No Verão do novo normal fomos ao encontro de emigrantes que arriscaram vir a casa num tempo de redobrada exigência sanitária. Embora a região assista a um decréscimo de presenças, o território não ficou indiferente ao calendário e até as tradições religiosas se adaptaram à pandemia.
Souvenirs e lembranças adequadas à geografia do território ou às crenças e figuras icónicas das nossas terras, objetos alusivos à saudade de quem visita o país da língua de Camões estão à vista de quem entra nos quiosques, praças e mercados ou lojas de produtos locais que por estas semanas são ponto de paragem obrigatória por parte dos inúmeros emigrantes que nos visitam.
Não tantos quanto o
desejável e muito menos do que em anos normais, dizem comerciantes, transeuntes
e hoteleiros que embora não tenham preparado iniciativas específicas para
receber os emigrantes habituaram-se a esperar por agosto para equilibrar a
faturação do ano inteiro.
Na Praça Municipal, no mercado,
nas esplanadas e restaurantes das cidades, vilas e aldeias percebe-se que há
mais movimento, mas “estamos aquém” de outros tempos vincam autarcas e
dirigentes de organizações de comerciantes e restauração.
No ano em que as
generalidades das novas gerações de emigrantes não puderam vir a Portugal para
se protegerem da pandemia covid 19, encontramos algumas famílias mais jovens
que desta vez vêm para estar com os pais e avós, mas não irão sair da região
para, por exemplo, mergulharem na águas salgadas do mar.
É nesse contexto que os
hotéis da região trabalham para “atenuar prejuízos maiores”. “Os emigrantes
costumam procurar-nos, habitualmente registamos percentagens consideráveis de
dormidas, 90 por cento das mesmas correspondem a portugueses com raízes na
região. Vêm para ficar uma a duas noites, saem para visitar a aldeia ou
concretizarem estadias fora da região e quando pensam no regresso ao
estrangeiro ficam mais uma noite”.
O relato feito ao JF num
dos mais antigos hotéis da cidade do Fundão não é muito diferente da realidade
no único hotel de cinco estrelas da região. Com programas específicos para
clientes estrangeiros e uma procura na casa dos 40 por cento, apenas 15 por
cento tem estado a efetuar reservas, adiantou a relações públicas da unidade
hoteleira.
A oferta turística “diferenciadora” no concelho
do Fundão levou inclusivamente o município local desenvolver uma campanha
intitulada “Já Tínhamos Saudades” que visa afirma o território como um “destino
turístico alternativo e seguro em tempos de pandemia”, valorizando os programas
e rotas enquanto elementos impactantes para a economia regional no acolhimento
de turistas.
Leonardo Durão Romão de sete anos poderá ser a
segunda geração da família Romão em França. Nunca ouviu falar de Aldeias
Históricas nem de Aldeias do Xisto, mas sabe e diz-nos que gosta muito de vir a
Portugal.
Foi exatamente no café que dá nome ao país dos
pais Elisabete e Hugo que o petiz exprimiu alegria e boa disposição quanto às
férias que o trazem para junto dos avós e do irmão mais velho, a viagem
antecede o regresso presencial à escola francesa e significa “um tempo de
enorme liberdade e celebração” sublinha Elisabete Durão, 40 anos e a residir em
França desde 2008.
A mãe de família que em Portugal se dedicava à fotografia
é agora proprietária de salão de estética e cabelos em Villabê a 30
quilómetros de Paris.
Também o beirão e marido, Hugo Romão se
estabeleceu por conta própria em França. O casal que não tem tradição de
emigração na família deixou a Beira Baixa rumo ao desconhecido, mas â parte da
dificuldade em aprender a língua francesa e das saudades da família não
sentiram quaisquer outros entraves na aventura de “começar do zero”. “O meu
marido foi o primeiro a orientar trabalho, mês e meio depois de chegarmos
também eu me ocupava como operadora de caixa num supermercado”, revela a
fundanense radicada numa região onde existe uma expressiva comunidade de
portugueses.
“Com dois filhos a ideia é ficarmos o mais
tempo possível, mas o regresso a Portugal é algo que permanece inscrito no
diário de quem se socorre dos amigos franceses para garantir a melhor retaguarda
para as crianças.
Todos os anos vêm a Portugal no período do
Verão e sempre que podem dão um pulinho à praia. Porto Covo poderá ser o
destino de 2020, um ano atípico e sem romarias ou festivais que esta família
alternava com as reuniões familiares.
A ausência de festas religiosas é bastante
notada pelos compatriotas que nesta altura do ano se encontram no Interior de
Portugal. Por causa da pandemia e das imposições de segurança sanitária, a
componente espiritual do regresso a Portugal ficou comprometida.
No segundo e terceiro fim de semana de agosto
em várias aldeias da região as numerosas procissões deram lugar a simbólicos
cortejos religiosos e a missas campais com o distanciamento social necessário.
“Não é a mesma coisa, mas as devoções mantêm-se!”,
asseveram os fiéis de Santo António, Anjo da Guarda ou Nossa senhora da
Assunção.
José Fernando Ferreira da Silva Torres de 54
anos também de férias na região. Natural da Maia mudou-se para o Luxemburgo em
2016 e não está nada arrependido.
Começou a experiência seguindo o exemplo da
primeira e segunda geração de familiares diretos que há muitos anos deixaram
Portugal em busca de uma vida melhor em Angola e na França.
Bem-sucedido, José Torres conseguiu convencer a
esposa e a filha mais nova a seguirem-lhe o rasto.
Chegados lá não sentiram grandes dificuldades
em adaptar-se. Primeiro José que logo iniciou o percurso na área das estruturas
de alumínios e vidro, setor que dominava uma vez que em Portugal também se
dedicou ao ofício.
Para José um cidadão português no Luxemburgo
significa juntar-se a uma comunidade respeitadora “dos direitos e apoios
sociais à família, excecionalmente superiores aos obtidos em Portugal”.
“Na saúde pagamos a consulta médica, mas
posteriormente a caixa nacional de saúde reembolsa-nos com 80 por cento custo”.
Particularidades que fazem toda a diferença num país em que a mão de obra
portuguesa é considerada “valiosa pois adapta-se com facilidade a qualquer
trabalho”.
José não equaciona voltar para Portugal até
porque a esposa, educadora de infância numa organização publica, também está
bem e a restante família também deverá definir o futuro num país onde existem
comunidades portuguesa, italiana e Cabo Verdiana e onde “não sinto que haja
racismo e xenofobia”.
Para a família Torres a pandemia trouxe-lhes as
regras imposições associadas à covid 19, estão ambientados quanto a uma
realidade que “continua a ser negligenciada por cidadãos de todos o mundo”,
embora em países como o Luxemburgo existam “fortes penalizações pecuniárias”
para incumpridores de regras básicas e que dessa forma passarão a corrigir-se.
“O reforço da vigilância policial foi uma das medidas para evitar uma segunda
vaga de coronavírus”, acrescenta o cidadão português que no regresso ao Luxemburgo
irá receber um voucher pago pelo governo local para fazer teste gratuito, tal
qual aconteceu antes de virem para o Fundão.
Dulce Gabriel
Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler integralmente aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf