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quarta-feira, setembro 04, 2019

À Catarina e às pessoas que me fazem bem


A Catarina faz anos. Nunca me tinha dado conta que uma das minhas amigas do coração nasceu um dia antes do meu filho João. Ou talvez já me tenha ocorrido mas o pensamento terá sido tão breve que não me fixei na curiosidade do calendário. Hoje fiquei a pensar em como duas pessoas que me são tão próximas nasceram em anos diferentes mas apenas com um dia de intervalo.

A Ana Catarina não é uma amiga de infância e nem temos muitas vivências em comum. Direi que temos mais amig@s em comum que experiências em conjunto. Mas as que temos são fartas. Generosas!

No outro dia jantámos e fiquei com a sensação de que ainda tínhamos tanto para conversar! Sabem aquelas pessoas de que gostamos profundamente mas vemos poucas vezes ? Quando se juntam, conversam sem rede, riem muito, fazem planos. E no fim do encontro têm vontade de puxar as orelhas ao relógio.

Não tenho presente o ano, muito menos o dia, em que nos conhecemos. Sei que a amizade com uma amiga comum nos juntou. E também sei, sinto, que conheço a Catarina desde sempre.

São tantos os pontos comuns! Os sonhos, a visão poética do mundo, as boas energias. Fundamentalmente, a generosidade em observar sem julgar. A entrega sem estarmos à espera de nada em troca.

Há muitos anos, num aniversário meu, numa noite gelada de janeiro estivémos juntas num bar do Fundão para celebrar a vida. A ideia partiu da Marta que nos juntou à mesa das conversas e fez desse serão um momento imensamente poderoso. Nesse dia, a Catarina brindou-me com um adereço de moda que ainda hoje me acompanha. Guardo-o com imenso carinho e sentido de gratidão.

De todas as vezes que o coloco lembro-me sempre dessa noite. Lembro sempre os olhos azuis e o sorriso contagiante da Ana Catarina. O colar com uma gaiola e um passarinho é um símbolo de liberdade. É uma ode à criatividade e às energias boas. Àquel@s que nos ajudam a voar.

Desses tempos longínquos guardo ainda o desafio de participar num livro solidário de poesia. Escrever um poema para uma obra cujas receitas reverteriam a favor da Entrelaços entusiasmou-me. Não tanto pela possibilidade de as minhas palavras passarem a estar reunidas num livro onde outros poetas de verdade iriam partilhar os seus dotes literários. Mas por ser um desafio da Ana Catarina Pereira. Inicialmente receie não estar à altura da exigência. Depois a ideia ganhou asas e saiu um poema de amor. Daqueles que nos desnudam e permitem interpretações várias.

Não tenho aqui o poema para o transcrever. Talvez seja mais seguro mantê-lo no baú das coisas escritas. As pessoas mais curiosas poderão encontra-lo nesse livro solidário que ainda está à venda, por exemplo, na Junta de Freguesia do Fundão.

Os livros sempre foram um ponto forte na minha relação com a minha amiga aniversariante. Há dias enquanto lia o contributo dela no livro “o que pode a arte?” editado pela Bordô –Grená  foi  delicioso deixar-me envolver pelo poder da poesia  na discussão de outra causa nossa: A Igualdade de Género.

O texto “pela poesia é que vamos – pela arte, resistimos” permitiu-me descobrir “leite e mel” de Rupi Kaur. Uma extraordinária obra poética que nos fala de amores e desamores, abusos e perdas. Ofensas encobertas à mulher. Foi ainda nesse artigo da minha amiga apaixonada pelo cinema no feminino que também encontrei motivação para, de uma vez por todas, ler com atenção a obra de Simone de Beauvoir. A escritora cuja obra desconstrói mitos e estereótipos sobre género e sexo escreveu no livro “segundo sexo” que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”.  

Que dizer mais sobre uma amiga inspiradora sempre disponível para enriquecer o meu percurso na comunicação? Neste capítulo, recordo as entrevistas que me deu. A mais recente aconteceu em 2017 no meu “Porque Hoje é Domingo” na Rádio Cova da Beira e está aqui. https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-12-fevereiro-2017-rcb-ana-catarina-pereira/
Deleitem-se!

segunda-feira, dezembro 04, 2017

A Inutilidade dos Dias Cinzentos

Na manhã do primeiro de dezembro após o desafio de uma velha amiga e cúmplice nas andanças dos livros fui ao encontro de uma tertúlia poética que todos os meses acontece num dos mais aprazíveis lugares do “meu” Fundão.

O sol que por esta altura anda baixo já havia aberto os braços por forma a receber-nos e a transmitir-nos um pouco de calor. Em dezembro faz frio em todo o lado mas há momentos e lugares em que tudo se transforma e as dinâmicas quase nos fazem crer na inutilidade dos dias cinzentos.

Claro que a manhã radiosa só poderia afastar todas e quaisquer nuvens que, mesmo longe do horizonte, pudessem apoderar-se do ser.

E o ambiente que se vivia naquele pedaço de manhã no Tertílias era tudo menos cinzento! Foi então que a manhã introspetiva das palavras e o universo poético da editora Alma Azul me tomaram o tempo e ajudaram naqueles momentos de meditação coletiva à volta da poesia de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa).



Na Tertúlia poética dinamizada pela minha querida Elsa Ligeiro o bloguer Ricardo Reis abriu a reflexão com a leitura de Aniversário.

E diz o poema:

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, 
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. (…)


Começamos então a partilhar ideias sobre o que pretendeu o poeta transmitir-nos. Mal nos descuidamos já opinávamos sobre as frustrações do ser ou a capacidade que nós, os mais adultos e experientes, vamos ganhando quanto à consciência dos efeitos desta vida povoada de timings e outras exigências que nos privam de caminhar ao sabor do nosso contentamento e dos prazeres da vida.

E eis que alguém traz à lembrança a obra de António Ramos Rosa quando em “O Grito Claro” escreveu sobre o funcionário cansado.

A noite trocou-me os sonhos e as mãos 
dispersou-me os amigos 
tenho o coração confundido e a rua é estreita 

estreita em cada passo 
as casas engolem-nos 
sumimo-nos, 
estou num quarto só num quarto só 
com os sonhos trocados 
com toda a vida às avessas a arder num quarto só 

Sou um funcionário apagado 
um funcionário triste 
a minha alma não acompanha a minha mão 
Débito e Crédito Débito e Crédito 
a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado 
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente 
e debitou-me na minha conta de empregado 
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar 
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever? 
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço? 

Soletro velhas palavras generosas 
Flor rapariga amigo menino 
irmão beijo namorada 
mãe estrela música 

São as palavras cruzadas do meu sonho 
palavras soterradas na prisão da minha vida 
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida 
num quarto só 

E ali permanecemos mais um bocado na conversa à volta dos livros e questionámo-nos sobre o sucesso de alguns escritores, às vezes produzidos pelo frenesim das redes sociais, e o desalento de outros que escrevendo belíssimas narrativas continuam a não conseguir sobreviver da literatura.

Também falámos da falta de tempo para os nossos sonhos e para estarmos com quem deveríamos ou gostaríamos de estar muitas e variadas vezes.

E agora que partilho com o leitor o que me ficou daquela manhã de poesia no Tertílias, no Fundão, lembro-me como gostaria de estar tantas e muitas mais vezes com os meus amigos de coração.

Os tais que cabem no poema de Alexandre O´Neill quando nos diz:
«Amigo» é um sorriso 
De boca em boca, 
Um olhar bem limpo, 
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, 
Um coração pronto a pulsar 
Na nossa mão!  (…)

E hoje, que faz sete anos que passei a acompanhar de forma mais próxima alguém que faz da amizade uma grande festa, estou cheia de vontade de voltar às tertúlias da Alma Azul e sugerir que depois da obra de Eugénio de Andrade, que revisitaremos em janeiro próximo, possamos partilhar textos e pretextos alusivos aos amigos.


Aqueles que nos ajudam a afastarem os dias cinzentos.

quarta-feira, junho 01, 2016

O canto da poesia num concerto de encher a alma

Às vezes tenho pena de não dispor de tempo nem disposição para escrever. Também tenho saudades de preencher os dias com a responsabilidade de dar notícias. As boas. Mesmo quando são más!

No outro dia estive na plateia para observar e ouvir um espetáculo de música portuguesa em que o mote foi revisitar a poesia portuguesa e as letras de amor de Camões ou Cecília Meireles.

Inserido na programação do Festival Literário da Gardunha, ao qual também não consegui ir, o concerto em que o piano de Mário Laginha tão bem combinou com a voz de Camané foi um belíssimo momento de introspeção.

"Cansaço" um poema de Luís Macedo num tema que ficou famoso na interpretação de Amália Rodrigues e que também foi interpretado no espetáculo Fado Revisitado foi dos momentos que mais me encheu a alma.

E diz o poema

Por trás do espelho quem está
De olhos fixados nos meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus-dará
Deixando os olhos nos meus.
Quem dorme na minha cama,
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama,
E lá de longe me chama
Misturada nos meus sonhos.
Tudo o que faço ou não faço,
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Da poesia de David Mourão Ferreira que é dos poetas que Camané mais gosta de cantar fez se ouvir "Espelho Quebrado" que também é interpretado por Carminho e que diz


Com o seu chicote o vento / Quebra o espelho do lago
Em mim foi mais violento o estrago
Porque o vento ao passar / Murmurava o teu nome
Depois de o murmurar, deixou-me
Tão rápido passou / Nem soube destruír-me
As mágoas em que sou tão firme
Mas a sua passagem / Em vidro recortava
No lago a minha imagem de escrava
Ó líquido cristal / Dos meus olhos sem ti
Em vão o vendaval pedi
Para que se quebrasse / O espelho que me enluta
E me ficasse a face enxuta
Ai meus olhos sem ti sem ti
Em mim foi mais violento, o vento


Um dos mais conhecidos temas interpretados por Camané , chama-se "sei de um Rio". No concerto realizado no Fundão a interpretação deixou a plateia cheia de vontade de voltar ao registo do isqueiro ou da vela em punho e de braço no ar. 
Nunca me tinha dado conta da beleza do poema de Pedro Homem de Melo

Sei de um rio, sei de um rio
Em que as únicas estrelas nele sempre debruçadas
São as luzes da cidade
Sei de um rio, sei de um rio
Onde a própria mentira tem o sabor da verdade
Sei de um rio…
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio
Que nasceu na minha sede, mas o sonho continua
E a minha boca até quando ao separar-se da tua
Vai repetindo e lembrando
Sei de um rio, sei de um rio
Sei de um rio, até quando



E antes das despedidas, Mário Laginha e Camané recorreram à riqueza da "Inútil Paisagem" de Vinicius de Morais.

Mas pra quê? 
Pra quê tanto céu?
Pra quê tanto mar? Pra quê?
De que serve esta onda que quebra?
E o vento da tarde? De que serve a tarde? 
Inútil Paisagem
Pode ser que não venhas mais;
Que não venhas nunca mais...
De que servem as flores que nascem pelos caminhos?
Se meu caminho sozinho é nada...













Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...