Um texto de Beatriz Nunes, vocalista dos Madredeus, torna belíssima esta interpretação da Orquestra Municipal do Fundão.
O tema incluído no alinhamento do concerto de final de ano da Orquestra Municipal do Fundão embala-nos e faz-nos sorrir para a vida.
Sob a batuta de João Roxo e com a mestria de Gil Gonçalves que de forma mágica toca a sua tuba com classe, a Orquestra Municipal do Fundão é apenas uma amostra da riqueza musical de uma pequena e localizada no interior de Portugal.
É o Fundão a dar cartas à vizinhança e a embalar-nos numa linguagem harmoniosa e cheia de boas energias para o Ano Novo de 2018.
Que seja um ano de ouro para todos!
Fracções de memórias passadas. Tempos idos e diluídos na espuma dos dias. A actualidade desta Beira que é a nossa!
terça-feira, janeiro 02, 2018
sexta-feira, dezembro 29, 2017
Dos anos que não deixam saudades
Dizer
que 2017 é um ano que não vai deixar-me saudades é quase um lugar-comum. Efetivamente
os últimos doze meses, mas também os últimos anos, não me deixam saudades.
Ou
seja por a morte levar muitos amigos, conhecidos e até familiares. Ou por ter
cada vez maior consciência de que o mundo não é perfeito e que o país das
maravilhas é apenas um sonho de Alice. Mas também por sentir que a amizade e a
reciprocidade são cada vez mais substantivos femininos que não vão além do
léxico.
Este
é também um tempo em que a partilha e a promoção do convívio e harmonia entre
pares permanecem arredados da sociedade cada vez mais tecnológica e digital e
pouco dada à companhia e vivências entre pares.
Lamentos
à parte, o ano que agora termina deve servir para retirarmos lições de futuro e
reganharmos a força e motricidade suficientes para darmos a volta ao texto e
começar de novo.
Iniciar
um novo ano não significa apenas encerrar um capítulo. Significa ser capaz de
aprender com os erros ou ações menos apropriadas.
Significa
observar o passado, guardar as memórias boas e apagar todos os retratos e
imagens que nos entristecem e deixam mais céticos.
E
num ano vincadamente marcado pelo inferno dos incêndios florestais e pela
insensibilidade de quem gere o território, importa sermos capazes de enterrar a
fragilidade tornando-nos mais fortes e capazes reinventar modos de vida.
Reinventar
também é reclamar do atores políticos ações e boas práticas que vão além da
palmadinha solidária aos que no último Verão perderam familiares e amigos,
observaram a fúria do fogo e viram as suas vidas reduzidas a cinzas.
Que
o novo ano faça de todos nós pessoas audazes e resilientes. Que nunca nos doa a
voz para dizermos que os problemas de quem perdeu vidas, trabalho e viu comprometida
a economia de subsistência precisam de muito mais do que uma Unidade de Missão
e Valorização do Interior.
Criar
organismos, transportá-los para onde a dor é agora mais aguda, desenvolver
linhas programáticas de ação é fácil. Basta dar uso ao verbo.
Mas
o verbo não chega. É preciso ação.
Agir.
Mudar as políticas. Criar condições para desenvolver comunidades. Promover
ações que se traduzam em mecanismos reais e práticos com vista à criação de
emprego, à fixação de pessoas, ao desenvolvimento harmonioso dos territórios.
Se
assim for, certamente que daqui a um ano não estarei, não estaremos a
despedir-nos do ano velho com um sentimento de dor e impotência face à
realidade que caracterizou 2017.
O
mais negro dos anos levou-nos pessoas, floresta, produção agrícola e empresas. 2017
desnudou um Estado incapaz de evitar a morte de mais de uma centena de pessoas.
É,
pois, um ano que não deixa saudades.
quarta-feira, dezembro 13, 2017
A Cantata de Natal da Academia de Música do Fundão
Chegou a época natalícia e com ela os habituais concertos de Natal promovidos pela escola de ensino artístico da Santa Casa da Misericórdia do Fundão.
Este dia as obrigações profissionais levaram-me a um desses momentos ricos de criação e execução musicais. Fi-lo com o sentido prazeroso do costume e o momento fez-me sentir mais leve e cheia de vontade de, este ano, celebrar o Natal.
A razão vai muito além do concerto. Mas não posso deixar de explicar ao leitor o quão aquelas palavras do narrador cativaram o ser fazendo-me sentir num verdadeiro ambiente de Natal.
Um sentimento, estou certa, comum às muitas pessoas que naquela noite de invernia, caracterizada por ventos ciclónicos e chuva abundante, sairam do conforto do lar e terão aquecido os corações num exemplar momento cultural e de intensa introspeção.
No palco improvisado da igreja matriz do Fundão estavam várias dezenas de crianças de muitas idades que cantavam de forma harmoniosa e transmitiam um sentimento de invulgar amor ao Natal.
A explicação poderá estar no conteúdo da peça que aqui partilho e que muito nos fala das tradições do Natal na região da Beira Baixa.
A Cantata de Natal da autoria de José Manuel Nunes é uma viagem imensa às tradições em louvor do Menino Jesus, da Missa do Galo e da romaria de gente à volta do Madeiro.
Realidades tão bem documentadas na Etnografia da Beira de Jaime Lopes Dias e que, em certa medida, estão na Cantata que aqui partilho.
E embora as condições técnicas do vídeo não sejam as melhores - pois não se ouvem bem as vozes do narrador, do anjo e dos Reis Magos - vale a pena escutar esta gravação. A obra em apreço engrandece o percurso da Academia de Música e Dança do Fundão onde, felizmente, a cidade do Fundão tem um dos seus melhores ativos culturais.
Fiquem com o vídeo e embrenhem-se no espírito natalício.
segunda-feira, dezembro 04, 2017
A Inutilidade dos Dias Cinzentos
Na manhã do primeiro de
dezembro após o desafio de uma velha amiga e cúmplice nas andanças dos livros
fui ao encontro de uma tertúlia poética que todos os meses acontece num dos
mais aprazíveis lugares do “meu” Fundão.
O sol que por esta altura
anda baixo já havia aberto os braços por forma a receber-nos e a transmitir-nos
um pouco de calor. Em dezembro faz frio em todo o lado mas há momentos e
lugares em que tudo se transforma e as dinâmicas quase nos fazem crer na
inutilidade dos dias cinzentos.
Claro que a manhã radiosa
só poderia afastar todas e quaisquer nuvens que, mesmo longe do horizonte,
pudessem apoderar-se do ser.
E o ambiente que se vivia
naquele pedaço de manhã no Tertílias era tudo menos cinzento! Foi então que a
manhã introspetiva das palavras e o universo poético da editora Alma Azul me
tomaram o tempo e ajudaram naqueles momentos de meditação coletiva à volta da
poesia de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa).
Na Tertúlia poética
dinamizada pela minha querida Elsa Ligeiro o bloguer Ricardo Reis abriu a
reflexão com a leitura de Aniversário.
E diz o poema:
No tempo em que festejavam o dia dos
meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. (…)
Começamos então a partilhar ideias sobre o que pretendeu o poeta transmitir-nos. Mal nos descuidamos já opinávamos sobre as frustrações do ser ou a capacidade que nós, os mais adultos e experientes, vamos ganhando quanto à consciência dos efeitos desta vida povoada de timings e outras exigências que nos privam de caminhar ao sabor do nosso contentamento e dos prazeres da vida.
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. (…)
Começamos então a partilhar ideias sobre o que pretendeu o poeta transmitir-nos. Mal nos descuidamos já opinávamos sobre as frustrações do ser ou a capacidade que nós, os mais adultos e experientes, vamos ganhando quanto à consciência dos efeitos desta vida povoada de timings e outras exigências que nos privam de caminhar ao sabor do nosso contentamento e dos prazeres da vida.
E eis que alguém traz à lembrança
a obra de António Ramos Rosa quando em “O Grito Claro” escreveu sobre o
funcionário cansado.
A noite trocou-me os sonhos
e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos,
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos,
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só
E ali permanecemos mais um
bocado na conversa à volta dos livros e questionámo-nos sobre o sucesso de
alguns escritores, às vezes produzidos pelo frenesim das redes sociais, e o
desalento de outros que escrevendo belíssimas narrativas continuam a não
conseguir sobreviver da literatura.
Também falámos da falta de
tempo para os nossos sonhos e para estarmos com quem deveríamos ou gostaríamos
de estar muitas e variadas vezes.
E agora que partilho com o
leitor o que me ficou daquela manhã de poesia no Tertílias, no Fundão,
lembro-me como gostaria de estar tantas e muitas mais vezes com os meus amigos
de coração.
Os tais que cabem no poema
de Alexandre O´Neill quando nos diz:
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão! (…)
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão! (…)
E hoje, que faz sete anos que passei a acompanhar de forma mais próxima alguém que faz da amizade uma grande festa, estou cheia de vontade de voltar às tertúlias da Alma Azul e sugerir que depois da obra de Eugénio de Andrade, que revisitaremos em janeiro próximo, possamos partilhar textos e pretextos alusivos aos amigos.
Aqueles que nos ajudam a
afastarem os dias cinzentos.
terça-feira, novembro 28, 2017
Os Amigos Revelam-se
Num
dos textos do livro “O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas”, o teólogo José
Tolentino Mendonça sugere ao leitor uma reflexão sobre os amigos de perto e de
longe. Os que estão sempre presentes e os distantes. Na atitude e no verbo.
Sugere o escritor e poeta que sejamos capazes de valorizar a afeição em vez da posse.
E mesmo quando o desprendimento é uma realidade, Tolentino Mendonça sugere que sejamos capazes de crer na essência da história e na origem dos laços.
E diz o texto:
“A etimologia da amizade reenvia-nos, assim, não para uma qualquer experiência casual, mas para a memória daquela afeição primeira que estrutura silenciosamente a existência. Por isso, na sua espantosa leveza, e sem alardes, a amizade dialoga com coisas muito fundas dentro de nós: faz-nos reviver o primeiro amor com que fomos (ou não fomos) amados; toca as nossas feridas, mesmo as que não conseguimos verbalizar; transmite-nos confiança para sermos o que somos e como somos; estimula-nos a progredir vida fora.
Nem todas as nossas amizades chegam a tomar consciência da extraordinária viagem interior que as mobiliza”. (…)
É
bem verdade que muitas vezes a amizade não vai além da verbalização de uma
palavra mas há sempre a esperança de que os verdadeiros amigos estejam sempre
ao nosso lado.
Haja
o que houver!
Porém há os dias em que a dúvida se instala e a alma veste-se de negro por sentir que uma e outra vezes, muitas vezes, a amizade deixa de traduzir-se em afeição e passa a ser um termo amplo e sem gesto. Sem o laço genuíno que vinha da primeira e silenciosa estrutura.
É então que nos olhamos ao espelho e nos perguntamos se o defeito é nosso. E se o nosso conceito de amizade e reciprocidade combina com a abordagem prosaica de uma convivência e cumplicidade sem estimulo e carregado de omissões e ingratidão.
Estes têm sido anos para desbravar caminhos, afastar pedras e vencer barreiras.
É também um período da minha vida em que tenho observado os meus amigos. Os de perto e de longe. Os presentes e os ausentes. Os desprendidos que são capazes de surpreender. Pela sua generosidade pela genuinidade de cada gesto!
Quem se lembra de nós, quem gosta de nós, promove. Age. Não omite. Dá continuidade ao registo.
Que me desculpe o José Tolentino Mendonça mas eu preciso de sentir que os meus amigos mesmo distantes estão próximos.
Estão sempre aqui. Chamam por mim. Perguntam como estou. Acompanham o meu percurso. Ouvem, leem e criticam. Dizem presente.
E
fundamentalmente não são ingratos.
quinta-feira, novembro 02, 2017
Cemitério de Silêncios
No dia em que toda a gente
caminhava para o cemitério subi à Gardunha. A viagem iniciou-se exatamente à
porta do cemitério da minha aldeia Natal. Sim, essa terra onde o silêncio geral
denota o despovoamento agravado pelos incêndios que deixaram um rasto de
destruição e um chão vincadamente negro.
No hora em que o povo
descia desde a igreja até à zona baixa de Castelo Novo para ali prestar
homenagem aos que jazem no cemitério localizado no sopé da Gardunha, contrariei
a tradição, dispensei o momento de oração e silêncio coletivos para mergulhar
numa outra geografia, igualmente marcada por um silêncio sepulcral.
Serra acima, numa manhã
sombria de novembro e a ameaçar chuva, dei-me conta do vasto cenário carregado
de negro.
À primeira paragem, já fora do carro e sem o som da música ambiente, os meus ouvidos fizerem um esforço maior para identificar o chilrear de um melro, um pássaro ou um milhafre ávido de galinhas das capoeiras localizadas nos campos da Gardunha.
Porém as quintas, que foram
resistindo à desertificação do território, estão agora reduzidas a cinza e as
galinhas ou outros vivos que por lá existiram finaram-se em agosto último.
Assim terá acontecido com as raposas e os coelhos que já se passeavam pela serra e certamente sucumbiram ao calor do inferno das chamas.
É então que a viajante se
dá conta do silêncio continuado que a acompanha desde o cemitério de silêncios.
Esse lugar onde habitam os nossos entes queridos e que naquele dia de agosto também terão sentido o inferno do fogo. O bafejar da chama sobre as campas que compõem o "povoado" desse
lugar de invariável confluência anual no Dia dos Santos.
O poder do silêncio do
cemitério foi de tal forma poderoso que a demorada paragem no outrora
paradisíaco lugar da Casa Florestal de Castelo Novo se traduziu em calafrios. A
viajante sentiu uma pontinha de medo quanto à ausência de um único barulho. Nem
um ruído! Uma folha a cair, a serpentear de um lugar para o outro... Até as pinhas estavam todas no chão!
Não se ouvia uma mosca. Nem
havia sinais de vivalma. A água escasseia e não encharca os terrenos à volta do
tanque que se apresentava quase vazio.
Da bica corre um fio do precioso líquido e nem me atrevo a bebê-la pois os incêndios foram há pouco tempo e as chuvas ainda não apaziguaram o manto de cinzas.
Da bica corre um fio do precioso líquido e nem me atrevo a bebê-la pois os incêndios foram há pouco tempo e as chuvas ainda não apaziguaram o manto de cinzas.
São tantos os sinais a adensar
o cemitério de silêncios que até as lágrimas do viajante secaram. A descrença
tolhe-nos o olhar e na alma lembra-nos que quase nada nos prende áquele lugar.
O fogo de há dois meses e
meio levou outra vez o verde da Gardunha e agora a viajante só consegue
identificar os lugares onde tantas pessoas foram felizes!
Embora a Casa Florestal de Castelo Novo permaneça intacta, aquela geografia é, também ela, um cemitério de silêncios. Desapareceu tudo!
Os mosquitos, as moscas, as aves, as raposas e os coelhos.
As árvores que já estavam
a reerguer-se, depois do fogo de há doze anos, também pereceram e delas restam
apenas pequenos troncos dos quais haverá de rebentar uma nova planta.
Uma renovada réstia de fé num amanhã outra vez verdejante e esplendorosamente belo.
Uma renovada réstia de fé num amanhã outra vez verdejante e esplendorosamente belo.
Mas nessa altura a viajante e os amantes da Gardunha continuarão a questionar-se quanto ao abandono a que está votada a Casa Florestal.
Consequentemente lamentarão o avanço da degradação do imóvel onde permanecem os azulejos com letras azuis escuras a dizer “Matas Nacionais”.
Elegantes e com letras bem definidas, os azulejos (felizmente a mão alheia não os roubou!) estão geometricamente colocados na lateral da casa. Estão “esculpidos” sobre a janela do quarto da viajante que uma vez criança, ali sonhou com uma Gardunha sempre romântica e cheia de vida,
É na Mata Nacional do
perímetro de Castelo Novo que a memória conduz o narrador para o tempo em que
debaixo dos imponentes cedros havia bancos e uma mesa hexagonal de granito que alguém
fez desaparecer.
Na antiga sala de visitas
da Gardunha para Castelo Novo e com a Raia no horizonte, também havia arbustos e bancos
onde o guarda-florestal recebia outros viajantes e amantes da sua serra.
Ali, o guardião da fauna e da flora da Gardunha fez tantos amigos como cerejas e também essas deixaram de povoar aquela zona da Gardunha.
Ali, o guardião da fauna e da flora da Gardunha fez tantos amigos como cerejas e também essas deixaram de povoar aquela zona da Gardunha.
Aqui está uma explicação
poética para o vazio que agora se instala na última mesa localizada nas
imediações da Casa Florestal de Castelo Novo e onde o silêncio chega a embrenhar-se
na pele do viajante.
É então que a viajante,
narradora e saudosista da sua Gardunha fixa o olhar naquela mesa e lamenta que
o destino e os erros do homem tenham feito do seu jardim um cemitério de
silêncio localizado na encruzilhada das causas e consequência do fogo.
Numa tentativa de
enriquecer a narrativa que comprova o sentimento de quem passou a manhã no
silêncio da Gardunha, penso num poema suficientemente rico e que seja capaz de traduzir
a mágoa que fica do reencontro com as pessoas e lugares que me fizeram mulher.
Lembrei-me de Pessoa.
Na pesquisa encontrei Álvaro
de Campos
E diz o poema:
Penso em ti no silêncio da
noite, quando tudo é nada,
Penso em ti no silêncio da
noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no
silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim,
passageiro parado
De uma viagem em Deus,
inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que
foste um momento eterno
E como este silêncio de
tudo.
Todo o perdido, em que
foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que
foste o que não houvera de ser
É como o nada por ser
neste silêncio noturno.
Tenho visto morrer, ou
ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais
nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se
foi um homem ou uma conversa;
Ou um [. . .] assustado e
mudo,
E o mundo hoje para mim é
um cemitério de noite
Branco e negro de campas e
[. . .] e de luar alheio
E é neste sossego absurdo
de mim e de tudo que penso em ti.
s. d. Álvaro de Campos — Livro de
Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização
e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993: 174.
quinta-feira, outubro 26, 2017
Um Encontro Inesperado
O que nós somos e como a vida nos transforma.
Obrigações de natureza profissional levaram-me hoje à Quinta Pedagógica do Fundão para acompanhar um workshop sobre estimulação sensorial.
Estavam lá dezenas de séniores.
De repente há uma mão que me acena, uns olhos que quase saltam do rosto e não escondem um misto de emoção e alegria.
Ao mesmo tempo há uma voz trémula que chama por mim. Aproximo-me ainda mais e reconheço o senhor Américo.
O meu tio Américo!
Quem o viu e quem o vê.
O homem do campo que criava gado e cuidava das hortas, o homem que a dureza da vida obrigou a ser rijo e rude é hoje um ser indefeso.
A idade e a doença apoderaram-se de um dos últimos guardadores de rebanhos da Gardunha.
A minha serra que também é a dele foi devastada pelo último crime contra a nossa floresta.
As chamas que tudo lamberam e devastaram as enconstas onde meu tio tantas vezes picou os dedos a apanhar castanhas.
As melhores castanhas cá da terra eram as do tio Américo.
Eram! Disse bem. Pois o efeito do fogo e a fragilidade humana do tio Américo colocarão em causa a produção de castanha.
Se é que a mesma já não estava suspensa!
O Tio Américo há muito tempo que havia deixado a vida no campo e até já tinha trocado a casa localizada junto à ribeira de Alpreade por outra mais confortável e de fácil acesso no centro da Aldeia Histórica de Castelo Novo.
Anos antes, muito anos antes, o tio Américo foi um dos resistentes das intempéries e da inclemência do fogo.
Quantas vezes as chamas varreram a "serra dos correias" e a "pelada" na enconta da Gardunha que faz fronteira com Alcongosta?
Tantas vezes a neve, o vento gélido e os incêndios o fizeram gritar "ai Jesus"!
Hoje em dia o suspiro e a crença prendem-se com outras dores e provações.
A falta de saúde e uma inesperada cirurgia atiram-no para a Unidade de Cuidados Continuados do Fundão.
Hoje encontrei-o numa daquelas jornadas em que os técnicos de saúde e as equipas de animação da Santa Casa da Misericórdia do Fundão acrescentaram vida aos anos do tio Américo e de todos os outros idosos que com ele estavam reunidos na Quinta Pedagógica do Fundão.
Entre os exercícios e as músicas de antigamente o meu tio Américo lá confessou que gosta de ali estar e que o tratam bem. De lágrima estendida na face direita do rosto mais magro e menos corado, o tio Américo confidenciou-me que a tia Adelina também está doente. "Teve um problema e tem estado no hospital mas o mal já está curado, amanhã vai para casa", explicou-me.
Dentro de dias prometo ir ao encontro do meu tio. Talvez lhe faça bem ver uma cara mais familiar ! Talvez, nessa ou noutras visitas "de médico", eu seja capaz de o fazer recuar no tempo e ele me conte sobre a labuta de antigamente.
A criação de gado. Os cabritos. As peles que vendia a 1.500 escudos. Os queijos. O essencial de uma vida nos campos que as chamas reduziram a cinza!
Oxalá essas vivências de homem da Gardunha continuem registadas na memória de quem enriquece o meu baú de recordações em família!
Obrigações de natureza profissional levaram-me hoje à Quinta Pedagógica do Fundão para acompanhar um workshop sobre estimulação sensorial.
Estavam lá dezenas de séniores.
De repente há uma mão que me acena, uns olhos que quase saltam do rosto e não escondem um misto de emoção e alegria.
Ao mesmo tempo há uma voz trémula que chama por mim. Aproximo-me ainda mais e reconheço o senhor Américo.
O meu tio Américo!
Quem o viu e quem o vê.
O homem do campo que criava gado e cuidava das hortas, o homem que a dureza da vida obrigou a ser rijo e rude é hoje um ser indefeso.
A idade e a doença apoderaram-se de um dos últimos guardadores de rebanhos da Gardunha.
A minha serra que também é a dele foi devastada pelo último crime contra a nossa floresta.
As chamas que tudo lamberam e devastaram as enconstas onde meu tio tantas vezes picou os dedos a apanhar castanhas.
As melhores castanhas cá da terra eram as do tio Américo.
Eram! Disse bem. Pois o efeito do fogo e a fragilidade humana do tio Américo colocarão em causa a produção de castanha.
Se é que a mesma já não estava suspensa!
O Tio Américo há muito tempo que havia deixado a vida no campo e até já tinha trocado a casa localizada junto à ribeira de Alpreade por outra mais confortável e de fácil acesso no centro da Aldeia Histórica de Castelo Novo.
Anos antes, muito anos antes, o tio Américo foi um dos resistentes das intempéries e da inclemência do fogo.
Quantas vezes as chamas varreram a "serra dos correias" e a "pelada" na enconta da Gardunha que faz fronteira com Alcongosta?
Tantas vezes a neve, o vento gélido e os incêndios o fizeram gritar "ai Jesus"!
Hoje em dia o suspiro e a crença prendem-se com outras dores e provações.
A falta de saúde e uma inesperada cirurgia atiram-no para a Unidade de Cuidados Continuados do Fundão.
Hoje encontrei-o numa daquelas jornadas em que os técnicos de saúde e as equipas de animação da Santa Casa da Misericórdia do Fundão acrescentaram vida aos anos do tio Américo e de todos os outros idosos que com ele estavam reunidos na Quinta Pedagógica do Fundão.
Entre os exercícios e as músicas de antigamente o meu tio Américo lá confessou que gosta de ali estar e que o tratam bem. De lágrima estendida na face direita do rosto mais magro e menos corado, o tio Américo confidenciou-me que a tia Adelina também está doente. "Teve um problema e tem estado no hospital mas o mal já está curado, amanhã vai para casa", explicou-me.
Dentro de dias prometo ir ao encontro do meu tio. Talvez lhe faça bem ver uma cara mais familiar ! Talvez, nessa ou noutras visitas "de médico", eu seja capaz de o fazer recuar no tempo e ele me conte sobre a labuta de antigamente.
A criação de gado. Os cabritos. As peles que vendia a 1.500 escudos. Os queijos. O essencial de uma vida nos campos que as chamas reduziram a cinza!
Oxalá essas vivências de homem da Gardunha continuem registadas na memória de quem enriquece o meu baú de recordações em família!
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