socorre-se da memória fotográfica das muitas vivências e lugares emblemáticos do seu Fundão: O cinema Gardunha, o colégio de Santo António (onde conheceu o amor da sua vida) ou o Casino Fundanense dos bailes e outros encontros cujas lembranças vivenciadas povoam a conversa que durou mais de duas horas.

Já no final da gravação da entrevista sugeriu que a sobrinha me ofertasse um exemplar da revista satírica “O Mundo Ri” que durante anos foi desenvolvida por Armando Paulouro, José Vilhena e Simões Nunes. A publicação cujo número 103, datado de novembro de 1960, está agora na minha biblioteca custava 4$00 escudos.  



Certamente que a revista que perturbava a PIDE continuará a fazer parte das leituras de quem gosta imenso de ler. Camões está entre os clássicos mas hoje em dia lê  “livros mais leves” – terminou agora a leitura de “Fellini na Praça Velha”, da autoria de seu sobrinho Fernando Paulouro Neves.

O dia de Maria de Lourdes começa de manhã com as rotinas normais de quem gosta de vestir “toaletes que me fiquem e façam sentir bem”. “Vou sempre almoçar fora de casa e todos os dias tomo chá ou café com as minhas amigas. Não gosto de estar em casa”, confirma.

Autónoma e saudável, “só vai ao médico quando é obrigada”, escreve e lê sem precisar de óculos. Não sabe o que são diabetes, colesterol elevado ou tensão arterial irregular e diz-nos que o segredo é “estar sempre bem”.

E ficará ainda melhor quando este domingo presenciar na festa surpresa do centenário de nascimento um punhado de amigos, sobrinhos, sobrinhos netos e alguns bisnetos.

Será um momento inesquecível. Como inesquecível foi o pedaço da tarde de dia 31 de maio de 2018, o dia da gravação de uma conversa que reforça a ideia de bondade, pluralidade e modernidade da senhora Maria de Lourdes Videira.

*João de Deus Ramos era filho do pedagogo e poeta João de Deus e de D. Guilhermina Battaglia Ramos. João de Deus Ramos é  autor, entre outras, das seguintes obras sobre pedagogia: Reforma da Instrução Primária, 1911; A Reforma do Ensino Normal, 1912; O Estado Mestre Escola e a Necessidade das Escolas Primárias Superiores, 1924; A Criança em Portugal antes da Educação Infantil, 1940 – in Wikipédia
** Monsenhor Santos Carreto foi Sacerdote e Reitor do Seminário do Fundão

terça-feira, abril 10, 2018

Caderno de Viagem


Breve apontamento sobre um passeio à geografia de uma parte de Trás-os-Montes. Do Fundão a Bragança vinte anos de depois poderia ser o subtítulo do texto que se segue.

Maria do Céu Tomé tem 90 anos e mora em Marialva. Na manhã solarenga de finais de março, Sexta-feira Santa, Maria abeirou-se dos convivas e logo ali deixou sinais de ser uma boa conversadora. Uma anciã cheia de amor à terra e às lendas daquela Aldeia Histórica de Portugal. Não fosse a necessidade de cumprir horário e o Dia Santo teria sido preenchido a ouvir as suas lendas e tradições à volta de Marialva.




Marialva não é só o belíssimo castelo do século XII. À volta daquele Monumento Nacional assim classificado desde 1978 contam-se histórias de personagens que experienciaram vivências inigualáveis. No interior das muralhas são visíveis edifícios históricos como a antiga Casa da Câmara ou o Pelourinho. Também podemos observar o vale que constitui a Meseta Ibérica e imaginar-nos numa repetida caminhada de descoberta do território.

A redescoberta de Trás-os-Montes foi a motivação para a viagem e a experiência, mais de 20 anos depois de lá ter estado, permitiu-me descobrir que em Pocinho, a caminho de Vila Nova de Foz Côa, além da belíssima vista sobre o rio Douro podemos ter o primeiro contacto com o Centro de Alto Rendimento do Pocinho (CARP). Provavelmente uma infraestrutura concretizada no tempo em que jorravam milhões da Europa que depois eram aplicados em equipamentos sem utilidade.
Pensei.
Mas não! 

O CARP da autoria do arquiteto Álvaro Andrade é propriedade do Município de Vila Nova de Foz Côa e foi inaugurado em 2016. Localizado nos socalcos da paisagem a 500 metros do Douro, o CARP já recebeu estágios de várias seleções internacionais de remo e canoagem e a sua construção junta-se às mais-valias turísticas e de lazer de um território onde as Gravuras Rupestres do Vale do Côa e a beleza do Douro Vinhateiro são ativos de enorme projeção.
Não tirei fotos mas neste sítio o leitor encontra testemunhos e uma lista de prémios atribuídos ao equipamento. http://www.car-pocinho.pt/index.php/testemunhos



A viagem prossegue e já em Vila Flor faz-se uma nova paragem, desta vez para almoçar e conhecer as Tradições Quaresmais da vila localizada no distrito de Bragança. Na terra onde também se fazem bons concertos e espetáculos de teatro, o Centro Cultural Vila Flor sobressai mas é na Igreja Matriz que o coração se emociona pois os altares daquele templo de estilo barroco fazem lembrar a Igreja Matriz de Castelo Novo, Aldeia Histórica de Portugal mas na Beira Baixa.




Deixamos Vila Flor debaixo de uma chuva de neve mas com o estômago aconchegado no restaurante Piripiri. Ali os nacos de febras, o bacalhau e o polvo à lagareiro deixavam antever o que o cardápio nos reservaria para as refeições seguintes.

Estávamos na Rota da Terra Fria Transmontana, Rio de Onor fora um dos destinos seguintes. Mas antes é revelante registar o nome das aldeias de Bragança onde pernoitámos, combatemos o frio e alimentámos a alma. Babe e Gimonde. Dormimos na primeira, almoçámos e jantámos na segunda. Se o conforto do TER- Turismo em Espaço Rural de um antigo juiz lá do burgo é indesmentível também é verdade que as refeições fartas e baratas - mas também pouco diversificadas – enriquecem este Caderno de Viagem.




Aquelas postas, o cordeiro na brasa e o vinho da casa ao qual se juntava um digestivo servido como se fosse um shot ficarão para sempre na memória dos jovens e adolescentes que, esperam os adultos, voltarão à geografia transmontana daqui a uns anos.
Pode ser que daqui a duas décadas, seguindo o exemplo das cotas, providenciem o passeio!

Talvez nesse hipotético regresso, os nossos filhos e sobrinhos encontrem turistas de outras latitudes ou até uma nova geração de transmontanos a falar-lhes de referências do nosso Fundão que vão além da cereja, das cerejeiras em flor ou do resort Alambique de Ouro, de que nos falaram sempre que a malta dizia de onde partira.

A gente fica orgulhosa de ouvir falar bem da nossa terra! Das nossas marcas e da geografia que nos acompanha dentro e fora do sopé da Gardunha.

Vamos e voltamos de peito cheio. E na bagagem trazemos postais e ideias feitas sobre boas iniciativas que os nossos governantes poderiam replicar aqui pela Cova da Beira.

Macedo de Cavaleiros foi o destino de Domingo de Páscoa. Na hora de retemperar energias e redefinir a rota de regresso ao nosso Fundão parámos num acolhedor café e nos “Dez Manos” encaminharam os viajantes para um requintado restaurante que por instantes nos faz acreditar que estaríamos num qualquer estabelecimento de restauração parisiense.




E não estávamos enganados pois “A Brasa” aconchegou o estômago, aqueceu o coração, alumiou o caminho e fez-nos acreditar no sonho. 
O glamour tomou conta do espaço e dos inúmeros comensais que saíram dali felizes e cheios de vontade de voltar para degustar a bochecha confitada com creme de vinho tinto ou uma daquelas sobremesas de autor que merece um brinde final com champanhe da casa e um viva à criatividade gastronómica e simpatia do chef de sala.

A refeição do primeiro dia de abril foi também um momento de reflexão sobre um passeio que muito bem combina com o meu hastag “o interior faz bem”!
Terminava a viagem de três dias a uma parte do Portugal profundo que os decisores políticos abandonam mas que os turistas de todo o lado - estrangeiros também! - admiram e recomendam.
É extremamente enriquecedor observar como as comunidades locais se adaptam à nova realidade e exigências.

Miranda do Douro é um desses lugares de visitação. Povoado por centenas de turistas, Terra de Miranda, que chegou a ser habitada por Romanos,  é uma cidade que no Sábado de Aleluia tinha o comércio tradicional cheio de clientes e onde foi possível conhecer a belíssima Sé Catedral ou a Igreja da Misericórdia.
Todo o casco urbano se assemelha a um gigantesco museu ao ar livre e naquele fim-de-semana decorria uma Feira de Doçaria e Produtos Locais que nos fez ficar com água na boca, dançar e abrir a carteira.




Daquele território que o Município local caracteriza como “Património Natural Cultural” trouxemos postais e vivências que podem inspirar as nossas comunidades beirãs.

É bom quando assim acontece! É bom quando o nosso Caderno de Viagem vai muito além da comparação com o nosso quotidiano.




terça-feira, março 13, 2018

“O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram”

Carlos  Gil está a viver mais um momento importante na sua badalada carreira de estilista. O êxito que caracterizou a sua sexta participação na Semana da Moda Feminina em Milão junta-se ao reconhecimento a que já nos habituou quer pela presença habitual em eventos de moda como o Portugal Fashion e Moda Lisboa quer pelo apreço que as suas coleções vão granjeando em Paris ou no Dubai. 

Um percurso igualmente traduzido em títulos honoríficos e de mérito como a comenda da Ordem Infante D.Henrique que lhe foi conferida em 2015 pela presidência da República ou a Medalha de Mérito Municipal do Fundão que lhe foi entregue pela Câmara Municipal. Realidades e factos que em nada alteram o modo de ser e estar do criador de moda que não se compromete com o futuro mas olha para o horizonte com a mesma garra que caracteriza o percurso iniciado num tempo em que abrir um atelier de moda numa cidade do interior de Portugal era um risco. 

Eis, pois, o perfil de alguém que não convive bem com a fama mas admite ser um “embaixador de Portugal” no exigente e competitivo universo da moda. A partir do seu atelier damos a conhecer a caminhada de quem aproveita as deslocações a Londres, Nova Iorque, Paris ou Milão para momentos de “estudo e introspeção pessoal” com vista a novas coleções e desafios.


Entre a semana da Moda Feminina em Milão que decorreu em fevereiro e o Portugal Fashion que terá lugar no dia 17 de março em Lisboa vai quase um mês mas o estilista fundanense Carlos Gil ainda está a digerir o êxito que a coleção “Twenty four Hours ” alcançou junto da imprensa internacional que acompanhou o desfile que congrega  “o maior número de holofotes” para a moda. "Foi a primeira vez" que as apostas de Carlos Gil tiveram tão expressiva visibilidade nos jornais e revistas de moda estrangeiras confessou ao Jornal do Fundão o designer de quem se fala. “Eu sabia que um dia este reconhecimento haveria de chegar só não sabia quando”, revela-nos o criador que faz dois desfiles por ano em Milão. 

Um sonho que começou a desenhar-se há quatro anos quando se encontrava de férias no Dubai e recebeu um telefonema do então presidente do Portugal Fashion que lhe disse «Carlos não sei onde está mas vai ter de vir para ir a Milão, esta é a sua oportunidade». Passado uma semana estava no Fundão para preparar uma coleção já com foco em Milão. “Planificar uma coleção obriga-me a desnudar de tudo, desde preconceitos a estatutos e propor-me ao que é mais básico: Mostrar o que é bonito, o que toda a gente vai gostar. Mas combinar novidade com elegância e conforto exige um equilíbrio enorme. Nas minhas coleções não há um desequilíbrio provocativo pois eu não procuro o bizarro para provar aos media que existe moda ou que existe a marca Carlos Gil”.

“A marca Carlos Gil destina-se a um target de pessoas que gostam de moda. É feita para mulheres que gostam de ser elegantes e se apresentam na vida com uma postura muito própria. Têm de se sentir confortáveis. Nas minhas coleções gosto de sobrepor e jogar com as cores, gosto muito de contrates”. O preto e vermelho que caracterizam a imagem da marca “dão aquela sensação de bem-estar mal estando, porque o preto dá-nos conforto e dá-nos paz e o vermelho acrescenta-lhe imenso vigor e energia positiva”, descreve o estilista.

Carlos Gil recebeu-nos no seu atelier na avenida da liberdade no Fundão no último sábado. No laboratório de moda do senhor comendador o ambiente é primaveril. Na loja são visíveis os modelos da próxima estação e além disso o jardim interior transporta - nos para a magia floral e verdejantes dos dias que aí vêm.
Logo depois do Portugal Fashion em Lisboa, Carlos Gil cumprirá um dos objetivos da sua carreira de 19 anos de estilista. Em parceria com a arquiteta Inês Gavinho abrirá, dentro de semanas, a primeira loja em nome próprio.Trata-se de um conceito que junta moda e arquitetura pois eu sou um apaixonado por arquitetura de exteriores e interiores. Quando me propõem essa parceria com a arquiteta Inês Gavinho que irá trabalhar com várias outras marcas como a «Boca do Lobo» que tem um estatuto internacional no designe de mobiliário só pode ser um desafio imenso”, sintetiza.

A conversa flui e a forma como Carlos Gil recebe a reportagem do JF faz desta edição de "Um Café com," uma partilha de particularidades do nosso interlocutor. Poucos saberão da devoção de Carlos Gil a Nossa Senhora. “Não sou pessoa de ir à missa com frequência mas sou bastante crente e não entro no atelier sem dar um beijo a Nossa Senhora como não entro em casa sem dar um beijo ao meu Menino Jesus”, diz quem tem a imagem da Virgem Mãe à vista de todos os que visitem o seu atelier. No mesmo espaço cheio de luz e com janela para a serra da Gardunha também está a Medalha de Prata de Mérito Municipal. Carlos Gil tem muito orgulho no seu Fundão, cidade que lhe “dá imensa paz de espírito”. 

Embora tenha nascido em Moçambique há quase 50 anos, Carlos Gil não renega a sua geografia de afetos e a paisagem, onde não consegue passar despercebido, é o lugar que o inspira e onde tem as amarras para continuar a dar passos ponderadamente seguros. "Quando há 30 anos disse à família que queria tirar um curso de moda foi de uma coragem muito grande. Um individuo do interior ser reconhecido pelas grandes revistas estrangeiras da especialidade é uma grande coragem. Não é para todos e se pessoas anónimas um dia se inspirarem em mim isso deixar-me á satisfeito”, verbaliza.

Carlos Gil é um perfeccionista e orgulha-se de utilizar sempre matéria-prima de primeira qualidade. "Valorizo imenso o pormenor, o interior de cada peça pois o que está em causa é o nome Carlos Gil". Por outro lado a responsabilidade de representar o seu país não pode defraudar as entidades que confiaram no meu trabalho. "E óbvio que quando sou convidado para fazer um desfile na Polónia, no Dubai ou em Paris não é só o meu nome que está em jogo mas sim o meu país", vinca. Um modo de ser e estar que também é válido para as suas clientes. “Não costumo impor-me mas de forma simples e educada eu explico a uma cliente que se vai de lantejoulas às nove da manhã como é vai a uma festa à noite de calças de ganga! Para cada situação há um compromisso de rigor para que essa pessoa se apresente bem vestida”, explica-nos quem facilmente consegue criar empatia com as suas clientes. “Procuro sempre o melhor modelo para que se sintam inteiras em qualquer circunstância”. 

Um modo de argumentação que encaixa na perfeição na coleção outono inverno 2018/2019 cujas coordenadas se adaptam a quaisquer momentos da mulher mãe e dona de casa ou da mulher executiva e poderosa.  Um “trabalho coletivo” vinca o estilista que se emociona quando fala da dedicação e empenho dos seus colaboradores. Carlos Gil acompanha de forma minuciosa a confeção de todas as peças que saem do atelier. “Nada se faz sem os meus olhos”, acrescenta o empresário que tem na esposa Carla Neto a retaguarda que o projeto de criação, conceção e comercialização exigem. À equipa de sete pessoas que trabalham no Fundão juntam-se mais seis pessoas que a partir de Milão e de Lisboa cuidam da exportação e comunicação da marca.

À mesa do café que gentilmente nos serviu, vem à baila o despovoamento do interior e a tenacidade de quem alavanca uma marca a partir do Fundão. “O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram de forma eloquente” acusa. "Enquanto não tivermos um governo que olhe para a região, que foi altamente prejudicada ao longo de dezenas de anos, permitindo que uma franja populacional de pessoas de valor se mantenha onde tudo é mais difícil, continuaremos a ser poucos”, afirma quem chega a pagar “mil euros de portagem por mês”, dada a necessidade de desenvolver a sua atividade entre o Fundão e Lisboa.

Texto originalmente escrito e publicado na edição de 8 de março de 2018 do Jornal do Fundão


terça-feira, fevereiro 20, 2018

Pela Gardunha



Já foi há uns dias mas vale sempre a pena dar expressão pública às ocorrencias que nos marcam e contribuem para a valorização de uma causa.
E desta vez a causa foi o pulmão maior do Fundão. Recolher fundos para reflorestar a serra da Gardunha que foi devastada pelos incêndios do Verão passado.

A causa era nobre e por essa razão, mas também pelo amor partilhado à Gardunha, não foi difícil reunir um bom leque de músicos e promover um concerto que também foi um grito de alerta em defesa da serra da Gardunha.
António Manuel Ribeiro, líder dos UHF, apelou "salvemos em consciencia aquilo que é nosso"!

E assim o fizeram as mais de 700 pessoas que naquela noite de Dia de Carnaval se juntaram na cidade do Fundão para juntar a voz à dos artistas que estiveram em palco.
Além dos lendários UHF, estiveram no concerto solidário pela Gardunha os artistas Paulo Ribeiro, Celina da Piedade, Vicente Palma, Anafaia, Grupo de Cantares do Agrupamento de Escolas do Fundão e sessenta jovens estudantes de música na Academia de Música e Dança do Fundão e Escola Profissional de Artes da Beira Interior.

Um momento de união em torno de uma janela do território que começou a desenhar-se há alguns meses pois na noite em que o fogo chegou ao concelho do Fundão, alguns desses músicos estavam, exactamente, no Fundão a dar um concerto.
Nessa noite de agosto de 2017, Vicente Palma, Paulo Ribeiro e Celina da Piedade integravam o coletivo Tais Quais e observaram como a cinza que caia sobre os espectadores que os ouviam significava que mais um atentado contra a natureza estava a acontecer ali perto.


terça-feira, janeiro 02, 2018

"Rio sem Margem"

Um texto de Beatriz Nunes, vocalista dos Madredeus, torna belíssima esta interpretação da Orquestra Municipal do Fundão.

O tema incluído no alinhamento do concerto de final de ano da Orquestra Municipal do Fundão embala-nos e faz-nos sorrir para a vida.

Sob a batuta de João Roxo e com a mestria de Gil Gonçalves que de forma mágica toca a sua tuba com classe, a Orquestra Municipal do Fundão é apenas uma amostra da riqueza musical de uma pequena e localizada no interior de Portugal.

É o Fundão a dar cartas à vizinhança e a embalar-nos numa linguagem harmoniosa e cheia de boas energias para o Ano Novo de 2018.

Que seja um ano de ouro para todos!





quarta-feira, dezembro 13, 2017

A Cantata de Natal da Academia de Música do Fundão

Chegou a época natalícia e com ela os habituais concertos de Natal promovidos pela escola de ensino artístico da Santa Casa da Misericórdia do Fundão. 

Este dia as obrigações profissionais levaram-me a um desses momentos ricos de criação e execução musicais. Fi-lo com o sentido prazeroso do costume e o momento fez-me sentir mais leve e cheia de vontade de, este ano, celebrar o Natal.

A razão vai muito além do concerto. Mas não posso deixar de explicar ao leitor o quão aquelas palavras do narrador cativaram o ser fazendo-me sentir num verdadeiro ambiente de Natal.

Um sentimento, estou certa, comum às muitas pessoas que naquela noite de invernia, caracterizada por ventos ciclónicos e chuva abundante, sairam do conforto do lar e terão aquecido os corações num exemplar momento cultural e de intensa introspeção. 

No palco improvisado da igreja matriz do Fundão estavam várias dezenas de crianças de muitas idades que cantavam de forma harmoniosa e transmitiam um sentimento de invulgar amor ao Natal.

A explicação poderá estar no conteúdo da peça que aqui partilho e que muito nos fala das tradições do Natal na região da Beira Baixa. 

A Cantata de Natal da autoria de José Manuel Nunes é uma viagem imensa às tradições em louvor do Menino Jesus, da Missa do Galo e da romaria de gente à volta do Madeiro.

Realidades tão bem documentadas na Etnografia da Beira de Jaime Lopes Dias e que, em certa medida, estão na Cantata que aqui partilho.

E embora as condições técnicas do vídeo não sejam as melhores - pois não se ouvem bem as vozes do narrador, do anjo e dos Reis Magos - vale a pena escutar esta gravação. A obra em apreço engrandece o percurso da Academia de Música e Dança do Fundão onde, felizmente, a cidade do Fundão tem um dos seus melhores ativos culturais.

Fiquem com o vídeo e embrenhem-se no espírito natalício.






quarta-feira, agosto 23, 2017

Hip-Hop no TeatroAgosto

“Antecipar o futuro” é o título de um álbum de canções de Hip-Hop interpretadas por Cevas. Cativou a minha atenção numa das noites da edição XIII do Festival Internacional de Teatro ao Ar Livre que decorre no Fundão até dia 27 de agosto.

Ir ao TeatroAgosto no mês em que a oferta cultural parece mais vocacionada para festas e romarias é uma bênção para quem continua a acreditar que no Interior de Portugal há movida e há quem faça acontecer.



O Festival de Teatro do Fundão é organizado pela ESTE- Estação Teatral. Uma companhia profissional de teatro radicada no Fundão que, a muito custo e movida a balões de oxigénio, consegue promover iniciativas culturais diferenciadoras que também acrescentam notoriedade ao Fundão.

Desde sempre a surpreender direcionando os espetadores e seguidores para o teatro que mergulha na identidade de um território mas também trabalha obras de grandes dramaturgos, a ESTE presenteia-nos a cada Verão com um cartaz cultural que orgulha uma comunidade inteira.

Desta vez o TeatroAgosto volta a brindar-nos com música e já esta noite (23 de agosto) há um Café Concerto - que é solidário pois as entradas revertem a favor da campanha de reflorestação da serra da Gardunha- em que atua “Anita do Brasil”. Ouviremos, então bossa nova, samba e a guitarra carioca interpretada por Miguelão. Antes disso teremos oportunidade de assistir à mais recente produção da ESTE. "Há Beira na revolta" é um espectáculo que reúne quatro histórias de força  e resiliência beirã: A tomada do Carvalhal, A história do Zé de Manteigas, A Rua dos Alves e As Cebolas de Napoleão.Cá está um exemplo de como a recolha e trabalho de laboratório da Estação Teatral nos ajuda a compreender o território!

Não faltam, pois, motivos para estar em mais um serão na Moagem-cidade do engenho e das artes.

Ali, voltando ao princípio deste texto, descobri a paixão e arte do jovem natural do Alcaide “Cevas” que através das letras das suas canções acrescentou criatividade e uma energia vibrante ao Festival de Teatro do Fundão. Antecipando o futuro, Cevas encantou-nos com a nostalgia de um amanhã relacionado com a memória coletiva de um território marcadamente rural e cuja geografia é inspiração para as letras do jovem rapper nascido na década de oitenta.

O Jovem Simple Sample Digger como se identifica nas redes sociais tem a freguesia do Alcaide no coração. Das suas letras brotam palavras de saudosismo quanto à movida na aldeia e convívios citadinos em lugares emblemáticos do seu Fundão. A cidade onde estudou, cresceu e se fez homem e à qual regressou para uma noite de ritmos que entusiasmaram a plateia constituída por fiéis seguidores do percurso do músico que já editou dezenas de álbuns e trabalhou com inúmeros dj´s de Portugal e do estrangeiro.

No TeatroAgosto fez-se acompanhar do Dj Fatinch e na voz fez duos com Uno. Cevas está ligado ao movimento Hip Hop no Fundão e o seu trabalho parece estar a dar frutos. Basta ouvir atentamente um dos mais conhecidos temas do rapaz que foge aos padrões comerciais e coloca em cada letra o seu mais apurado sentido critico denotando a irreverência própria dos criativos. 


e a letra



Observei mais do que falei, fui observador, 
Olhei no ínfimo dos outros, tornei me comunicador, 
Saltei a cerca dos limites sem ser anarquista, '
A vista vês me com ideais universalista. 

Dei mais ouvidos a quem precisou de uma pista certa, 
Aperta a mão que eu te ajudo a ficar alerta, 
Acerta o ritmo de uma vida que dói e infecta, 
E se intersecta em humildade que aceita a recta. 

A identidade que encontrei também te inspira, 
Na mira sou o que sei bem sem ser um akira, 
Prefira eu viver em paz com o que te transpira, 
Na ira estás sem soluções que mingua ou mirra. 

E tudo é grande ou pequeno consoante a estala, 
Dentro da escala a dimensão só ilude a fala, 
Ninguém agrada a toda a gente pela falta de tempo, 
Além do ser mais resiliente existe o consentimento. 

Mantenho o circulo em aberto para a tua entrada, 
Permito noções de unidade de forma ilimitada, 
Onde o limite se estabelece se o que percebeste foi nada, 
O entendimento está para quem sente a mesma bojarda. 

E os que se juntam ao movimento buscam pertencer, 
A uma atitude implacável sem razão de ser, 
Só por valer, prevalecer...
Nem sei se tas a entender....

segunda-feira, agosto 14, 2017

Um concerto com memória

O contador de histórias, Jorge Serafim foi o anfitrião do espetáculo que o coletivo “Tais Quais” apresentou no largo do Calvário na cidade do Fundão numa das mais concorridas noites do Festival Cale&SangriAgosto.

Conhecedor da região onde regressa com alguma frequência para o TeatroAgosto - festival internacional de teatro ao ar livre, Jorge Serafim cativou a plateia com as suas histórias e humor que, de tanto nos fazerem rir, provocam dores no maxilar.

Serafim foi uma espécie de narrador da viagem pela música tradicional alentejana dando entrada aos temas. Cada um mais fantástico que o outro!

Parecia uma noite de canções ao desafio pois os milhares de espectadores deixaram-se envolver no alinhamento do espetáculo que além de Jorge Serafim reuniu no mesmo palco João Gil, Vitorino, Tim, Paulo Ribeiro, Sebastião Santos e Celina Piedade mais Vicente Palma que, a meu ver, fizeram a diferença pela mestria que os caracteriza no toque do acordeão e do piano, respetivamente.

Desconheço se Vicente veio para substituir Jorge Palma que aparecia na formação inicial dos “Tais Quais” mas tenho a certeza que o público que o viu no Teatro Clube de Alpedrinha em dezembro de 2016 confirmou ontem no Fundão o adágio popular que diz “filho de peixe sabe nadar”.
Ao talento de Vicente Palma e Celina Piedade junte-se o não menos performativo e inspirador Sebastião Santos. Na voz e na bateria, o filho de Tim também fez a diferença.
A interpretação do tema “Algibeira” do disco de estreia da banda fez a diferença num espetáculo de matriz alentejana que nos permitiu ver e ouvir Tim dedilhar a viola campaniça ou Paulo Ribeiro interpretar, em modo cante, o tema “circo de Feras” dos Xutos e Pontapés.

Foi uma noite de forte empatia entre músicos e público de todas as idades, com expoente máximo na interpretação de lendários temas de Vitorino como “Menina estás à Janela”. O projeto “Rio Grande” também foi revisitado na interpretação de “Postal dos Correios”.

A atuação dos “Tais Quais” no Fundão ficará na memória dos espetadores como um dos mais divertidos e concorridos concertos de um passado recente. Daqui a uns anos ouvir-se-á falar da noite em que o covilhanense João Gil partilhou, a partir do palco instalado nas proximidades da antiga Casa do Bico (Estalagem da Neve), com a plateia a memória de conversas antigas partilhadas à mesa do convívio com dois homens cuja memória valoriza o passado de história, vivência e comunhão de vontades de António Paulouro e António Morão.


Um e outro já não estão entre nós. Mas os que lhe foram próximos, e seus admiradores seguidores, haverão de estar contentes por saber que nesta geografia, às vezes esquecida e tão pródiga a desvalorizar os nossos, ainda há quem se lembre das vozes discordantes e portadoras de um assertivo ideal de liberdade de pensamento. 

#Foto de Miguel Proença 

quarta-feira, agosto 09, 2017

Subir à Estrela num dia de Verão

O calor de uma quinta-feira de agosto convoca quem está de férias a refrescar-se nas paradisíacas praias fluviais da Beira Interior, a ficar na piscina lá do burgo ou na do hotel mais próximo. Naquele 3 de agosto o desafio imposto pela curiosidade passou por subir ao alto da Torre em plena serra da Estrela.
Às nove da matina em ponto a “tropa” saiu de casa entrou no carro da condutora insegura mas audaz e fez-se ao caminho. 
Ainda na cidade do Fundão deu-se conta da forte presença de emigrantes que por estas semanas acrescentam movimento e valor à cidade e economia local.
Embora muitos comerciantes digam que os emigrantes que passam o ano na Europa já não vêm tão abonados como antigamente e também já não deixem na banca portuguesa as divisas de outrora, a verdade é que numa cidade de pequena dimensão como o Fundão a presença dos emigrantes faz toda a diferença.
Não sabemos se vêm os tais cerca de 25 mil de que falava há uns dias o autarca local, quando aludia à forte componente de emigração que caracteriza o concelho do Fundão, mas sabemos que o pico do Verão coincide com mais gente, por exemplo, no mercado da segunda-feira.
E este é, pois, um tempo em que as nossas aldeias e vilas reganham vida e até atingem um certo patamar cosmopolita. É também essa realidade que o viajante encontra quando, como comecei por contar, se propõe subir à Estrela num dia de Verão.
Se nas Penhas da Saúde o café, momento de caminhada e reencontro com a memória foi quase solitário, dada a ausência de pessoas nas imediações do hotel "Serra da Estrela" ou do Clube Nacional de Montanhismo, mais acima começamos a cruzar-nos com carros de matrícula estrangeira.
Primeiro os espanhóis. Sim, o país vizinho continua a gostar do nosso sol e mar mas também se interessa pela montanha. Foi isso que constamos no belíssimo e requintado “Soadro do Zêzere” em Valhelhas onde almoçamos principescamente e por um preço razoável.
Mas a Estrela também é ponto de encontro de emigrantes. Sobretudo os franceses e suíços. Lá os encontramos no alto da serra da serra da Estrela! 
Ora para a foto de família e recordações de outras visitas ora para o reencontro com os produtos tracionais da região.
Alias quem entra no Centro Comercial da Torre é rapidamente convocado a provar a deliciosa regueifa, o tradicional queijo da serra ou os paios, presuntos e lombos embalados em vácuo.
Nesta altura do ano o movimento de turistas na Estrela cai para menos de metade. Ainda não existem programas nem atrativos para a serra fora do tempo da neve e talvez isso explique o decréscimo de turistas no cartaz chapéu do turismo na região.

Nada que desanime quem tem no Centro Comercial da Torre a rotina de uma vida inteira. Mas nem só de produtos típicos se faz a oferta comercial. Hoje em dia é bastante comum encontrar utilidades como atoalhados e panos com dizeres alusivos a serra. Foram esses recuerdos que muitos espanhóis terão levado para pais de origem. Souvenirs que muito ajudam a manter o mercado da saudade. Mas também há os "borregos" que no Inverno aquecem os pés, os casacos ou samarras e ainda os gorros que podem ter dizeres alusivos à serra ou ao clube de futebol de maior expressão dentro e fora de Portugal. É no mercado da saudade que muitas vezes se cruzam portugueses oriundos de várias paragens e que no Verão regressam sempre às origens. 
Observam então a geografia de berço, renovam abraços e estimulam os afetos "adormecidos" no Verão transacto. É também nesta altura do ano que muitos dos nossos regressam aos locais paradisíacos dos territórios para retemperar energias e embebedar-se na beleza das paisagens verdejantes e na frescura das águas límpidas do rio ou da ribeira mais próxima.
Naquela manhã de agosto o viajante fez-se ao Covão d`Ametade e foi com um sentimento de indignação que se deu conta do abandono a que está votado um lugar que tantas vezes escolheu para convívios e lazer pois sempre o encontrou limpo e verdejante. 

E permanece verde. Mas não está limpo e os equipamentos votados ao abandono estão destruídos, danificados, sujos. Irreconhecíveis! Será este um retrato apenas do vandalismo ou as mazelas resultam da falta de vigilância e do desapego dos senhores do Parque Natural da Serra da Estrela? Pensar que o Covão d`Ametade foi classificado como Local de Interesse Geológico! Mas alguém se interessa?

Fica o recado para quem o quiser interiorizar. E o mesmo é válido para os gestores do Centro Interpretativo da Serra da Estrela localizado no alto da Torre e permanentemente fechado.
Aberto estava, em Valhelas, o restaurante "Soadro do Zêzere" onde o proprietário nos recebeu com uma educação e elegância pouco regulares na receptividade a quem visita o coração da Estrela.



Valeu a pena "cair da cama" e fazer de um dia de Verão um passeio pelos trilhos da serra onde desta vez não houve disposição e força anímica para subir ao Cântaro Magro ou fazer escalada na Parede dos Fantasmas.
Também não me cruzei com o pastor que há cerca de vinte anos me contou todos os segredos associados ao pastoreio de cabras e ovelhas. 
Talvez o tivesse encontrado se o tivesse procurado nas imediações da casa da ASE- Amigos da Serra da Estrela onde outrora descobri sons e "tarântulas" e me aqueci à lareira da casa abrigo.  

Talvez....
Talvez a proteção e vigilância da floresta tivessem ajudado a prevenir os incêndios que há alguns anos devastaram o Vale Glaciar do Zêzere. 
Será o leitor capaz de imaginar a melancolia que nos invade a alma quando num regresso a Manteigas nos apercebemos da erosão dos solos e da destruição da riqueza da serra? 
Fica a pergunta. 

sexta-feira, março 24, 2017

Uma Ode à Casa do Barro

Bom Dia!
Não Basta Olhar.
É preciso falar!
As palavras ditas por uma septuagenária quebraram o longo silêncio no curto passeio do final da manhã primaveril no Telhado.
A viagem concretizada por via de uma visita de estudo à Casa do Barro tinha permitido perceber que nesta como noutras aldeias da Beira a vida faz-se devagar e na calmaria do calendário que à hora certa leva as pessoas para as empresas longe da terra do barro ou do berço do poeta Albano Martins.
Num povoado com cerca de 600 habitantes o ofício outrora dedicado à olaria é agora preenchido noutras paragens e geografias porventura menos poéticas.
Enquanto muitos saem de manhã para voltar ao por do sol preenchendo a jornada em busca do ganha pão na terra do barro, onde a linguagem poética vai além da "Torre das Palavras", permanecem os residentes com mais idade.
Uma espécie de Sol Nascente que transporta o transeunte para a esperança que olhar alcança no verde esperança que caracteriza os campos verdejantes e a perder de vista.
Enquanto o relógio avança e a senhora Maria arruma a casa e coloca a roupa da cama à janela, há um punhado de crianças de tenra idade que invade a pacata aldeia e semeia a alegria de viver. As ruas silenciosas que nos anos trinta do século XX foram calcorreadas pelo poeta das paisagens voltam a ter vida mesmo quando as crianças da escola primária, que resiste à desertificação humana, estão naquele instante em horário lectivo.

São dezenas de miúdos (as) acabados de chegar do Fundão que é cidade das cerejas e foi berço de outros poetas e homens que semearam as palavras que desde sempre inscreveram a terra de José da Cunha Taborda ou de José Alves Monteiro na paisagem literária e instruída da Cova da Beira.
É então que apetece comparar a energia contagiante da miudagem ao desabrochar das flores.
A correr e saltar, cheios de curiosidade vão ao encontro do barro e dos ofícios que há muitos anos foram sustento maior para as gentes do Telhado. Ali descobrem a importância da olaria numa casa temática que os ajuda a compreender a metodologia de trabalho, as peças e a roda do oleiro que chega a entusiasmar a educadora Amélia Nunes.
Portadora de um vasto leque de conhecimentos relacionados com oralidade, etnografia e tradições Amélia Nunes é como peixe dentro de água. Embora teime em recusar a publicação de tanta sabedoria popular é nela que as crianças de 4 e 5 anos se focam para, através dos sentidos, se apaixonarem pelas rotinas da olaria.
Amélia parece uma profissional de turismo e explica ao Rodrigo, ao Gonçalo ou à Maria o bê à bá da olaria e das utilidades criadas pelo labor dos oleiros cuja criatividade e sentido empreendedor transformou o barro em tigelas, potes, cântaros, gamelas e tachos ou até nas coelheiras.
Imagine o leitor a cara de estupefação da criançada quando ouviram Amélia contar-lhes que naquela peça poderiam habitar coelhinhos.

E depois vieram os Rostos da Memória, memorial dedicado aos muitos oleiros cujo labor de uma vida de dedicação permitiu gerar riqueza e o património imaterial às vezes plasmado nos livros e na linguagem poética que vai muito além do percurso literário de Albano Martins e que também convoca o visitante do Telhado a conhecer essa valiosa "Torre das Palavras" que é contígua à Casa do Barro onde as crianças do Fundão meteram as mãos no barro.
E diz o poeta :
"De barro somos, dizem os oráculos, solicitas vozes do crepúsculo ou das manhãs solenes, rituais (...)"

terça-feira, agosto 09, 2016

ESTE – A Companhia que não vai de férias

Já perdi a conta ao número de edições do Teatro_Agosto - Festival Internacional de Teatro ao Ar Livre que se realiza no Fundão no mês em que o país para e toda a gente se abeira da frescura do mar.

Quando nasceu, o Teatro_Agosto,  foi encarado pelos mais céticos como uma aposta cultural a prazo. Mesmo no meio cultural poucos acreditavam que a qualidade dos espetáculos de teatro, música e as master classes fossem suficientemente atraentes para afirmar a programação milimetricamente pensada pela ESTE- Estação Teatral.

Enganaram-se! 

O Teatro_Agosto está aí para continuar a afirmar o Fundão como cidade de pequena dimensão mas cheia de pujança em oferta cultural.

Uma noite destas, numa daquelas conversas para socializar e atualizar a informação que não entra na rotina das partilhas, foi encantador observar o brilhozinho no olhar do Alexandre Barata - a par do Nuno Pino Custódio, é alma da ESTE - quando partilhava, orgulhoso, o programa do Festival que se inicia no dia 19 de agosto.

De facto a companhia de teatro que resiste à falta de uma sede social e se adapta a novos constrangimentos só pode orgulhar-se do percurso. Não estarei enganada se sublinhar os mais de dez anos de um percurso artístico que centrou o Fundão no mapa da oferta de teatro e deu a esta cidade um lugar cimeiro na programação cultural de Verão.

Enquanto o país se reúne a sul e se envolve no turismo de massas, nós por cá acolhemos um senhor Festival.


E a programação promete! 

22 espetáculos de música, teatro, ilusionismo, cinema e animação de rua. 
A animação pelas ruas da cidade irá, aliás, enriquecer um outro evento cultural (O Cale) que arranca já nos próximos dias. 

Na componente cinematográfica o Teatro_ Agosto permitirá observar várias curtas-metragens produzidas e realizadas por estudantes de cinema da Universidade da Beira Interior.  

A apresentação (dia 25 de agosto) da peça “Bamba Vamba Wamba”, que a ESTE estreou recentemente, será um dos momentos do Festival que volta a trazer ao Fundão o consagrado ator internacional Leo Bassi. 
Além de apresentar (dia 28 de agosto) “the best of Bassi”, Leo Bassi será responsável pela realização de uma master classe “que está esgotada desde a primeira hora”, dizia-me Alexandre Barata. 

Atenção redobrada merecerá, estou segura, a apresentação (dia 21 de agosto) de “Lullaby”  por Cão à Chuva com Rui Paixão que fará parte do elenco da nova vaga de representações do afamado Cirque du Soleil. 
Ao todo serão dez dias de espetáculos cujo epicentro será a Moagem-Cidade do Engenho e das Artes no Fundão mas com extensões no Alcaide e Silvares (Fundão) e em Castelo Branco. Consulte a programação http://esteteatro.com/page/teatroagosto-2016


Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...