terça-feira, outubro 16, 2018

“O porquinho mealheiro é o pior exemplo de poupança”


Há quem o apelide de senhor poupança pois o programa “Contas-poupança” na televisão reforçou-lhe o mediatismo. Semanalmente no ar há 8 anos, “Contas-poupança” deu origem a dois livros sobre economia pessoal e familiar. O segundo está nas bancas há pouco tempo e serviu de mote a um conjunto de questões ao jornalista covilhanense Pedro Andersson.


Perfil

Jornalista há mais de 20 anos, Pedro Andersson iniciou o contacto com os media era ainda adolescente. Começou na Rádio Clube da Covilhã, foi jornalista na rádio TSF entre 1997 e 2001, altura em que foi convidado para ser um dos jornalistas fundadores da SIC Notícias. Atualmente, na SIC é jornalista-coordenador e autor da rubrica sobre finanças pessoais "Contas-poupança", emitido todas as semanas há mais de 8 anos.
É autor de 2 livros sobre finanças pessoais: "Contas-poupança - Viva melhor com o mesmo dinheiro" (2016)  e "Contas-poupança - Poupe ainda mais, Invista melhor" (2018).





1- Está nas livrarias um novo "Contas-poupança". Significa que os seguidores do programa da SIC estão mesmo a seguir os conselhos deste SOS poupança escrito por Pedro Andersson?

Pelos vistos, sim. Isso deixa-me muito feliz. No princípio até achava que algumas dicas eram demasiado simples e que as pessoas iam criticar-me porque estava a dizer coisas óbvias. Mas não. Há uma imensidão de pessoas que de facto precisam dos conselhos SOS de finanças pessoais, poupança e investimento. Eu chamo a esses conselhos "terapia de choque financeira". Há dezenas de milhares de pessoas que precisam mesmo de ajuda para porem as suas contas em ordem. Encaro isto como uma espécie de missão mais do que jornalística, de cidadania. Infelizmente, em Portugal quase ninguém tem formação financeira básica para fazer contas, comparar, negociar e lidar com as empresas, instituições e com o Estado de igual para igual. Parecemos sempre muito pequeninos e impotentes. Aceitamos o que nos dizem sem questionar. Isso tem de acabar.


2-Dois livros. O que separa o primeiro do segundo? O que os distingue?

Duas coisas separam o primeiro do segundo.  São dois anos de dicas rigorosamente novas que surgiram depois de ter escrito o primeiro livro. Ou seja, estão sempre a surgir novas oportunidades de pouparmos. As dicas de poupança surgem debaixo das pedras, como costumo dizer. Estou a fazer uma reportagem e é o entrevistado que diz: "Olhe, e já reparou que também pode poupar nisto e naquilo?". Isto quer dizer que o trabalho do "Contas-poupança" é interminável. Há sempre maneiras novas de termos o mesmo (ou de preferência melhor) com o mesmo dinheiro ou menos. Esse é o meu desafio em todas as reportagens. Não é poupar vivendo pior. O que é desafiante é conseguirmos viver melhor com menos dinheiro. E a existência do "Contas-poupança" prova que isso é possível. No segundo livro, há também uma vertente completamente nova: a do investimento. Percebi que não vale a pena poupar se não soubermos para que queremos o dinheiro. Temos de o fazer crescer senão ele vai definhando. A ideia do porquinho mealheiro é o pior exemplo de poupança. É o contrassenso absoluto.  Ao prendermos o dinheiro numa coisa parada estamos a deixar o dinheiro desvalorizar. Eu posso ter 10 mil euros e daqui a 10 anos esse dinheiro só vai valer 5 ou 6 mil, embora lá tenha os tais 10 mil. A inflação come o nosso dinheiro, mas como não o vemos desaparecer fazemos de conta que a inflação não existe. Qualquer produto de poupança que renda menos de 1,6% está a "matar" o nosso dinheiro. No livro dou variadíssimas alternativas de investimento - com risco e sem risco - para poder escolher de acordo com o seu perfil. Para mim, que nunca investi em produtos com risco, foi uma surpresa absoluta o que ganhei nos meses mais recentes com pequenos valores que investi para testar as reportagens. 

3-Em que medida é que os alertas do programa e do livro têm contribuído para formar o consumidor? 

Os consumidores portugueses estão cada vez melhor informados e formados. Já sabem ao que vão e fazem cada vez mais perguntas. E reclamam por escrito, coisas que raramente faziam no passado. E já vão ter com as empresas e instituições com os olhos mais abertos. Já sabem o que querem e, melhor do que isso, o que não querem. A palavra não está a entrar na linguagem do consumidor e isso é uma vitória enorme. Ir a um banco, receber uma simulação e dizer não ao funcionário do banco deve ser um choque para alguns desses funcionários. No passado, o que o gestor de conta dizia era lei para nós. Agora já percebemos que os gestores de conta estão a trabalhar para atingir os objetivos do banco e não para defender os nossos interesses.

4- Parece-lhe que os conselhos dados têm sido acatados pelas grandes marcas e prestadores de serviços vários?

Não muito. Noto algumas diferenças, mas só porque são obrigados pelas autoridades de supervisão e pelos reguladores. A pressão da comunicação social (nomeadamente do "Contas-poupança") tem a sua influência mas apenas isso. Já houve empresas que melhoraram o apoio ao cliente ou clarificaram algumas regras por causa do programa, mas ainda é uma coisa insípida. O verdadeiro trabalho está nas mãos de cada consumidor. Tem de ser uma "batalha" corpo a corpo, consumidor a consumidor, porque cada caso é um caso. O consumidor só deve desistir de uma reclamação quando estiver satisfeito com a resposta. É essa a mensagem que quero passar. Nem que demore 10 anos.

5-Quais são as áreas em que nós, os consumidores, somos mais negligenciados?

Somos muito negligenciados pelas grandes empresas e pelo Estado. Quando fazemos um pedido de esclarecimento ou fazemos um pedido ou uma reclamação, mandam uma resposta chapa 5 do tipo "Gostamos muito de si, é muito importante para nós e vamos analisar..." e passam semanas e não acontece nada. Isso é trágico e tem de mudar. Por vezes a única solução é avançar para o Provedor de Justiça e os Centros de Arbitragem.

6-Como observa o poder de compra dos portugueses?

Nesta fase está a melhorar. A crise foi muito grave e deixou mossa. Mas estou a ver demasiadas pessoas a esquecerem rapidamente o que podiam ter aprendido com a crise. Eu aprendi, e muito. Devíamos nesta altura de vacas menos magras estar a preparar a nossa defesa para quando a próxima crise chegar. Porque vai chegar. E não é preciso ser rico para poupar. O segredo é tão simples quanto isto: Nunca gastar mais do que se ganha. Só isso. E se conseguir pôr de lado 10% do que ganha todos os meses assim que recebe o ordenado isso é o ideal. Quem fizer isto estará preparado para tudo o que possa vir a acontecer. Mas não é fácil. O português não sabe poupar e não sabe investir. A verdade é que também nunca ninguém nos ensinou, nem as famílias nem a escola. E  cometemos erros de gestão financeira pessoal desde que nascemos até morrermos. Está na altura de fazer qualquer coisa para mudar esta atitude perante o dinheiro. Temos de perder o medo de falar de dinheiro. Ele não morde. Tanto pode ser nosso amigo como inimigo. Depende de nós.



7-Iniciou o seu percurso de jornalista na imprensa regional como observa o estado do jornalismo?

Sim, comecei na Rádio Clube da Covilhã. O jornalismo está neste momento numa encruzilhada, sobretudo por causa das redes sociais e do digital. Qualquer pessoa pode produzir informação e chegar num segundo a dezenas de milhares de pessoas. E não precisa ser jornalista. O grande desafio do jornalismo hoje é credibilizar-se a ponto das pessoas estarem dispostas a pagar (por assinatura ou assistindo a publicidade) para terem a certeza de que a informação que estão a receber é absolutamente verdadeira e que lhes traz valor acrescentado. Há tanto ruído hoje que o jornalismo tem a tentação de seguir a onda da rapidez da informação sem o rigor necessário e, se o fizer, vai perder a guerra. 


8-Como vai a liberdade de expressão em Portugal?

Muito bem. Creio que não há um problema de liberdade de expressão em Portugal. Felizmente vivemos num país onde essa questão neste momento não se coloca, na minha opinião. Pelo menos no meu caso nunca, em nenhuma circunstância, vi a minha liberdade de expressão enquanto jornalista ou cidadão ameaçada ou atacada. E nos casos em que isso acontece, os tribunais têm funcionado.


9-Natural da Covilhã, como observa a cidade e a região da Beira Interior a partir de Lisboa?

Venho ver a minha mãe regularmente. Ela ainda vive no concelho da Covilhã. Tenho visto a cidade a desenvolver-se e isso deixa-me muito satisfeito. Fico com uma imagem positiva do desenvolvimento da região e do distrito de Castelo Branco, mas só tenho uma visão de passagem. Não posso dizer que acompanhe o dia-a-dia da região. Mantenho o meu contacto com amigos e colegas, mas mais a nível pessoal do que como alguém com ligações à Beira Interior. Mas fico feliz por ver o fosso entre o litoral e o interior a esbater-se em algumas coisas. Infelizmente, há também algumas que permanecem quase iguais como a falta de investimento em infraestruturas.

10-O despovoamento que marca esta região preocupa-o? Como lhe parece que poderemos inverter a tendência de baixa natalidade e abandono do meio rural?

Acho que é um problema de todo o interior de Portugal. Eu próprio, depois de ter terminado o Curso de Comunicação Social na UBI tive de procurar saídas profissionais em Lisboa. Não encontrei outra forma de crescer profissionalmente e tenho uma enorme admiração pelos meus colegas jornalistas que ainda se mantêm na imprensa regional apesar de todos os desafios. Não conheço as outras profissões em pormenor, mas creio que todas têm problemas semelhantes. As pessoas quanto não encontram alternativas no meio onde nasceram e cresceram têm de procurar outras soluções. É assim há décadas. Sinceramente não sei como inverter essa tendência. Deixo isso para quem tem poder de decisão. Suponho que criar estímulos para trazer e manter as pessoas no interior exija investimentos altíssimos que não sei se os recursos do país permitem.


11-Que referências tem desta região?

Prefiro falar de memórias: O cheiro da terra das courelas dos meus avós no "Chão Grande", a ribeira do Paúl (onde pesquei muitas trutas na minha infância e aprendi a nadar), o autocarro da Auto Transportes do Fundão que me levava e trazia do Paúl para a Covilhã com os vidros sempre embaciados por causa da chuva e do frio, tentar andar em cima do gelo frágil da levada junto à escola preparatória do Paúl, a geada branca como a neve nas manhãs frias de inverno, os jogos de futebol até às 11 da noite no meio da rua só interrompidos de vez em quando por um carro que passava, o apanhar flores de tília para vender saquinhos de chá aos vizinhos por uns tostões que já não me lembro, olhar para a Serra da Estrela e vê-la coberta de neve até meio e desejar estar lá em cima a fazer bonecos de neve, o cheiro a lenha queimada na chapa da minha avó onde grelhávamos míscaros com umas pitadas de sal apanhados no pinhal ali perto. São algumas coisas que quem nasceu e cresceu na cidade não conhece nem dá valor. Tenho saudades.

12- Gostaria de voltar à Covilhã ?


Vou voltando. Para viver definitivamente, creio não ter reunidas as condições neste momento face ao percurso profissional que estou a seguir e o facto de já ter dois filhos que nasceram em Lisboa e que têm aqui todos os seus amigos torna as coisas mais difíceis de gerir. Mas o futuro tem sempre muitas surpresas e desafios, não é? Um dia gostava de ensinar jornalismo. Quem sabe se a UBI poderia ser uma opção. Já tenho algumas coisas para ensinar. Mas para já ainda sinto que tenho muito para fazer na área do jornalismo financeiro e da cidadania.



# Trabalho integralmente publicado na edição de 11 de outubro de 2018 do Jornal do Fundão

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