quarta-feira, agosto 18, 2021

Gerês 25 anos depois

A memória dos dias calmos e plenos de atividade e movimento.  É assim que caracterizo o baú de imagens e vivências de quatro dias no Gerês. Aqui onde também se ouve o sino que dá as horas, se contam as estrelas, onde o nascer ou por do sol à beira rio tem outro encanto.


Aqui onde São Bento de Porta Aberta é uma espécie de Cova da Iria, tal a afluência de devotos e turistas que chegam em viatura própria ou camionetas de passageiros, trazem a merenda, veneram o santo e transformam o santuário no reencontro anual com a fé e espiritualidade. 


É daqui, do Gerês, que levo a gratidão da vida por me permitir inspirar-me na beleza poética de cada recanto, encosta, lago ou ponto de água. Aqui onde a água é  aventura e lazer, todos querem tirar proveitos do potencial turístico das águas do rio Caldo e da Barragem. Entre gaivotas, bóias, canoas e barcos, faz-se de tudo na calmaria do curso fluvial que junta centenas de pessoas de várias línguas. 
O francês e espanhol são as línguas mais faladas nas conversas entre veraneantes que também falam português do Brasil e a língua de Camões. 
O Gerês, tal qual o conheço hoje, é absolutamente diferente do Gerês de há mais de 25 anos.  Que transformação!


Mas a genuidade dos locais não se perdeu ! Nota-se na conversa com a pessoa do café ou a vendedora de frango na brasa num qualquer lugar das Terras do Bouro. Também é notório no verbo do guia turístico com quem conversei na Portela do Homem e que encontrei dias depois na rua onde morei estes dias. Neste reencontro com a natureza dei-me conta do trabalho zeloso dos vigilantes da natureza, o ICN - instituto de conservação da natureza,  parece não ter falta de meios humanos e isso reforça a confiança de quem andou por montes e vales do Parque Nacional Peneda-Gerês.
Paisagens de cortar a respiração, floresta diversificada e de beleza ímpar.  Espécies bastante invulgares se comparadas com a realidade da nossa Gardunha ou na generalidade da flora na Estrela.  Até as casas florestais estão semi restauradas e apresentam o aspecto que a foto documenta.


 
Nestes dias de agosto, eleitos para voltar ao lugar onde fui feliz, trouxe para  companhia gente de várias idades igualmente rendida à beleza do território que é ponto de confluência de tantas pessoas.
Se há casos em que dá gosto observar a evolução da oferta turística e capacidade empreendedora dos locais, estas aldeias e vilas à volta do Gerês Termal e Verde comprovam essa aposta acertiva na exploração económica e social de uma geografia cheia de potencial.

O Gerês não é o Algarve de Portugal mas tem expressão maior no destino para descanso e lazer de tantos de nós!

quinta-feira, abril 22, 2021

Confinamento de Mulheres e outros alertas

- Acordai
Acordai
Homens que dormis
A embalar a dor
Dos silêncios vis
Vinde no clamor
Das almas viris
Arrancar a flor
Que dorme na raiz
Acordai
Acordai
Raios e tufões
Que dormis no ar
E nas multidões
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras do mar
O mundo e os corações
Acordai
Acendei
De almas e de sóis
Este mar sem cais
Nem luz de faróis
E acordai depois
Das lutas finais
Os nossos heróis
Que dormem nos covais. 



Acordai!
"Acordai" na poesia de José Gomes Ferreira e na música de Fernando Lopes Graça foi o mote inspirador para o alerta, os alertas, que a peça "Confinamento de Mulheres" apresentada, durante duas sessões, na Moagem no Fundão deixou às dezenas de espetadores que terça e quarta feira assistiram à interpretação da CIA Atma das Artes liderada pela encenadora e atriz brasileira Sílvia Lucarini.





Ao longo de três quartos de hora ouvimos canções e poemas intemporais de Florbela Espana, Miguel Torga ou Rupi Kaur numa majestosa interpretação de Ana Leonor Santos, Luísa Nunes, Liliana Passos que nos fizeram refletir sobre a vida das pessoas cuja liberdade tantas vezes é condicionada.

"A crença no poder do julgamento desvanece-se sentindo o coração", disseram alto e bom som no palco performativo de onde sobressaíram vozes de inconformismo face ao continuado abuso de mulheres e pessoas sem voz. 

Pessoas confinadas e abusadas cuja tenacidade e determinação as leva a expressar indignação e comprometimento pela liberdade de outras mulheres, homens, crianças e seres carentes de sementes transformadoras como renovada foi a sensação coletiva de inquietude face à realidade da espuma dos dias.

Foi um espetáculo libertador e introspetivo no qual não faltaram os sons da natureza, símbolos de paz e harmonia na Primavera de 2021. Ou na Primavera que há em cada gesto. 





sábado, abril 03, 2021

A Escola da Meninice

 A escola. Esse lugar mágico de aprendizagem e brincadeiras onde outrora se fizeram distinções de género. Rapazes para um lado. Raparigas para o outro. A escola do quadro preto, do globo e do mapa de Portugal com carteiras e soalho de madeira em que a professora levantava a cana para impor o respeito. 


 



Hoje revisitei essa escola. Aquela que frequentei e para a qual me dirigia, diariamente,  a pé desde o alto da Gardunha.  É verdade,  para ir à escola eu palmilhava 6 quilómetros. Metade de manhã.  Metade à tarde. Um ir e voltar com a sacola às costas, por entre pinheiros gigantes e alguns uivos. Debaixo de chuva ou de temperaturas muito baixas. Mas nada me intimidava.

No Inverno, quando os dias eram mais curtos e o clima nos presenteava com um frio de rachar, ventos ciclónicos e muita chuva, o meu pai que era o guardião do perímetro florestal de Castelo Novo, assobiava e chamava: Dulcinha, Dulcinha ! Eu respondia e continuava no carreiro até à Casa Florestal. À chegada tinha o calor da lareira e a resposta às perguntas do quotidiano.

Verbalizava as brincadeiras no pátio da escola. Os jogos, o improviso e a sensação maravilhosa de pisar o risco. Quem nunca sentiu uma enorme excitação por saber-se a fazer algo menos correto ?

No meu tempo de escola, em Castelo Novo,  havia mimosas e esconderijos entre o estabelecimento de ensino e a Capela de Santa Ana e São Joaquim.
Quando não gritávamos "aí vai alho" e subíamos para cima do vizinho, não estaríamos a fazer de burro, poderíamos estar a jogar ao lenço ou à cabra cega. Também fazíamos o jogo da macaca e os rapazes jogavam ao aro ou ao berlinde.

Tenho uma vaga ideia de tantas das nossas brincadeiras no espaço à volta da escola !
Foi dali que hoje registei o retrato da minha aldeia encravada na serra.
Ali onde a escola, a precisar de obras de conservação,  é agora um edifício devoluto e de onde extraímos apenas memórias.

Memórias da professora Beatriz, uma mulher de estatura baixa mas bastante forte e a quem era difícil mexer-se. Depois veio uma professora de Braga, chamavam-lhe a "caixa de óculos" pois tinha uma lentes bastante grossas, que mal aqueceu o lugar.
Braga ficava longe e já naqueles anos do século XX os professores andavam com a casa às costas.

Fica um breve registo da escola da minha meninice. Foi há tantos anos !

E não a recuperam? A pergunta teve como resultado um encolher de ombros. Num tempo em que tanto se mede o impacto haverá sempre quem sinta o apelo por uma intervenção.  Ou quem se questione se valerá a pena.
Traços do quotidiano na minha aldeia berço. Ali onde avistamos Espanha e Monsanto. Lá onde o silêncio é Rei e as floreiras simbolizam esperança de outras Primaveras !

sexta-feira, agosto 28, 2020

Regressar é mais fácil que ficar

Raquel Alves é  uma entre centenas de emigrantes da nova geração que seguiu o exemplo dos pais e no início da primeira década de 20 do século XXI deixou a pacata aldeia de Póvoa de Atalaia no concelho do Fundão e rumou ao estrangeiro.

Tinha 15 anos e  acreditou que  o sonho de alargar horizontes poderia concretizar-se mais perto do pai, na Suíça para onde viajou em 2003 com a mãe e os dois irmãos. No fundo tratava-se de dar seguimento à tradição familiar que começou com o avô materno. José Alves Mação esteve 20 anos em França e voltou para Portugal “à meia idade”, a neta recordou-nos os difíceis anos da década de 60 do século XX quando os portugueses se sujeitavam a qualquer trabalho mesmo que tivessem qualificações.

Os avós que “são o pilar da família” foram a maior dificuldade em deixar Portugal mas a ambição por uma vida melhor ajudaram-na a superar-se e em Bienne, perto de Berna, ambientou-se, fez novos amigos, trabalhou numa fábrica de relógios da Rolex e num salão de cabeleireira. Sentia-se realizada, apesar das dificuldades com a língua. Mas a motivação sempre foi amealhar alguns recursos e voltar ao país de origem.

Regressou em 2018 e no dia 22 de agosto de 2020 volta a fazer mas malas para começar de novo. Neste, entretanto, também viveu em Alcochete e trabalhou num call-center em Lisboa. Durante cerca de um ano, sentiu-se “uma estrangeira em Portugal, a dificuldade de reintegração e os complexos com o sotaque da língua bem como a dificuldade em compreender algumas expressões originalmente portuguesas” fizeram-na sentir-se “discriminada”.

As voltas da vida de Raquel Alves e dos filhos de seis e nove anos de idade trouxeram-na, então, de volta às raízes beirãs. “Voltar às origens sempre foi a minha maior motivação” descreveu ao JF Raquel Alves numa manhã de agosto na cidade do Fundão.

A jovem mulher que outrora tinha ficado com um nó na garganta por deixar os amigos de infância e as memórias do Externato Capitão Santiago de Carvalho (Alpedrinha) onde estudou, estava de volta mas trazia empreendedorismo e capital na bagagem.

Contrariada pela “sistemática burocracia” e “descoordenação entre serviços”, Raquel Alves respirou muitas vezes fundo até conseguir, com a ajuda dos pais, abrir no Fundão o seu salão de cabeleiro. “Abrir um negócio meu era o desafio de uma vida”, mas o sonho desta mãe de família haveria de conhecer mais que peripécias burocráticas associadas a licenças e afins. “Sou família monoparental, tantos anos depois já não conhecia as leis portuguesas, os serviços públicos nem sempre agilizavam. Valeram-me as pessoas espetaculares no aluguer e transformação do espaço”, refere a emigrante.

A antiga espingardaria que durante sete meses foi um salão de estética e cabeleireiro é hoje pouco mais que uma etapa na vida da portuguesa que está de abalada para o estrangeiro.

“Dá-me pena o trabalho que o meu pai, construtor civil, ali teve, mas vi-me obrigada a fechar o salão”, afirma quem investiu parte das economias conseguidas em 15 anos de emigração. O espaço que devido à pandemia covid 19 esteve dois meses e meio encerrado começou a perder clientela. “Tinha dias e dias sem ninguém, mesmo aos sábados, era incomportável”, desabafa meio triste meio conformada a emigrante de 32 anos.

Quando aceitou partilhar com os nossos leitores a sua história de vida, Raquel Alves falou-nos de como é ser emigrante no Portugal onde as redes sociais denotam incompreensão quanto a quem está lá fora. “Fico triste com o que leio. Nós só vimos visitar a família, não impomos nada”, refere.



Daqui a uns anos, Raquel reviverá os hábitos de criança e jovem quando em cada mês de agosto ficava ansiosa com o regresso ao país de origem. “É um sentimento indescritível a preparação do regresso, o reencontro durante a viagem com outros compatriotas. É uma emoção que à chegada à fronteira nos emociona”, conclui.

 

Regressar a Portugal com o fado no coração

 

A vida de emigrantes faz-se de regressos e partidas. Umas vezes com data marcada outras por imposição do destino. Lúcia Silva ou Lúcia Palpita como é conhecida é uma dessas pessoas que o destino obrigou a regressar à terra mãe.

Encontramo-la na semana passada numa das mais movimentadas esplanadas do Fundão. Conversava com uma amiga covilhanense sobre a aventura de deixar a Suíça e voltar à Beira Baixa.

“Estou aqui a tomar um cafezinho com uma amiga que nestas semanas me tem ajudado a resolver problemas burocráticos com a matrícula do meu filho”, começa por explicar-nos a fundanense de 45 anos.

O desabafo e contextualização do momento fazem-nos antever a dificuldade de uma emigrante que ao fim de 25 anos a trabalhar como auxiliar de limpezas regressou ao seu Fundão para cumprir o sonho maior que é cantar fado.

Na verdade Lúcia Palpita já canta e conhece o fado. Não só por causa da papelada que desde maio, quando regressou a Portugal, tem vindo a resolver, mas também porque é habitual ser convidada a mostrar o seu talento e dotes vocais em cerimónias e eventos privados.

Lúcia que estava desempregada desde 2018, devido a problemas de saúde, regressa agora ao aconchego da família de sangue para “atingir a felicidade plena”.

E para começar, iniciou esta segunda-feira uma nova experiência profissional numa fábrica de polimentos onde só não começou a trabalhar mais cedo por causa da pandemia.

O coronavírus foi, de resto, a realidade que maior impacto negativo causou na vida desta emigrante. Nem a adaptação à língua alemã foi tão traumática quanto o confinamento obrigatório ou o ensino à distância por parte do filho mais novo. “Nunca senti tanto medo, por mim e pela minha família”, diz-nos a emigrante cuja viagem de regresso a Portugal foi concretizada sob todas as medidas de proteção e segurança contra a pandemia.

Sobre os anos no estrangeiro, Lurdes Silva recorda a “beleza invulgar” do país onde “a qualidade de vida impera” e que há muito deixou de ser a galinha dos ovos de ouro.

Lúcia e Raquel são apenas dois exemplos de naturais da Bera Baixa que voaram mais longe em busca de um sonho chamado bem-estar. Entre os objetivos e a realidade há sempre obstáculos que roubam energias ou tornam as pessoas mais resilientes. Bom regresso às duas mulheres!

Dulce Gabriel

Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler na íntegra aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf

Já Tínhamos Saudades

No Verão do novo normal fomos ao encontro de emigrantes que arriscaram vir a casa num tempo de redobrada exigência sanitária. Embora a região assista a um decréscimo de presenças, o território não ficou indiferente ao calendário e até as tradições religiosas se adaptaram à pandemia.

Souvenirs e lembranças adequadas à geografia do território ou às crenças e figuras icónicas das nossas terras, objetos alusivos à saudade de quem visita o país da língua de Camões estão à vista de quem entra nos quiosques, praças e mercados ou lojas de produtos locais que por estas semanas são ponto de paragem obrigatória por parte dos inúmeros emigrantes que nos visitam.

Não tantos quanto o desejável e muito menos do que em anos normais, dizem comerciantes, transeuntes e hoteleiros que embora não tenham preparado iniciativas específicas para receber os emigrantes habituaram-se a esperar por agosto para equilibrar a faturação do ano inteiro.

Na Praça Municipal, no mercado, nas esplanadas e restaurantes das cidades, vilas e aldeias percebe-se que há mais movimento, mas “estamos aquém” de outros tempos vincam autarcas e dirigentes de organizações de comerciantes e restauração.

No ano em que as generalidades das novas gerações de emigrantes não puderam vir a Portugal para se protegerem da pandemia covid 19, encontramos algumas famílias mais jovens que desta vez vêm para estar com os pais e avós, mas não irão sair da região para, por exemplo, mergulharem na águas salgadas do mar.

É nesse contexto que os hotéis da região trabalham para “atenuar prejuízos maiores”. “Os emigrantes costumam procurar-nos, habitualmente registamos percentagens consideráveis de dormidas, 90 por cento das mesmas correspondem a portugueses com raízes na região. Vêm para ficar uma a duas noites, saem para visitar a aldeia ou concretizarem estadias fora da região e quando pensam no regresso ao estrangeiro ficam mais uma noite”.

O relato feito ao JF num dos mais antigos hotéis da cidade do Fundão não é muito diferente da realidade no único hotel de cinco estrelas da região. Com programas específicos para clientes estrangeiros e uma procura na casa dos 40 por cento, apenas 15 por cento tem estado a efetuar reservas, adiantou a relações públicas da unidade hoteleira.

A oferta turística “diferenciadora” no concelho do Fundão levou inclusivamente o município local desenvolver uma campanha intitulada “Já Tínhamos Saudades” que visa afirma o território como um “destino turístico alternativo e seguro em tempos de pandemia”, valorizando os programas e rotas enquanto elementos impactantes para a economia regional no acolhimento de turistas.

Leonardo Durão Romão de sete anos poderá ser a segunda geração da família Romão em França. Nunca ouviu falar de Aldeias Históricas nem de Aldeias do Xisto, mas sabe e diz-nos que gosta muito de vir a Portugal.



Foi exatamente no café que dá nome ao país dos pais Elisabete e Hugo que o petiz exprimiu alegria e boa disposição quanto às férias que o trazem para junto dos avós e do irmão mais velho, a viagem antecede o regresso presencial à escola francesa e significa “um tempo de enorme liberdade e celebração” sublinha Elisabete Durão, 40 anos e a residir em França desde 2008.

A mãe de família que em Portugal se dedicava à fotografia é agora proprietária de salão de estética e cabelos em Villabê a 30 quilómetros de Paris.

Também o beirão e marido, Hugo Romão se estabeleceu por conta própria em França. O casal que não tem tradição de emigração na família deixou a Beira Baixa rumo ao desconhecido, mas â parte da dificuldade em aprender a língua francesa e das saudades da família não sentiram quaisquer outros entraves na aventura de “começar do zero”. “O meu marido foi o primeiro a orientar trabalho, mês e meio depois de chegarmos também eu me ocupava como operadora de caixa num supermercado”, revela a fundanense radicada numa região onde existe uma expressiva comunidade de portugueses.

“Com dois filhos a ideia é ficarmos o mais tempo possível, mas o regresso a Portugal é algo que permanece inscrito no diário de quem se socorre dos amigos franceses para garantir a melhor retaguarda para as crianças.

Todos os anos vêm a Portugal no período do Verão e sempre que podem dão um pulinho à praia. Porto Covo poderá ser o destino de 2020, um ano atípico e sem romarias ou festivais que esta família alternava com as reuniões familiares.

A ausência de festas religiosas é bastante notada pelos compatriotas que nesta altura do ano se encontram no Interior de Portugal. Por causa da pandemia e das imposições de segurança sanitária, a componente espiritual do regresso a Portugal ficou comprometida.

No segundo e terceiro fim de semana de agosto em várias aldeias da região as numerosas procissões deram lugar a simbólicos cortejos religiosos e a missas campais com o distanciamento social necessário.

“Não é a mesma coisa, mas as devoções mantêm-se!”, asseveram os fiéis de Santo António, Anjo da Guarda ou Nossa senhora da Assunção.

José Fernando Ferreira da Silva Torres de 54 anos também de férias na região. Natural da Maia mudou-se para o Luxemburgo em 2016 e não está nada arrependido.

Começou a experiência seguindo o exemplo da primeira e segunda geração de familiares diretos que há muitos anos deixaram Portugal em busca de uma vida melhor em Angola e na França.

Bem-sucedido, José Torres conseguiu convencer a esposa e a filha mais nova a seguirem-lhe o rasto.

Chegados lá não sentiram grandes dificuldades em adaptar-se. Primeiro José que logo iniciou o percurso na área das estruturas de alumínios e vidro, setor que dominava uma vez que em Portugal também se dedicou ao ofício.

Para José um cidadão português no Luxemburgo significa juntar-se a uma comunidade respeitadora “dos direitos e apoios sociais à família, excecionalmente superiores aos obtidos em Portugal”.

“Na saúde pagamos a consulta médica, mas posteriormente a caixa nacional de saúde reembolsa-nos com 80 por cento custo”. Particularidades que fazem toda a diferença num país em que a mão de obra portuguesa é considerada “valiosa pois adapta-se com facilidade a qualquer trabalho”.



José não equaciona voltar para Portugal até porque a esposa, educadora de infância numa organização publica, também está bem e a restante família também deverá definir o futuro num país onde existem comunidades portuguesa, italiana e Cabo Verdiana e onde “não sinto que haja racismo e xenofobia”.

Para a família Torres a pandemia trouxe-lhes as regras imposições associadas à covid 19, estão ambientados quanto a uma realidade que “continua a ser negligenciada por cidadãos de todos o mundo”, embora em países como o Luxemburgo existam “fortes penalizações pecuniárias” para incumpridores de regras básicas e que dessa forma passarão a corrigir-se. “O reforço da vigilância policial foi uma das medidas para evitar uma segunda vaga de coronavírus”, acrescenta o cidadão português que no regresso ao Luxemburgo irá receber um voucher pago pelo governo local para fazer teste gratuito, tal qual aconteceu antes de virem para o Fundão.

Dulce Gabriel

Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler integralmente aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf

Gerações de Emigrantes regressam em cada Verão

A vivenda localizada no 6 da rua da Catraia em Soalheira é todos os anos em agosto o ponto de encontro das três gerações da família Lima. António e Maria José já faleceram mas os filhos e netos, futuramente também os bisnetos, seguem lhes o exemplo num tempo em que a emigração é bastante diferente da fuga para o estrangeiro a salto e em nome da necessidade. 

Emanuel Alves de 39 anos é o anfitrião deste nosso encontro com a família na freguesia de Soalheira. Natural de Vichy perto de Clermont Ferrand na França é neto da família Lima e nesta conversa de partilha com os pais Maria de São José Lucas Alves e Francisco Duarte Alves confidencia-nos que se sente um estrangeiro em Portugal, país onde reside desde os 23 anos de idade.




A história deste imigrante começa com o percurso académico que o levou à Universidade do Minho para fazer Erasmus e à Universidade da Beira Interior onde em 2004 concretizou um mestrado em economia que lhe abriu caminho a um contrato de trabalho na administração pública.

Emanuel que hoje é técnico superior no Município do Fundão sempre gostou de vir a Portugal visitar a família e conviver com os avós, mas foi o amor pela namorada que conheceu num baile de Verão que o fez repensar toda a trajetória de vida.

Hoje, casado com a professora do ensino básico e pai de duas crianças nascidas na região da Cova da Beira. Emanuel explica-nos que embora o seu adn seja francês não esqueceu as sensações dos anos em que vinha dois meses no Verão para o reencontro com avós, tios e primos. “Os cheiros e os sabores são diferentes”, admite o economista que “gostaria de manter-se em Portugal” acreditando que também as filhas “ficarão por cá para sempre”. “Uma delas fala corretamente o português e o francês”, afirma o beirão de sangue luso e mente francesa. “Sou um estrangeiro com complexos de liberdade de expressão”, confessa o irmão de Cláudia Alves que, por sua vez, vive em França e regressa a Portugal a cada mês de agosto.

“Foi um mundo novo que se abriu”

Os pais de Cláudia e Emanuel estão em França há mais de 40 anos, seguiram os passos dos progenitores de Maria de São José Lucas Alves. Atualmente passam o Inverno em França e o Verão em Portugal e na conversa com o Jornal do Fundão recordaram os tempos antigos descrevendo a emigração do novo milénio em que “as diferenças económicas se esbateram” pois atualmente os emigrantes já não deixam o país de origem com o intuito de “ir e ficar, trabalhando, reunindo recursos para fazer uma casa ou avolumar património”.

Se a primeira geração de emigrantes rasgava fronteiras para regressar à aldeia Natal e por aqui criar comodidades, a segunda geração já viaja pelo Portugal até então desconhecido fazendo férias no Algarve ou noutras paragens do território. Quanto à terceira geração, a família Alves acredita que poucos terão interesse em retornar às origens familiares. “Nunca renegarão a pátria mas não virão para a aldeia”, sintetiza Maria de São José Lucas Alves.

A matriarca da família recorda com orgulho a postura que sempre a caracterizou explicando que em França sempre fomentou a multiculturalidade e integração. “Nunca escondi a dureza das minhas origens no campo, mas também não fomentava o clubismo”. Muito embora se orgulhe do Benfica ou da Seleção Portuguesa de Futebol, Maria de São José que foi baby-sitter e empregada de balcão orgulha-se de “ensinar a língua portuguesa” às netas e às pessoas com quem se cruzou.

“Os portugueses são sempre bem acolhidos e respeitados pela seriedade e por não promovermos o conflito”, diz por seu lado Francisco Duarte Alves que emigrou mais cedo que a esposa e começou por ganhar a vida num picadeiro de cavalos”.

O serviço militar obrigatório levou para Angola, pertenceu à companhia 2783, e juntamente com outros 150 militares atuaram na guerra colonial. Mais tarde, regressado a França onde exercia funções de motorista num matadouro, conheceu a esposa com quem celebrou matrimónio em 1973. Maria de São José que desde 1972 se encontrava em França ao pé dos pais (António e Maria José Lima) bebeu do “choque cultural e político” numa cidade à altura com 30 mil habitantes.

“Foi um mundo novo que se abriu” afirma, segura e feliz ao JF no dia em que nos recebeu na Soalheira.

“O português vai atrás das raízes, onde há um português a comunidade adere”, explicam quase em uníssono os elementos do clã Alves. Sobre a Soalheira que a mãe diz ser “a terra onde nasci”, e Emanuel vinca como sendo “o local onde tudo começou”, Cláudia Alves vê-a como um lugar de “paz e serenidade” onde admite que pretende continuar a vir e ao qual as filhas estão intimamente ligadas. “A chegada do Verão é contar os dias”, afirma uma das netas mais crescida. “Quando nos aproximamos de Valladolid sentimos que as férias já começaram, os níveis de stresse abrandam e aqui chegados estamos em paz”, conclui Cláudia.

Um emigrante que é viajante no mundo

Resiliência e energia não faltam a Carlos Braz Nunes, 57 anos, natural de Silvares, emigrante desde 1988. Na verdade, o nosso interlocutor, que regressou esta semana a Portugal para as ferias de Verão, é mais que emigrante. É um cidadão do mundo que já viveu em Colónia, Eslováquia, Itália, Inglaterra e Namíbia.

Desde a Suíça de onde parte para vir a Portugal ou para longos períodos de trabalho em outros países, Carlos Nunes diz-nos que emigrou para conseguir melhores condições de vida e recursos num tempo em que ser emigrante chegava a ser “estafante”. “Hoje a vida é bastante mais calma, apesar de viajar muito entre países”, vinca o emigrante manobrador de máquinas e soldador. “O complicado é passar muito tempo sozinho e não fazer sentido ter aqui a família, pois há anos em que durmo aqui três noites”, especifica o silvarense.

Para este filho de emigrantes (os pais estiveram na França e regressaram a Portugal quando Carlos Nunes tinha 10 anos), vir a Portugal “é quase uma rotina” pois viaja até Silvares mais do que uma vez por ano por forma a estar junto da família nuclear.  “Já nem me preocupo com as malas, viajo de avião”, particulariza o cidadão que “voltaria a emigrar, mas nunca mais deixaria a família para trás”.

“A emigração continua a fazer sentido embora os tempos sejam de maior aperto e dificuldade”. “Antigamente emigrava-se para amealhar e fazer uma casa. Atualmente é mais complicado, é preciso trabalhar o casal para termos uma vida tranquila, antes disso ainda é preciso resistirmos até mantermos um contrato de trabalho definitivo”, explica-nos Carlos Nunes.

Pai de dois filhos adultos e a residirem no concelho do Fundão, Nunes esclarece que atualmente “o que se ganha aqui é só para nos mantermos”. “A Suíça não é o que se ganha é o que se paga”, adverte o cidadão.

E como são as férias de um emigrante, perguntámos. “Este ano por razões de segurança sanitária não iremos, mas habitualmente a família passa uns dias no Algarve. Também nos preparamos para o Inverno, recolhendo lenha”. Carlos, seja bem-vindo à terra encantada!

Dulce Gabriel 

Texto originalmente publicado no Suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf


quarta-feira, julho 22, 2020

“Onde houver uma pessoa tem de haver luz e esperança”



Fonte de vida das nossas aldeias e lugares, estancam por breves instantes o despovoamento. Graças ao esforço e dedicação de inúmeros carolas que fazendo dos clubes e associações uma segunda casa e ali promovem eventos que vão dando vida às sedes e ringues desportivos construídos nos anos de ouro dos fundos comunitários. É verdade que muitas dessas infraestruturas se encontram às moscas e estariam mesmo votadas ao abandono não fosse o caso de existirem aficionados do associativismo que ao fim de semana ou à hora do café, antes da missa ou em dias de futebol metem a chave na fechadura e abrem as coletividades onde se juntam as poucas pessoas que ainda residem nas aldeias do Interior. Felizmente vai havendo associações que agregam centenas de jovens, adultos e idos à volta das atividades que promovem.

O Clube de Amigos da Panasqueira, freguesia de São Jorge da Beira, é um desses pontos de encontro para a hora da bica. Tiago Silva é o rosto da esperança e do desalento. “As pessoas desinteressam-se pelas coletividades, o despovoamento é cada vez mais acentuado, somos sempre os mesmos mas nem que seja só por uma pessoa, continuamos a abrir o clube”, desabafa ao Jornal do Fundão o dirigente nascido em 1977. Saudosista dos anos de ouro da vida nas Minas da Panasqueira, quando os locais povoavam o Clube de Amigos da Panasqueira e também passavam muito tempo no Clube Recreativo da Barroca Grande. Tiago Silva ouvia contar às pessoas mais antigas que chegou a haver cinema num outro edifício agora degradado. Na Panasqueira onde residem agora cerca de meia centena de pessoas, Tiago Silva continua a sonhar com a recuperação do imóvel onde “poderíamos fazer um anfiteatro para as atividades que no Verão realizamos ao ar livre aqui no Clube”. Ideias não faltam a quem resiste no Couto Mineiro e nos diz que “onde houver uma pessoa tem de haver luz e esperança”.



Prosseguimos viagem e chegamos ao Sport Club Estrela da Pousadinha coletividade que se localiza na encosta da Serra da Estrela, no bairro da Pousadinha, pertencendo à União de Freguesias Cantar-Galo e Vila do Carvalho. Foi fundado no dia 1 de Janeiro de 1977, quando dez moradores se juntaram com o intuito de formarem uma associação que visava o “engrandecimento da cultura e do desporto. A criação desta Associação surgiu da necessidade de os naturais do Bairro da Pousadinha estabelecerem laços de convívio com as gentes oriundas de outras freguesia, nomeadamente de Verdelhos, que iam à Covilhã trabalhar nos lanifícios e por ali se encontravam. O clube que chegou a funcionar no café Estrela passou depois a ter sede social e fama pela prática de snooker, pool e pingue-pongue. Procurado por pessoas de localidades e concelhos vizinhos o Pousadinha também tem realizado torneios de futebol e futsal, torneios de malha e matraquilhos e provas de BTT. “Há dois anos deixamos o BTT pois ficava dispendioso realizar provas que juntavam mais de cem praticantes de todo o pais não se pagavam só com os subsídios”, revelou ao JF o atual presidente da direção.



António Pereira vinca ainda a importância do atletismo que nos anos 80 tinha forte adesão. Conta-nos ainda do título de Campeão Nacional de Matraquilhos na 2ª divisão e dos êxitos da equipa de damas. “A única federada no distrito”, especifica. O dirigente revela ainda a urgência em colocar piso sintético e balneários condignos no polidesportivo onde “habitualmente uma centena de miúdos e jovens praticam futsal”. Vocacionado para a mocidade e seniores o Sport Clube da Pousadinha criou um Grupo de Cantares que “realiza vinte atuações por ano”. Atualmente esta coletividade atravessa uma fase positiva, movimentando semanalmente dezenas de pessoas e reunindo cerca de 300 associados dos 10 aos 90 anos.

Da Estrela para a Gardunha é um pulinho e na serra no concelho do Fundão há um local paradisíaco cuja esplanada é dinamizada pelo Grupo Cultural Recreativo e Desportivo de Alcongosta há três anos reativado por um grupo de naturais ou residentes na freguesia. Ana Rodrigues que lidera a assembleia geral não esconde o entusiasmo quanto à coletividade como “ponto de encontro” e “espaço agregador” de pessoas de todas as idades. A sede do Clube, localizada no mesmo edifício da Junta de Freguesia e Centro de Dia da localidade só abre ao fim-de-semana. É lugar de convívio inter geracional uma vez que algumas atividades fomentam o diálogo entre associados, filhos, avós e netos. Embora não desenvolvam atividades federadas, Ana Rodrigues recua aos anos 90 do século XX elencando os torneios de futebol de cinco e o atletismo como atividades marcantes no percurso da coletividade com 42 anos de existência.


A coletividade que já foi Clube Académico de Alcongosta deu continuidade à história desportiva da freguesia que nos anos 30 acolheu os primeiros jogos de futebol contra aldeias vizinhas. Nos anos 60, Alcongosta teve, aliás, uma equipa de futebol cuja identificação - "Estrelas Vermelhas"- fazia jus à terra da cereja.
Memória que a atual equipa diretiva gosta de perpetuar envolvendo-se na dinâmica de grupo. Pedro Nunes, Patrícia Fernandes, Telma Rolão, São Henriques ou André Reis estão entre os atuais dirigentes que em nome do convívio e vida na freguesia arregaçam as mangas para o que for preciso. Além da abertura da sede social e das iniciativas ao ar livre no bar junto à Casa Florestal de Alcongosta, organizam torneios e caminhadas. Não há muito tempo remodelaram a sede social “desde o pavimento à eletricidade”, a mão-de-obra foi dos dirigentes e sócios que no Verão ocuparam o tempo livre na exploração do bar na serra e na aplicação dessas verbas na melhoria da sede social. Que nunca lhes faltem as boas energias!

Originalmente publicado no Suplemento JF Comunidade do Jornal do Fundão de dia 16 julho 2020 



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