No outro dia fomos visitar o João. Não nos víamos há algum tempo e
com o avanço da idade dos Martins ganhamos consciência de que temos de estar
mais presentes.
Há um tempo em que a magia dos afetos nos convoca a conhecer pessoas.
Muitas Pessoas!
Convencemo-nos que temos muitos amigos e gerimos as nossas rotinas em função do convívio e partilha com esses tantos e muitos amigos.
Muitas Pessoas!
Convencemo-nos que temos muitos amigos e gerimos as nossas rotinas em função do convívio e partilha com esses tantos e muitos amigos.
Mas a vida muda, tornamo-nos mais maduros, perdemos
alguma paciência e tornamo-nos mais seletivos. Às vezes selecionamos tanto que
nos tornamos seres egoístas e pouco disponíveis para o outro.
Em boa verdade essa realidade e tendência a mantermo-nos na zona
de conforto também resulta das desilusões e de observarmos a forma desapegada
que caracteriza a relação entre pares. É como se estivéssemos dentro de quatro
linhas e cada passo fosse uma espécie de jogada na defensiva! E essa autoproteção
resulta, quase sempre, no início de um processo de isolamento que cria uma
certa exclusão entre pares.
Mas não é o desalento quanto à natureza e afetuosidade das
relações que aqui pretendo escrever.
Afinal o mote para esta narrativa foi a visita ao João
Martins.
O João completou 90 Primaveras e era dos melhores e mais
desinteressados amigos do meu Pai. Viu-me crescer, era visita regular a
nossa casa na serra da Gardunha. Acompanhou o meu crescimento e conhecia o João
Gabriel desde sempre. Todos os anos voltava à Gardunha e fazia-se acompanhar de
um punhado de amigos. Durante um tempo o casal Martins e esses outros amigos
passaram a ser nossos amigos também. Aquelas pessoas finas, bem-postas e muito
educadas - como de forma simplista a minha saudosa mãe caracteriza os Martins e
seus amigos - chegaram a acampar nas imediações da Casa Florestal de Castelo
Novo!
Naqueles anos ainda não havia o conceito de Turismo na Natureza e
a Gardunha também não dispunha de um Glamping Natura. Mas os Martins que deixavam
a geografia do mar aviavam-se em terra para, comodamente, se instalarem na
serra. Esse jardim natural cujo foco de maior beleza eram os cedros sob os
quais existiam as mesas hexagonal e retangular com bancos de granito à volta e
que a cada dia de Verão eram bastante procurados pelos turistas!
Mas voltando ao João Martins. Esse Amigo que me viu crescer e
acompanhou o avanço da idade de meu pai, a perda de minha mãe, a minha ida para
a escola, o primeiro emprego e o jornalismo. O casamento e o nascimento de meus
filhos….
O João é hoje o mesmo homem charmoso e inteligente, brincalhão e
amigo do coração, mas está perder energia.
Há dias, nessa tal visita improvisada, que nasceu de
um forte aperto no meu coração, encontrei-o menos alegre, para não escrever triste.
Encontrei-o acabrunhado e desiludido com as consequências do avanço da idade.
Em boa verdade o João cabisbaixo que eu visitei este
novembro é também um homem desiludido com a vida e com os amigos que ainda
estão nesta vida. O João que há muitos anos visitava a Beira Baixa uma a duas
vezes por ano para levar cerejas do Fundão, azeites, queijo, azeitonas e
enchidos da Beira deixou de vir amiúde. Passou a vir mais espaçadamente. E
ultimamente já nem vem!
Deixou de conduzir. Entregou-se á dependência! E embora continue a
caminhar pela cidade de Lisboa, o homem que adora mar e peixe fresco de Setúbal
há muito que se desfez da casa localizada mais perto desse horizonte de
memórias povoadas da imensidão do mar que é como quem diz da plenitude da
amizade e dessa grandiosidade, às vezes finita, dos afetos.
E é diante tamanha circunstância que o João e outros como ele se
dão conta de como a amizade é afinal algo que pode ter os dias contados. E
quando assim acontece, seja por via da finitude do Ser seja por outras razões
que a realidade ainda não partilhou connosco, sentimo-nos mais sós. Foi essa
realidade que pude observar na tranquila e melancólica manhã de Outono quando a
cara-metade do João, de lágrima nos olhos, me segredava: Estamos sós. Cada vez
mais só.
Aquele instante caiu-me no coração como flecha que deixa marca e domina-me
o pensamento. Faz-me pensar noutros passos, pessoas e circunstâncias que de
igual forma me magoam e fazem pensar nas muitas pessoas que ao longo de uma
parte da vida se cruzaram comigo e subitamente perderam o meu contacto telefónico.
Preocupa-me este modo de ser e estar e na busca incessante por uma
explicação que atenue a minha dúvida lembro um poema de Vinícius de Morais sobre
a Amizade que evoca a singularidade do Ser.
Esse bicho, tantas vezes incompreendido!
E diz assim:
(…) Um Bicho igual a mim
Simples e humano
Sabendo-se mover
E comover
E a disfarçar com o meu (seu) próprio engano.
Seja como for o importante é constatarmos que ao longo da caminhada
nos fomos cruzando com outros bichos, às vezes ingénuos, capazes de acreditar
que o verbo pode dar lugar ao gesto.
Querido João e Mariette, nós - os Gabriel de Matos - estamos sempre
aqui para continuar a mimar-vos com um sorriso franco e farto ou com as couves
da Tapada do Caldudo que desta vez ficaram no Fundão.
“Foi pena que assim tenha
acontecido, pois quando te vi entrar logo pensei em cozinhar as couves do
Fundão”, disse o João que gosta de enviar flores e postais, ainda escreve
cartas e muitas vezes brinda a minha Leonor com o desenho, postal ou fotografia
de um golfinho.
Sim o João adora fotografia e ao longo da vida tirou-me muitas das fotografias que hoje enriquecem o baú da memória.
Obrigada João!
Sim o João adora fotografia e ao longo da vida tirou-me muitas das fotografias que hoje enriquecem o baú da memória.
Obrigada João!