terça-feira, março 13, 2018

“O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram”

Carlos  Gil está a viver mais um momento importante na sua badalada carreira de estilista. O êxito que caracterizou a sua sexta participação na Semana da Moda Feminina em Milão junta-se ao reconhecimento a que já nos habituou quer pela presença habitual em eventos de moda como o Portugal Fashion e Moda Lisboa quer pelo apreço que as suas coleções vão granjeando em Paris ou no Dubai. 

Um percurso igualmente traduzido em títulos honoríficos e de mérito como a comenda da Ordem Infante D.Henrique que lhe foi conferida em 2015 pela presidência da República ou a Medalha de Mérito Municipal do Fundão que lhe foi entregue pela Câmara Municipal. Realidades e factos que em nada alteram o modo de ser e estar do criador de moda que não se compromete com o futuro mas olha para o horizonte com a mesma garra que caracteriza o percurso iniciado num tempo em que abrir um atelier de moda numa cidade do interior de Portugal era um risco. 

Eis, pois, o perfil de alguém que não convive bem com a fama mas admite ser um “embaixador de Portugal” no exigente e competitivo universo da moda. A partir do seu atelier damos a conhecer a caminhada de quem aproveita as deslocações a Londres, Nova Iorque, Paris ou Milão para momentos de “estudo e introspeção pessoal” com vista a novas coleções e desafios.


Entre a semana da Moda Feminina em Milão que decorreu em fevereiro e o Portugal Fashion que terá lugar no dia 17 de março em Lisboa vai quase um mês mas o estilista fundanense Carlos Gil ainda está a digerir o êxito que a coleção “Twenty four Hours ” alcançou junto da imprensa internacional que acompanhou o desfile que congrega  “o maior número de holofotes” para a moda. "Foi a primeira vez" que as apostas de Carlos Gil tiveram tão expressiva visibilidade nos jornais e revistas de moda estrangeiras confessou ao Jornal do Fundão o designer de quem se fala. “Eu sabia que um dia este reconhecimento haveria de chegar só não sabia quando”, revela-nos o criador que faz dois desfiles por ano em Milão. 

Um sonho que começou a desenhar-se há quatro anos quando se encontrava de férias no Dubai e recebeu um telefonema do então presidente do Portugal Fashion que lhe disse «Carlos não sei onde está mas vai ter de vir para ir a Milão, esta é a sua oportunidade». Passado uma semana estava no Fundão para preparar uma coleção já com foco em Milão. “Planificar uma coleção obriga-me a desnudar de tudo, desde preconceitos a estatutos e propor-me ao que é mais básico: Mostrar o que é bonito, o que toda a gente vai gostar. Mas combinar novidade com elegância e conforto exige um equilíbrio enorme. Nas minhas coleções não há um desequilíbrio provocativo pois eu não procuro o bizarro para provar aos media que existe moda ou que existe a marca Carlos Gil”.

“A marca Carlos Gil destina-se a um target de pessoas que gostam de moda. É feita para mulheres que gostam de ser elegantes e se apresentam na vida com uma postura muito própria. Têm de se sentir confortáveis. Nas minhas coleções gosto de sobrepor e jogar com as cores, gosto muito de contrates”. O preto e vermelho que caracterizam a imagem da marca “dão aquela sensação de bem-estar mal estando, porque o preto dá-nos conforto e dá-nos paz e o vermelho acrescenta-lhe imenso vigor e energia positiva”, descreve o estilista.

Carlos Gil recebeu-nos no seu atelier na avenida da liberdade no Fundão no último sábado. No laboratório de moda do senhor comendador o ambiente é primaveril. Na loja são visíveis os modelos da próxima estação e além disso o jardim interior transporta - nos para a magia floral e verdejantes dos dias que aí vêm.
Logo depois do Portugal Fashion em Lisboa, Carlos Gil cumprirá um dos objetivos da sua carreira de 19 anos de estilista. Em parceria com a arquiteta Inês Gavinho abrirá, dentro de semanas, a primeira loja em nome próprio.Trata-se de um conceito que junta moda e arquitetura pois eu sou um apaixonado por arquitetura de exteriores e interiores. Quando me propõem essa parceria com a arquiteta Inês Gavinho que irá trabalhar com várias outras marcas como a «Boca do Lobo» que tem um estatuto internacional no designe de mobiliário só pode ser um desafio imenso”, sintetiza.

A conversa flui e a forma como Carlos Gil recebe a reportagem do JF faz desta edição de "Um Café com," uma partilha de particularidades do nosso interlocutor. Poucos saberão da devoção de Carlos Gil a Nossa Senhora. “Não sou pessoa de ir à missa com frequência mas sou bastante crente e não entro no atelier sem dar um beijo a Nossa Senhora como não entro em casa sem dar um beijo ao meu Menino Jesus”, diz quem tem a imagem da Virgem Mãe à vista de todos os que visitem o seu atelier. No mesmo espaço cheio de luz e com janela para a serra da Gardunha também está a Medalha de Prata de Mérito Municipal. Carlos Gil tem muito orgulho no seu Fundão, cidade que lhe “dá imensa paz de espírito”. 

Embora tenha nascido em Moçambique há quase 50 anos, Carlos Gil não renega a sua geografia de afetos e a paisagem, onde não consegue passar despercebido, é o lugar que o inspira e onde tem as amarras para continuar a dar passos ponderadamente seguros. "Quando há 30 anos disse à família que queria tirar um curso de moda foi de uma coragem muito grande. Um individuo do interior ser reconhecido pelas grandes revistas estrangeiras da especialidade é uma grande coragem. Não é para todos e se pessoas anónimas um dia se inspirarem em mim isso deixar-me á satisfeito”, verbaliza.

Carlos Gil é um perfeccionista e orgulha-se de utilizar sempre matéria-prima de primeira qualidade. "Valorizo imenso o pormenor, o interior de cada peça pois o que está em causa é o nome Carlos Gil". Por outro lado a responsabilidade de representar o seu país não pode defraudar as entidades que confiaram no meu trabalho. "E óbvio que quando sou convidado para fazer um desfile na Polónia, no Dubai ou em Paris não é só o meu nome que está em jogo mas sim o meu país", vinca. Um modo de ser e estar que também é válido para as suas clientes. “Não costumo impor-me mas de forma simples e educada eu explico a uma cliente que se vai de lantejoulas às nove da manhã como é vai a uma festa à noite de calças de ganga! Para cada situação há um compromisso de rigor para que essa pessoa se apresente bem vestida”, explica-nos quem facilmente consegue criar empatia com as suas clientes. “Procuro sempre o melhor modelo para que se sintam inteiras em qualquer circunstância”. 

Um modo de argumentação que encaixa na perfeição na coleção outono inverno 2018/2019 cujas coordenadas se adaptam a quaisquer momentos da mulher mãe e dona de casa ou da mulher executiva e poderosa.  Um “trabalho coletivo” vinca o estilista que se emociona quando fala da dedicação e empenho dos seus colaboradores. Carlos Gil acompanha de forma minuciosa a confeção de todas as peças que saem do atelier. “Nada se faz sem os meus olhos”, acrescenta o empresário que tem na esposa Carla Neto a retaguarda que o projeto de criação, conceção e comercialização exigem. À equipa de sete pessoas que trabalham no Fundão juntam-se mais seis pessoas que a partir de Milão e de Lisboa cuidam da exportação e comunicação da marca.

À mesa do café que gentilmente nos serviu, vem à baila o despovoamento do interior e a tenacidade de quem alavanca uma marca a partir do Fundão. “O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram de forma eloquente” acusa. "Enquanto não tivermos um governo que olhe para a região, que foi altamente prejudicada ao longo de dezenas de anos, permitindo que uma franja populacional de pessoas de valor se mantenha onde tudo é mais difícil, continuaremos a ser poucos”, afirma quem chega a pagar “mil euros de portagem por mês”, dada a necessidade de desenvolver a sua atividade entre o Fundão e Lisboa.

Texto originalmente escrito e publicado na edição de 8 de março de 2018 do Jornal do Fundão


terça-feira, março 06, 2018

Na Rota do Património Azulejar da Covilhã

A cidade da lã e da neve, atualmente mais conhecida pelo roteiro de arte urbana é também um destino obrigatório para o contacto com o património azulejar. Certo dia a repórter apanhou a boleia do Museu Arte Sacra na Covilhã e descobriu paisagens de azulejos que merecem uma visita.



A viagem poderá iniciar-se nas proximidades do Museu Arte Sacra, ao jardim público, e se preferir recorrer àquela unidade museológica poderá ter a sorte de se cruzar com Carlos Madalena, pois o coordenador da estrutura é das pessoas que melhor conhece o património azulejar da Covilhã. Voltando ao percurso, a igreja de Nossa Senhora da Conceição que foi um claustro do Convento de São Francisco datado do século XVI entusiasma o visitante uma vez que os azulejos em tons de azul e as imagens de cariz religioso facilmente se apegam ao olhar. Ali nas proximidades, existe o Palacete Jardim desenhado pelo arquiteto e projetista Ernesto Korrodi, edificado em 1915, que apresenta painéis de azulejo característicos do “naturalismo e arte nova” cuja paisagem bucólica nos retém.

No edifício que nos transporta para a Vila Hortênsia em Leiria já moraram o Inatel da Covilhã e o Tribunal do Trabalho. O percurso não sinalizado mas que haverá de constituir o Roteiro Azulejar da Covilhã prossegue por becos e ruelas da Covilhã antiga onde é bastante comum encontrar uma linguagem azulejar cuja o fabrico vem da fábrica de Constância. Também não é difícil cruzarmo-nos com outros exemplares de toponímia cujo azulejo é inspirado na olaria do pintor e ceramista Leopoldo Batistini. Neste particular destaque-se a beleza impar da sinalética de azulejo esculpida nas paredes de algumas edificações com a indicação do nome das ruas cujos titulares são quase sempre figuras associadas à memória coletiva dos covilhanenses e ao património imaterial da urbe.



Mas o património azulejar que em muitas das artérias da Covilhã antiga entronca na Rota da Arte Urbana também é uma espécie de motivação para ir amiúde aos locais onde estão alguns serviços públicos e de proximidade. Por certo que as implicações de uma ida à Autoridade das Condições do Trabalho é rapidamente minimizada pela beleza do imóvel datado da primeira metade do século XX e cujo azulejo foi recolocado e preservado. Uma vez ali chegados, facilmente nos rendemos aos “azulejos catequéticos e outros de natureza decorativa” que nos transportam para realidades históricas e pedagógicas.

Mas também há azulejos modernos como um mural na sede do Sindicato Têxtil da Beira Baixa que foi pensado pelos alunos e professores da escola Campos Melo. E há ainda edifícios que se apresentam engalanados “com grinaldas e outras formas geométricas e florais coloridas” igualmente atraentes ao olhar e que logo nos transportam para “a arte nova” do azulejar. O edifício residencial da Rua Cristóvão de Castro ou o da rua Conselheiro Santos Viegas são apenas dois dos exemplares.



E aqui entram as casas particulares e a memória visual de um passeio em fevereiro último faz lembrar a habitação desenhada pelo arquiteto Raúl Lino e cujos painéis com motivos religiosos e de apego à tradição familiar são uma construção da fábrica Lusapo de Coimbra. Também existem nas várias artérias da cidade azulejos originários da fábrica Carvalhinho no Porto. 

Ao rol juntam-se ainda os exemplares da fábrica Aleluia de Aveiro cujos conjuntos mais vistosos são a frontaria azulejada da igreja de Santa Maria ou a majestosa entrada da antiga Empresa Transformadora de Lãs. Aliás, é da mesma “fornada” o conjunto azulejar localizado na rua Marquês D´Ávila e Bolama ao pé da Universidade da Beira Interior o qual nos indica a porta de acesso à serra da Estrela e inúmera um conjunto de motivos de interesse para o visitante.

A arte azulejar que é “a arte ornamental mais expressiva em Portugal” e cujo fabrico iniciado em Portugal no século XVI é um património que importa conhecer e preservar também é visível quando o visitante se rende à beleza e perfil ímpares da obra de Sousa Araújo cujas particularidades do seu traço justificam procura obrigatória” diz Carlos Madalena que tem dificuldade em indicar um percurso especial pois os azulejos “estão espalhados por toda a cidade”. Ainda assim o responsável pelo Museu Arte Sacra da Covilhã considera que o “Palacete Jardim é o mais representativo bem como a Antiga Transformadora de Lãs a que se junta a imagem de Nossa Senhora da Conceição na rua Marquês d´Ávila e Bolama, precisamente da autoria de Sousa Araújo”.



Quanto ao futuro a autarquia pretende iniciar o inventário azulejar do concelho da Covilhã por forma a criar uma estratégia de defesa e valorização do património azulejar do território. As intenções de projeto  foram partilhadas no decurso das várias iniciativas que colocaram o foco cultural na valorização de um património que motivou a ida à Covilhã da diretora do projeto SOS Azulejo e cuja partilha e ensinamentos ajudarão a criar uma estratégia de valorização e divulgação do azulejo.

Este artigo foi originalmente por mim escrito e publicado na edição de 1 de março de 2018 do Jornal do Fundão.



terça-feira, fevereiro 20, 2018

Pela Gardunha



Já foi há uns dias mas vale sempre a pena dar expressão pública às ocorrencias que nos marcam e contribuem para a valorização de uma causa.
E desta vez a causa foi o pulmão maior do Fundão. Recolher fundos para reflorestar a serra da Gardunha que foi devastada pelos incêndios do Verão passado.

A causa era nobre e por essa razão, mas também pelo amor partilhado à Gardunha, não foi difícil reunir um bom leque de músicos e promover um concerto que também foi um grito de alerta em defesa da serra da Gardunha.
António Manuel Ribeiro, líder dos UHF, apelou "salvemos em consciencia aquilo que é nosso"!

E assim o fizeram as mais de 700 pessoas que naquela noite de Dia de Carnaval se juntaram na cidade do Fundão para juntar a voz à dos artistas que estiveram em palco.
Além dos lendários UHF, estiveram no concerto solidário pela Gardunha os artistas Paulo Ribeiro, Celina da Piedade, Vicente Palma, Anafaia, Grupo de Cantares do Agrupamento de Escolas do Fundão e sessenta jovens estudantes de música na Academia de Música e Dança do Fundão e Escola Profissional de Artes da Beira Interior.

Um momento de união em torno de uma janela do território que começou a desenhar-se há alguns meses pois na noite em que o fogo chegou ao concelho do Fundão, alguns desses músicos estavam, exactamente, no Fundão a dar um concerto.
Nessa noite de agosto de 2017, Vicente Palma, Paulo Ribeiro e Celina da Piedade integravam o coletivo Tais Quais e observaram como a cinza que caia sobre os espectadores que os ouviam significava que mais um atentado contra a natureza estava a acontecer ali perto.


segunda-feira, janeiro 08, 2018

Uma artista Inspiradora

Volto hoje ao verbo para partilhar com os leitores a boa notícia do reconhecimento da artista plástica Fátima Nina.

Natural e residente na Covilhã, Fátima Nina foi hoje galardoada em Roma com o prémio melhor presépio estrangeiro.
Um prémio pela obra apresentada no decurso da exposição colectiva de presépios que decorreu de Novembro até dia 7 de janeiro na capital italiana.

A mostra organizada Rivista delle Nazioni, reuniu mais de centena e meia de obras de artistas de Itália e do resto do mundo. O presépio de Fátima Nina integrou o conjunto dos 41 conjuntos apresentados por criadores de fora de Itália e valeu à designer de moda a participar na "Exposição Internacional 100 Presépios" e trazer para Portugal um troféu de que muito se orgulha.

A artista que expôs em Itália a convite da Embaixada de Portugal na Santa Sé apresentou um presépio de cores vivas e concretizado a partir de tecidos especiais.

Fátima Nina é uma mulher bastante inspiradora. Em novembro do ano passado tive o grato gosto de a entrevistar para o meu programa "Porque Hoje é Domingo" na Rádio Cova da Beira e já nessa altura a expectativa da artista era eladíssima.


De resto, é com gosto que aqui recupero o texto jornalístico que escrevi para o Jornal do Fundão, também em novembro último, sobre uma das pessoas mais criativas que conheço.

Aqui está



Fátima Pereira Nina tem uma relação umbilical com a arte. Sempre gostou muito de formas, cores e tecidos. É uma artista plástica que iniciou o percurso em Lisboa quando se licenciou em designe de moda. Viveu em Paris e voltou à cidade berço para desenhar modelos para coleções de uma empresa de lanifícios. Os tecidos e a moldagem dos mesmos continuam a fazer parte da vida desta covilhanense que ama a sua terra e se inspira nas suas paisagens e na canção francesa para criar.

“Se os filhos de Adão tocaram, os da Covilhã sempre cardaram”. A frase está inscrita no painel dedicado aos lanifícios que se encontra no hotel “Pura Lã” na Covilhã. A obra assinada pela designer e artista plástica Fátima Pereira Nina é “um memorando complexo todo feito com lã e fios e que através de oito painéis nos transporta até à paisagem das ribeiras, da pastorícia, dos teares ou das chaminés das fábricas”. A obra constitui um dos mais recentes trabalhos da nossa convidada para a rubrica “Um Café Com”.

Desta vez o ponto de encontro é o atelier da covilhanense Fátima Pereira Nina, uma artista plástica conhecida sobretudo pela vasta obra dedicada aos presépios e à mulher. O trabalho a partir do movimento escultural da mulher, o feminino a partir de folhas de árvores ou de ouriços são os motivos mais conhecidos da obra da artesã que se diz apaixonada pela história do traje e que se deixa fascinar pela liberdade criativa de cada um. “Nós hoje somos livres de criar o nosso próprio estilo”, refere a artista plástica que por estes dias terá trabalhos seus expostos em Roma, Lisboa e Coimbra. “Em Itália vou estar representada, a partir de dia 24 de novembro, numa coletiva de presépios de que muito me orgulho”, refere Fátima Nina ao mesmo tempo que deixa escapar um lamento:” Desta vez deixei escapar o Porto, não tive tempo para criar uma obra especifica para a mostra”.

Esta é altura do calendário em que Fátima Nina tem mais trabalho. “Até ao fim de novembro tenho de concluir cerca de 50 presépios”, explica-nos a artista no momento em que nos serve um café no soalheiro atelier localizado nas imediações do Centro Hospitalar Cova da Beira e com vistas para o Data Center da Covilhã e para a serra da Gardunha.
“Outono significa agarrar-me ao trabalho, as pastas secam ao ar livre e as temperaturas mais frescas que no Verão permitem que o processo de secagem seja lento e eficaz”, explica-nos a artista que guarda os meses de julho e agosto para se dedicar à pintura ou para viajar até à sua segunda cidade. Lisboa.

Rendida aos campos da Beira Baixa, Fátima Nina conta-nos através da janela para a Gardunha como a paleta de cores a inspira para realizar novos trabalhos e cumprir uma agenda que a no próximo ano lhe permitirá apresentar-se numa exposição “francófona em que a figura feminina estará presente e de forma mais evidente, pois a mulher terá mais porte mas estará igualmente bela”. A par desta mostra que em princípio ocorrerá em Lisboa, Fátima Nina prepara-se para desenvolver um outro trabalho criativo em que aparecerão as telas e que terá o contributo do artista do Tortosendo Pedro Goulão Taborda.

A mostra programada para 2018 será mais uma a inscrever no percurso da artista que tem no Palácio de Rio Frio em Palmela um dos lugares onde mais gostou de expor. Mas também o Porto, onde esteve pela primeira vez em 2014, ou cidades como Sabugal, Coimbra, Lisboa e claro, a sua Covilhã! A cidade da lã e da neve que recorda como uma geografia “como um lugar povoado pelo barulho das máquinas, os cheiros e outras características especiais” das quais “não tenho saudades” pois prefere identificar-se com a UBI e a valorização das antigas unidades fabris fomentando a preservação de um património industrial a que se junta agora a arte urbana.
“Aprecio muito, descobri há pouco tempo essa riqueza e confesso que não estava à espera do que vi”, revela quem se inspira “nas árvores e nos castanheiros da Beira” para criar a árvore como escultura feminina e a copa como o rosto da mulher ou personagens do portfólio onde figuram os tradicionais presépios com São José, Nossa Senhora e os Reis Magos, ou outras obras como os Homens Forcados e Toureiros, os Bailaricos e as Rainhas de Portugal.

Nessa como em todas as obras Fátima Nina projeta a figura feminina e inspira-se na canção francesa para juntar tecidos e outra matéria-prima. No atelier podemos observar trabalhos com esfregão de arame mas também com papel de alumínio, folhas de ferro forjado, cortiça, linho em rama ou arame. À pergunta sobre como e quando decidiu enveredar pela arte de transformar matérias em aclamadas peças decorativas, Fátima solta uma contagiante gargalhada, conta-nos que começou por “precisar de fazer um presépio e uma vez que conhecia a técnica começou a fazer experiências”. Iniciou com uma Nossa Senhora, diz-se uma pessoa criativa que “gosta muito de criar formas de moda” e há mais de dez anos que se dedica afincadamente ao ofício.

Sobre a moda propriamente dita, Fátima confessa-se desligada das novas tendências mas reconhece que “há um enorme potencial de gente a criar e a fazer diferente”. “Sigo um ou outro, acompanho o fantástico Carlos Gil mas não estou em condições de analisar com sentido critico o trabalho seja de quem for”, esclarece.


Não se assume como feminista mas não se furta a elogios e odes à mulher e à condição feminina. “A mais importante, a mais bela dos seres”, vinca. Indigna-se facilmente com a desigualdade de género e «explode» quando a televisão e os jornais lhe mostram a crueldade da violência doméstica. O grau de revolta quanto à ausência de oportunidades para a generalidade das mulheres só tem paralelo com a narrativa à volta do flagelo dos incêndios que no último Verão varreu paisagens de que tanto gosta. “Um horror que me entrou pela janela e me deixou chocada e preocupada com o futuro”.

terça-feira, janeiro 02, 2018

"Rio sem Margem"

Um texto de Beatriz Nunes, vocalista dos Madredeus, torna belíssima esta interpretação da Orquestra Municipal do Fundão.

O tema incluído no alinhamento do concerto de final de ano da Orquestra Municipal do Fundão embala-nos e faz-nos sorrir para a vida.

Sob a batuta de João Roxo e com a mestria de Gil Gonçalves que de forma mágica toca a sua tuba com classe, a Orquestra Municipal do Fundão é apenas uma amostra da riqueza musical de uma pequena e localizada no interior de Portugal.

É o Fundão a dar cartas à vizinhança e a embalar-nos numa linguagem harmoniosa e cheia de boas energias para o Ano Novo de 2018.

Que seja um ano de ouro para todos!





sexta-feira, dezembro 29, 2017

Dos anos que não deixam saudades

Dizer que 2017 é um ano que não vai deixar-me saudades é quase um lugar-comum. Efetivamente os últimos doze meses, mas também os últimos anos, não me deixam saudades.

Ou seja por a morte levar muitos amigos, conhecidos e até familiares. Ou por ter cada vez maior consciência de que o mundo não é perfeito e que o país das maravilhas é apenas um sonho de Alice. Mas também por sentir que a amizade e a reciprocidade são cada vez mais substantivos femininos que não vão além do léxico.

Este é também um tempo em que a partilha e a promoção do convívio e harmonia entre pares permanecem arredados da sociedade cada vez mais tecnológica e digital e pouco dada à companhia e vivências entre pares.

Lamentos à parte, o ano que agora termina deve servir para retirarmos lições de futuro e reganharmos a força e motricidade suficientes para darmos a volta ao texto e começar de novo.

Iniciar um novo ano não significa apenas encerrar um capítulo. Significa ser capaz de aprender com os erros ou ações menos apropriadas.
Significa observar o passado, guardar as memórias boas e apagar todos os retratos e imagens que nos entristecem e deixam mais céticos.

E num ano vincadamente marcado pelo inferno dos incêndios florestais e pela insensibilidade de quem gere o território, importa sermos capazes de enterrar a fragilidade tornando-nos mais fortes e capazes reinventar modos de vida.

Reinventar também é reclamar do atores políticos ações e boas práticas que vão além da palmadinha solidária aos que no último Verão perderam familiares e amigos, observaram a fúria do fogo e viram as suas vidas reduzidas a cinzas.

Que o novo ano faça de todos nós pessoas audazes e resilientes. Que nunca nos doa a voz para dizermos que os problemas de quem perdeu vidas, trabalho e viu comprometida a economia de subsistência precisam de muito mais do que uma Unidade de Missão e Valorização do Interior.

Criar organismos, transportá-los para onde a dor é agora mais aguda, desenvolver linhas programáticas de ação é fácil. Basta dar uso ao verbo.

Mas o verbo não chega. É preciso ação.

Agir. Mudar as políticas. Criar condições para desenvolver comunidades. Promover ações que se traduzam em mecanismos reais e práticos com vista à criação de emprego, à fixação de pessoas, ao desenvolvimento harmonioso dos territórios.

Se assim for, certamente que daqui a um ano não estarei, não estaremos a despedir-nos do ano velho com um sentimento de dor e impotência face à realidade que caracterizou 2017.

O mais negro dos anos levou-nos pessoas, floresta, produção agrícola e empresas. 2017 desnudou um Estado incapaz de evitar a morte de mais de uma centena de pessoas.


É, pois, um ano que não deixa saudades.


quarta-feira, dezembro 13, 2017

A Cantata de Natal da Academia de Música do Fundão

Chegou a época natalícia e com ela os habituais concertos de Natal promovidos pela escola de ensino artístico da Santa Casa da Misericórdia do Fundão. 

Este dia as obrigações profissionais levaram-me a um desses momentos ricos de criação e execução musicais. Fi-lo com o sentido prazeroso do costume e o momento fez-me sentir mais leve e cheia de vontade de, este ano, celebrar o Natal.

A razão vai muito além do concerto. Mas não posso deixar de explicar ao leitor o quão aquelas palavras do narrador cativaram o ser fazendo-me sentir num verdadeiro ambiente de Natal.

Um sentimento, estou certa, comum às muitas pessoas que naquela noite de invernia, caracterizada por ventos ciclónicos e chuva abundante, sairam do conforto do lar e terão aquecido os corações num exemplar momento cultural e de intensa introspeção. 

No palco improvisado da igreja matriz do Fundão estavam várias dezenas de crianças de muitas idades que cantavam de forma harmoniosa e transmitiam um sentimento de invulgar amor ao Natal.

A explicação poderá estar no conteúdo da peça que aqui partilho e que muito nos fala das tradições do Natal na região da Beira Baixa. 

A Cantata de Natal da autoria de José Manuel Nunes é uma viagem imensa às tradições em louvor do Menino Jesus, da Missa do Galo e da romaria de gente à volta do Madeiro.

Realidades tão bem documentadas na Etnografia da Beira de Jaime Lopes Dias e que, em certa medida, estão na Cantata que aqui partilho.

E embora as condições técnicas do vídeo não sejam as melhores - pois não se ouvem bem as vozes do narrador, do anjo e dos Reis Magos - vale a pena escutar esta gravação. A obra em apreço engrandece o percurso da Academia de Música e Dança do Fundão onde, felizmente, a cidade do Fundão tem um dos seus melhores ativos culturais.

Fiquem com o vídeo e embrenhem-se no espírito natalício.






Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...