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terça-feira, março 06, 2018

Na Rota do Património Azulejar da Covilhã

A cidade da lã e da neve, atualmente mais conhecida pelo roteiro de arte urbana é também um destino obrigatório para o contacto com o património azulejar. Certo dia a repórter apanhou a boleia do Museu Arte Sacra na Covilhã e descobriu paisagens de azulejos que merecem uma visita.



A viagem poderá iniciar-se nas proximidades do Museu Arte Sacra, ao jardim público, e se preferir recorrer àquela unidade museológica poderá ter a sorte de se cruzar com Carlos Madalena, pois o coordenador da estrutura é das pessoas que melhor conhece o património azulejar da Covilhã. Voltando ao percurso, a igreja de Nossa Senhora da Conceição que foi um claustro do Convento de São Francisco datado do século XVI entusiasma o visitante uma vez que os azulejos em tons de azul e as imagens de cariz religioso facilmente se apegam ao olhar. Ali nas proximidades, existe o Palacete Jardim desenhado pelo arquiteto e projetista Ernesto Korrodi, edificado em 1915, que apresenta painéis de azulejo característicos do “naturalismo e arte nova” cuja paisagem bucólica nos retém.

No edifício que nos transporta para a Vila Hortênsia em Leiria já moraram o Inatel da Covilhã e o Tribunal do Trabalho. O percurso não sinalizado mas que haverá de constituir o Roteiro Azulejar da Covilhã prossegue por becos e ruelas da Covilhã antiga onde é bastante comum encontrar uma linguagem azulejar cuja o fabrico vem da fábrica de Constância. Também não é difícil cruzarmo-nos com outros exemplares de toponímia cujo azulejo é inspirado na olaria do pintor e ceramista Leopoldo Batistini. Neste particular destaque-se a beleza impar da sinalética de azulejo esculpida nas paredes de algumas edificações com a indicação do nome das ruas cujos titulares são quase sempre figuras associadas à memória coletiva dos covilhanenses e ao património imaterial da urbe.



Mas o património azulejar que em muitas das artérias da Covilhã antiga entronca na Rota da Arte Urbana também é uma espécie de motivação para ir amiúde aos locais onde estão alguns serviços públicos e de proximidade. Por certo que as implicações de uma ida à Autoridade das Condições do Trabalho é rapidamente minimizada pela beleza do imóvel datado da primeira metade do século XX e cujo azulejo foi recolocado e preservado. Uma vez ali chegados, facilmente nos rendemos aos “azulejos catequéticos e outros de natureza decorativa” que nos transportam para realidades históricas e pedagógicas.

Mas também há azulejos modernos como um mural na sede do Sindicato Têxtil da Beira Baixa que foi pensado pelos alunos e professores da escola Campos Melo. E há ainda edifícios que se apresentam engalanados “com grinaldas e outras formas geométricas e florais coloridas” igualmente atraentes ao olhar e que logo nos transportam para “a arte nova” do azulejar. O edifício residencial da Rua Cristóvão de Castro ou o da rua Conselheiro Santos Viegas são apenas dois dos exemplares.



E aqui entram as casas particulares e a memória visual de um passeio em fevereiro último faz lembrar a habitação desenhada pelo arquiteto Raúl Lino e cujos painéis com motivos religiosos e de apego à tradição familiar são uma construção da fábrica Lusapo de Coimbra. Também existem nas várias artérias da cidade azulejos originários da fábrica Carvalhinho no Porto. 

Ao rol juntam-se ainda os exemplares da fábrica Aleluia de Aveiro cujos conjuntos mais vistosos são a frontaria azulejada da igreja de Santa Maria ou a majestosa entrada da antiga Empresa Transformadora de Lãs. Aliás, é da mesma “fornada” o conjunto azulejar localizado na rua Marquês D´Ávila e Bolama ao pé da Universidade da Beira Interior o qual nos indica a porta de acesso à serra da Estrela e inúmera um conjunto de motivos de interesse para o visitante.

A arte azulejar que é “a arte ornamental mais expressiva em Portugal” e cujo fabrico iniciado em Portugal no século XVI é um património que importa conhecer e preservar também é visível quando o visitante se rende à beleza e perfil ímpares da obra de Sousa Araújo cujas particularidades do seu traço justificam procura obrigatória” diz Carlos Madalena que tem dificuldade em indicar um percurso especial pois os azulejos “estão espalhados por toda a cidade”. Ainda assim o responsável pelo Museu Arte Sacra da Covilhã considera que o “Palacete Jardim é o mais representativo bem como a Antiga Transformadora de Lãs a que se junta a imagem de Nossa Senhora da Conceição na rua Marquês d´Ávila e Bolama, precisamente da autoria de Sousa Araújo”.



Quanto ao futuro a autarquia pretende iniciar o inventário azulejar do concelho da Covilhã por forma a criar uma estratégia de defesa e valorização do património azulejar do território. As intenções de projeto  foram partilhadas no decurso das várias iniciativas que colocaram o foco cultural na valorização de um património que motivou a ida à Covilhã da diretora do projeto SOS Azulejo e cuja partilha e ensinamentos ajudarão a criar uma estratégia de valorização e divulgação do azulejo.

Este artigo foi originalmente por mim escrito e publicado na edição de 1 de março de 2018 do Jornal do Fundão.



segunda-feira, janeiro 08, 2018

Uma artista Inspiradora

Volto hoje ao verbo para partilhar com os leitores a boa notícia do reconhecimento da artista plástica Fátima Nina.

Natural e residente na Covilhã, Fátima Nina foi hoje galardoada em Roma com o prémio melhor presépio estrangeiro.
Um prémio pela obra apresentada no decurso da exposição colectiva de presépios que decorreu de Novembro até dia 7 de janeiro na capital italiana.

A mostra organizada Rivista delle Nazioni, reuniu mais de centena e meia de obras de artistas de Itália e do resto do mundo. O presépio de Fátima Nina integrou o conjunto dos 41 conjuntos apresentados por criadores de fora de Itália e valeu à designer de moda a participar na "Exposição Internacional 100 Presépios" e trazer para Portugal um troféu de que muito se orgulha.

A artista que expôs em Itália a convite da Embaixada de Portugal na Santa Sé apresentou um presépio de cores vivas e concretizado a partir de tecidos especiais.

Fátima Nina é uma mulher bastante inspiradora. Em novembro do ano passado tive o grato gosto de a entrevistar para o meu programa "Porque Hoje é Domingo" na Rádio Cova da Beira e já nessa altura a expectativa da artista era eladíssima.


De resto, é com gosto que aqui recupero o texto jornalístico que escrevi para o Jornal do Fundão, também em novembro último, sobre uma das pessoas mais criativas que conheço.

Aqui está



Fátima Pereira Nina tem uma relação umbilical com a arte. Sempre gostou muito de formas, cores e tecidos. É uma artista plástica que iniciou o percurso em Lisboa quando se licenciou em designe de moda. Viveu em Paris e voltou à cidade berço para desenhar modelos para coleções de uma empresa de lanifícios. Os tecidos e a moldagem dos mesmos continuam a fazer parte da vida desta covilhanense que ama a sua terra e se inspira nas suas paisagens e na canção francesa para criar.

“Se os filhos de Adão tocaram, os da Covilhã sempre cardaram”. A frase está inscrita no painel dedicado aos lanifícios que se encontra no hotel “Pura Lã” na Covilhã. A obra assinada pela designer e artista plástica Fátima Pereira Nina é “um memorando complexo todo feito com lã e fios e que através de oito painéis nos transporta até à paisagem das ribeiras, da pastorícia, dos teares ou das chaminés das fábricas”. A obra constitui um dos mais recentes trabalhos da nossa convidada para a rubrica “Um Café Com”.

Desta vez o ponto de encontro é o atelier da covilhanense Fátima Pereira Nina, uma artista plástica conhecida sobretudo pela vasta obra dedicada aos presépios e à mulher. O trabalho a partir do movimento escultural da mulher, o feminino a partir de folhas de árvores ou de ouriços são os motivos mais conhecidos da obra da artesã que se diz apaixonada pela história do traje e que se deixa fascinar pela liberdade criativa de cada um. “Nós hoje somos livres de criar o nosso próprio estilo”, refere a artista plástica que por estes dias terá trabalhos seus expostos em Roma, Lisboa e Coimbra. “Em Itália vou estar representada, a partir de dia 24 de novembro, numa coletiva de presépios de que muito me orgulho”, refere Fátima Nina ao mesmo tempo que deixa escapar um lamento:” Desta vez deixei escapar o Porto, não tive tempo para criar uma obra especifica para a mostra”.

Esta é altura do calendário em que Fátima Nina tem mais trabalho. “Até ao fim de novembro tenho de concluir cerca de 50 presépios”, explica-nos a artista no momento em que nos serve um café no soalheiro atelier localizado nas imediações do Centro Hospitalar Cova da Beira e com vistas para o Data Center da Covilhã e para a serra da Gardunha.
“Outono significa agarrar-me ao trabalho, as pastas secam ao ar livre e as temperaturas mais frescas que no Verão permitem que o processo de secagem seja lento e eficaz”, explica-nos a artista que guarda os meses de julho e agosto para se dedicar à pintura ou para viajar até à sua segunda cidade. Lisboa.

Rendida aos campos da Beira Baixa, Fátima Nina conta-nos através da janela para a Gardunha como a paleta de cores a inspira para realizar novos trabalhos e cumprir uma agenda que a no próximo ano lhe permitirá apresentar-se numa exposição “francófona em que a figura feminina estará presente e de forma mais evidente, pois a mulher terá mais porte mas estará igualmente bela”. A par desta mostra que em princípio ocorrerá em Lisboa, Fátima Nina prepara-se para desenvolver um outro trabalho criativo em que aparecerão as telas e que terá o contributo do artista do Tortosendo Pedro Goulão Taborda.

A mostra programada para 2018 será mais uma a inscrever no percurso da artista que tem no Palácio de Rio Frio em Palmela um dos lugares onde mais gostou de expor. Mas também o Porto, onde esteve pela primeira vez em 2014, ou cidades como Sabugal, Coimbra, Lisboa e claro, a sua Covilhã! A cidade da lã e da neve que recorda como uma geografia “como um lugar povoado pelo barulho das máquinas, os cheiros e outras características especiais” das quais “não tenho saudades” pois prefere identificar-se com a UBI e a valorização das antigas unidades fabris fomentando a preservação de um património industrial a que se junta agora a arte urbana.
“Aprecio muito, descobri há pouco tempo essa riqueza e confesso que não estava à espera do que vi”, revela quem se inspira “nas árvores e nos castanheiros da Beira” para criar a árvore como escultura feminina e a copa como o rosto da mulher ou personagens do portfólio onde figuram os tradicionais presépios com São José, Nossa Senhora e os Reis Magos, ou outras obras como os Homens Forcados e Toureiros, os Bailaricos e as Rainhas de Portugal.

Nessa como em todas as obras Fátima Nina projeta a figura feminina e inspira-se na canção francesa para juntar tecidos e outra matéria-prima. No atelier podemos observar trabalhos com esfregão de arame mas também com papel de alumínio, folhas de ferro forjado, cortiça, linho em rama ou arame. À pergunta sobre como e quando decidiu enveredar pela arte de transformar matérias em aclamadas peças decorativas, Fátima solta uma contagiante gargalhada, conta-nos que começou por “precisar de fazer um presépio e uma vez que conhecia a técnica começou a fazer experiências”. Iniciou com uma Nossa Senhora, diz-se uma pessoa criativa que “gosta muito de criar formas de moda” e há mais de dez anos que se dedica afincadamente ao ofício.

Sobre a moda propriamente dita, Fátima confessa-se desligada das novas tendências mas reconhece que “há um enorme potencial de gente a criar e a fazer diferente”. “Sigo um ou outro, acompanho o fantástico Carlos Gil mas não estou em condições de analisar com sentido critico o trabalho seja de quem for”, esclarece.


Não se assume como feminista mas não se furta a elogios e odes à mulher e à condição feminina. “A mais importante, a mais bela dos seres”, vinca. Indigna-se facilmente com a desigualdade de género e «explode» quando a televisão e os jornais lhe mostram a crueldade da violência doméstica. O grau de revolta quanto à ausência de oportunidades para a generalidade das mulheres só tem paralelo com a narrativa à volta do flagelo dos incêndios que no último Verão varreu paisagens de que tanto gosta. “Um horror que me entrou pela janela e me deixou chocada e preocupada com o futuro”.

quarta-feira, novembro 27, 2013

Tratamento para abusadores sexuais precisa-se

“Sexo, Crianças e Abusadores” é o título de um livro que resulta da realização de uma investigação clínico-forense, no âmbito da conclusão do Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UBI. Um trabalho de Filipa Carrola que entre 2010 e 2011 se dedicou a uma investigação que ajuda a avaliar “a personalidade e saúde mental” do sujeito abusador.
O documento com prefácio de Barra da Costa (profiler criminal) poderá ser um contributo para a compreensão e promoção de acções de acompanhamento e cura dos abusadores sexuais. Por outro lado, a tese de mestrado ajuda a “desmistificar a confusão que existe na sociedade entre pedofilia e abuso sexual de crianças, e os mitos que criam um imagem estereotipada acerca do crime de abuso sexual de crianças, abusadores e crianças”. 
No âmbito do estudo foram ouvidos em contexto prisional “62 abusadores sexuais de crianças” que cumprem pena nos estabelecimentos prisionais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Carregueira. No trabalho de campo a jovem investigadora ouviu ainda “63 sujeitos da população normativa, que foram avaliados em termos da sua personalidade e saúde mental, através da aplicação de dois instrumentos de avaliação psicológica (entenda-se, questionários). Para complementar o estudo e melhor caracterizar a amostra foi também aplicado a todos os sujeitos de ambos os grupos um breve questionário sócio-demográfico. Após a análise estatística concluiu-se que a média de idades dos abusadores sexuais foi “de 44 anos, sendo que 53,22% destes sujeitos tinha idade igual ou inferior a 45 anos. No que respeita à escolaridade, 48,38% dos abusadores estudados tinham escolaridade equivalente ao 2.º/3.º ciclos do ensino básico, 40,32% tinham escolaridade igual ou inferior ao 1.º ciclo do ensino básico e 11,29% tinham escolaridade igual ou superior ou ensino secundário”. Por outro lado, os abusadores em causa pertencem a “vários estratos socio-económicos e as suas competências sociais e culturais são variáveis. É um grupo heterogéneo psicologicamente afectado, pois ao nível da personalidade tinham dificuldade em identificar e gerir emoções”. São tendencialmente hostis e negativistas. Estão associados a problemas de alcoolismo e a um sub mundo quantas vezes criado pelos próprios e com base nas “fantasias e vícios” de cada um.
Filipa Carrola entrevistou cada um dos abusadores e em nenhum momento sentiu desconforto. Ainda assim sublinha a tentativa de cada um dos abusadores em justificar o injustificável. “Muitas vezes disseram que foram seduzidos pela vítima. Mas o relato mais marcante foi o de um jovem abusador que me disse ser o Messias e encarnando uma pessoa teria de dar carinho e afecto permanente às crianças”.
Apreensiva com o retrato dos abusadores, Filipa Carrola deseja que o seu trabalho académico abra caminho “ao tratamento dos abusadores evitando o crescimento das taxas de reincidência e protegendo mais as crianças”. A investigadora, natural da Covilhã, referiu ao JF ser imperioso “contrariar a ideia de que a prisão é o único tratamento penal para estes sujeitos, pois muitas vezes saem mais perigosos”. À semelhança do que acontece com os condenados por violência doméstica, em Portugal não há uma estratégia de tratamento dos criminosos/condenados. Filipa Carrola lembra a Convenção dos Direitos da Criança em que os todos os países se comprometem a legislar para prevenir todas as formas de violência sexual e a prevenção está também no tratamento, alerta! Ainda assim, sublinhe-se que em Portugal existe nos Estabelecimentos Prisionais de Paços de Ferreira, Carregueira e Funchal um programa de acompanhamento de abusadores sexuais mas cujos resultados práticos são desconhecidos. “Em 2011 pensou-se dar continuidade ao programa fora do contexto da cadeia”, conclui. Da investigação, que permitiu a Filipa Corrola um brilhante 19, resultou a publicação de um artigo numa revista de Criminologia no Brasil e dois capítulos na revista Portuguesa de Psicologia. Continuar o trabalho académico de investigação nesta área é o próximo passo da autora do livro “Sexo, Crianças e Abusadores, que se propõe tirar o Doutoramento e desenvolver as suas competências no acompanhamento dos abusadores sexuais. 

Publicado no Jornal do Fundão de 14 de Novembro de 2013

segunda-feira, novembro 18, 2013

Desinvestimento na cultura ameaça um bem essencial

Fernando Sena o actor que é director e fundador de uma companhia de teatro que é um exemplo de resistência à interioridade e à ausência de uma maior aposta na produção cultural. ”Sou contra a menorização da cultura”.


Fernando Sena, director do Teatro das Beiras, fundador da associação que deu origem à companhia profissional de teatro. O GICC- Grupo de Intervenção Cultural da Covilhã, fundado em 1974, e onde foi actor e encenador. Foi um dos mentores de um projecto cultural ecléctico, que à época era único na Beira Interior, pioneiro no combate ao analfabetismo. Na conversa realizada na sede da companhia, Fernando Sena recordou os primeiros passos de um projecto que assume como parte integrante da sua vida e elege a profissionalização da companhia como o marco mais importante do projecto. O primeiro espectáculo foi logo em 1975, mas a associação tinha uma intervenção multifacetada. “Muito antes de se falar de analfabetismo, dinamizámos a alfabetização e houve quem tenha feito o exame da quarta classe, após as aulas aqui realizadas”. A realização em Agosto de O acto na Montanha, permitindo a troca de experiência e aperfeiçoamento de conhecimento no teatro e outras artes foi, durante dez anos, outro doa marcos da companhia. Resistir “às inúmeras dificuldades criadas ao teatro e à cultura” tem sido a estratégia. Aos parcos apoios financeiros que desde sempre marcaram o apoio à produção cultural - ao contrato de financiamento assinada em 2009 com a Direcção Geral das Artes, sucederam-se cortes que em 2013 chegaram aos 70% - junta-se a interioridade. “Quando fizemos o primeiro festival, um camião com os cenários demorava nove horas na viagem desde Lisboa à Covilhã. Hoje as viagens são menos demoradas mas a vida das companhias no interior continua financeiramente muito complicada. Seja pelo desinvestimento do Estado, seja pelo encerramento de serviços. Sem elementos catalisadores decresce a população”. Apesar dos contratempos Sena orgulha-se da panóplia de espectáculos realizados. “Mais de duas mil e duzentas produções em 39 anos, uma centena de espectadores por sessão”. Contestando o aparente divórcio entre o público e o teatro, Fernando Sena sublinha o decréscimo de espectadores também no cinema e questiona se “esse divórcio com a cultura não será, antes, um reflexo da formação das pessoas e da sociedade em geral”. Ou no resultado da perda de poder de compra! Quanto à estratégia de produção a aposta recai em nomes universais (Moliére e Goldoni) e “textos acessíveis”. Trabalhamos para o grande público e também para as crianças. Também produzimos espectáculos a partir de textos mais herméticos” mas que “têm uma grande qualidade e que pertencem a autores de renome mundial”. Enriquecem a oferta da companhia profissional que ao longo dos anos apresentou “quase 90 produções próprias”. Actualmente o Teatro das Beiras tem em cena o espectáculo de Dário Fou, “Pagar aqui Ninguém Paga”, que tem tido boa receptividade do público mas “infelizmente não tem havido condições para fazermos circular mais peças a nível nacional”. Embora a região e o país disponham actualmente uma rede de - e infra-estruturas culturais a verdade é que de há “quatro ou cinco anos a esta parte fazem-se menos espectáculos e digressão”. Enaltecendo o plano de recuperação de cine-teatros nas capitais de distrito, Fernando Sena elogia a estratégia do então Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho) mas lamenta que a construção de novos equipamentos (um por concelho) não tenha sido acompanhada pela contratação de bons programadores. “A maioria das salas encontra-se distante da actividade para a qual foi construída. Não estando abandonadas, são salas sem uma oferta regular de produção profissional”. A recuperação do Teatro Municipal da Covilhã que deverá ser uma das apostas do novo executivo do Município da Covilhã, merece um alerta: “Espero que não se comentam erros idênticos aos realizados pelo país em que se gastaram milhões de euros em salas com problemas técnicos de todo o tipo. A programação deverá ser adequada à cidade e não a preferência de uma ou duas pessoas”. O Teatro das Beiras está a fazer 39 anos, a caminho vem o Festival de Teatro, que nasceu em 1980 como Ciclo de Teatro de Outono, antevê-se uma programação cultural à altura da credibilidade da companhia. Actualmente reúne seis actores residentes, sonha com um espaço “mais digno para a apresentação de espectáculos”. “Trabalhamos com muito bons actores que não beneficiando do mediatismo das telenovelas são muito profissionais”. Embora a televisão seja um enorme meio de difusão de actores, Fernando Sena queixa-se de que “ao nível do espectáculo televisivo, não existe oferta de teatro. Nem na televisão pública! Mas a mediocridade não se fica pela oferta das estações privadas, a pública que é suportada por todos nós actua com a mesma ligeireza”, afirma. Em tom critico, lembra o ”país da compra e vende-se que esqueceu a cultura. Para mim a cultura faz parte da vida como um bem essencial”.

Publicado no Jornal do Fundão em Outubro de 2013

domingo, novembro 17, 2013

Da UBI para o mundo da moda

Priscila Borges Franco, mestre em Design de Moda pela Universidade da Beira Interior apresentou a sua colecção Primavera/Verão 2014 no Portugal Fashion. O convite surgiu depois de ter ganho o concurso Portuguese Fashion News/Modtissimo. Natural do Brasil a jovem que se apaixonou pela Covilhã ruma a Edimburgo na Escócia para fazer o doutoramento em sensores têxteis incorporados.

A conversa decorreu no Serra Shopping da Covilhã um dia depois de Pritt (nome artístico) de 31 anos ter vivido uma das mais importantes experiências no mundo da moda. Mostrar as suas criações no palco dos novos talentos do Portugal Fashion. Na véspera de apanhar voo de regresso ao Brasil a jovem designer de moda partilhou com o JF a aventura de casar e viver ao lado da sua cara-metade numa cidade com menos 650 mil habitantes que Uberlândia no estado de Minas Gerais. Nada que a tenha transtornado pois a ideia de um povoado junto à serra da Estrela sem movimento nem diversão rapidamente caiu por terra e o casal vê a Covilhã como um território próspero e cosmopolita. “A Covilhã já foi um centro económico importantíssimo para Portugal e embora tenha perdido alguma dessa influência, carrega uma história valiosa em tudo idêntica à de muitos Portugueses que conseguiram grandes feitos e descobertas”, afirma a jovem estudante que nos dois anos em que viveu na Beira Interior não esqueceu de conhecer a terra do descobridor Pedro Álvares Cabral. Foi na Covilhã que se desenvolveu toda a estratégia de participação em iniciativas que pudessem abrir horizontes no mundo da moda. Pritt participou com mais duas colegas da UBI num concurso europeu em França que lhe permitiu conhecer gente de toda a Europa, e nessa altura constatou que a UBI é conhecida no estrangeiro. Nessa altura teve a primeira oportunidade de mostrar a sua capacidade de trabalhar a lã e o burel. “Estando na serra da Estrela fui a Manteigas ver uma exploração de burel e por lá inspirei-me no pastor, criei duas peças de burel, um tecido excelente para desenvolver um vestido longo de cerimónia e um outro conjunto prêt à porter para o dia-a-dia baseado na realidade da calça larga do guardador de gado mais o colete e o boné. Foi uma experiência muito enriquecedora trabalhar a lã cardada e no burel”, conclui Pritt. “Agradeço à Universidade da Beira Interior por todo o apoio e incentivo que recebi nestes dois anos que aqui estive. A universidade foi fundamental para expandir os meus conhecimentos e horizontes e com este desfile, no maior evento de moda de Portugal, recebo o reconhecimento público de toda a formação que aqui adquiri”, salienta a designer que, no último fim-de-semana, mostrou as suas coordenadas na Passerellle Bloom do Portugal Fashion. Na passadeira para estreantes Priscila Franco apresentou conjuntos para a próxima Primavera/Verão cujas fotos foram imediatamente publicados no site da prestigiada Vogue. Mas chegar ao Portugal Fashion implicou a realização de outros trabalhos, vencendo outras provas de fogo. Foi assim há um ano no Modtissimo no Porto, uma exposição técnica onde as empresas de Portugal e do estrangeiro mostram tecidos dando oportunidade a novos designers. “A organização vai às universidades em busca dos melhores e através da UBI pude participar, na edição de Outubro de 2012, com o trabalho para os desfiles e outras provas. Fiquei em primeiro lugar com um trabalho vanguardista dedicado ao tema Galáxia XXI. A ideia foi criar algo diferenciado num tecido às riscas e num outro tecido de xadrez pouco recto. Um vestido de alças longo e no qual todas as riscas se encontraram. Criei ainda um casaco inspirado nos discos voadores com várias camadas, uma espécie de ovni com várias linhas à volta da nave”. O primeiro lugar permitiu à designer entrar directamente no espaço novos talentos do Portugal Fashion e um prémio de 300 euros que foi o valor atribuído pelo Modtissimo à criação vencedora. Pritt começou a estudar moda aos vinte e sete anos mas está orgulhosa de ter partilhado a passerelle dos novos talentos com outros designer que estão “a desabrochar para a fama”. Na alfândega do Porto apresentou, então, oito coordenadas às quais atribuiu o nome de “Colecção Ogive”, inspirada nas formas ogivais que estão presentes na arquitetura de estilo gótico. “Com esta inspiração simples, a coleção surgiu com curvas sensuais e fortes, marcando a feminilidade de uma mulher jovial, urbana e que gosta de estar elegante, com um toque de sportswear”. As cores da colecção são marcadamente claras e traduzem a jovialidade da mulher, que carregando muitas responsabilidades, é uma personagem alegre. De resto, a nacionalidade tropical da criadora, traduz-se na utilização de cores vivas nas colecções. Foi uma jovem de ADN contagiante aquela que tomou café connosco. Pritt leva na bagagem toda a experiência académica que a UBI lhe proporcionou mas também um coração cheio de memórias de uma Covilhã cujo “património deveria ser conservado”. E dá o exemplo do palacete junto ao Jardim Público da cidade como um dos “mais bonitos edifícios onde apetece morar”. Chegou à Covilhã com uma mão à frente e outra atrás mas leva uma mala cheia de recordações e o sonho de voltar a Portugal para desenvolver as suas competências em empresas como a Paulo de Oliveira ou a Penteadora e conhecer melhor os estilistas Carlos Gil e Miguel Gigante.

Publicado no Jornal do Fundão de 31 de Outubro de 2013

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...