Raquel Alves é uma entre centenas de emigrantes da nova geração que seguiu o exemplo dos pais e no início da primeira década de 20 do século XXI deixou a pacata aldeia de Póvoa de Atalaia no concelho do Fundão e rumou ao estrangeiro.
Tinha 15 anos e acreditou que o
sonho de alargar horizontes poderia concretizar-se mais perto do pai, na Suíça
para onde viajou em 2003 com a mãe e os dois irmãos. No fundo tratava-se de dar
seguimento à tradição familiar que começou com o avô materno. José Alves Mação
esteve 20 anos em França e voltou para Portugal “à meia idade”, a neta
recordou-nos os difíceis anos da década de 60 do século XX quando os
portugueses se sujeitavam a qualquer trabalho mesmo que tivessem qualificações.
Os avós que “são o pilar da família” foram a
maior dificuldade em deixar Portugal mas a ambição por uma vida melhor
ajudaram-na a superar-se e em Bienne, perto de Berna, ambientou-se, fez novos amigos, trabalhou numa fábrica de relógios da
Rolex e num salão de cabeleireira. Sentia-se realizada, apesar das dificuldades
com a língua. Mas a motivação sempre foi amealhar alguns recursos e voltar ao país
de origem.
Regressou em 2018 e no dia 22 de agosto de 2020
volta a fazer mas malas para começar de novo. Neste, entretanto, também viveu
em Alcochete e trabalhou num call-center em Lisboa. Durante cerca de um
ano, sentiu-se “uma estrangeira em Portugal, a dificuldade de reintegração e os
complexos com o sotaque da língua bem como a dificuldade em compreender algumas
expressões originalmente portuguesas” fizeram-na sentir-se “discriminada”.
As voltas da vida de Raquel Alves e dos filhos
de seis e nove anos de idade trouxeram-na, então, de volta às raízes beirãs.
“Voltar às origens sempre foi a minha maior motivação” descreveu ao JF Raquel
Alves numa manhã de agosto na cidade do Fundão.
A jovem mulher que outrora tinha ficado com um
nó na garganta por deixar os amigos de infância e as memórias do Externato
Capitão Santiago de Carvalho (Alpedrinha) onde estudou, estava de volta mas
trazia empreendedorismo e capital na bagagem.
Contrariada pela “sistemática burocracia” e “descoordenação
entre serviços”, Raquel Alves respirou muitas vezes fundo até conseguir, com a
ajuda dos pais, abrir no Fundão o seu salão de cabeleiro. “Abrir um negócio meu
era o desafio de uma vida”, mas o sonho desta mãe de família haveria de
conhecer mais que peripécias burocráticas associadas a licenças e afins. “Sou
família monoparental, tantos anos depois já não conhecia as leis portuguesas,
os serviços públicos nem sempre agilizavam. Valeram-me as pessoas espetaculares
no aluguer e transformação do espaço”, refere a emigrante.
A antiga espingardaria que durante sete meses
foi um salão de estética e cabeleireiro é hoje pouco mais que uma etapa na vida
da portuguesa que está de abalada para o estrangeiro.
“Dá-me pena o trabalho que o meu pai,
construtor civil, ali teve, mas vi-me obrigada a fechar o salão”, afirma quem
investiu parte das economias conseguidas em 15 anos de emigração. O espaço que
devido à pandemia covid 19 esteve dois meses e meio encerrado começou a perder
clientela. “Tinha dias e dias sem ninguém, mesmo aos sábados, era
incomportável”, desabafa meio triste meio conformada a emigrante de 32 anos.
Quando aceitou partilhar com os nossos leitores
a sua história de vida, Raquel Alves falou-nos de como é ser emigrante no
Portugal onde as redes sociais denotam incompreensão quanto a quem está lá
fora. “Fico triste com o que leio. Nós só vimos visitar a família, não impomos
nada”, refere.
Daqui a uns anos, Raquel reviverá os hábitos de
criança e jovem quando em cada mês de agosto ficava ansiosa com o regresso ao
país de origem. “É um sentimento indescritível a preparação do regresso, o
reencontro durante a viagem com outros compatriotas. É uma emoção que à chegada
à fronteira nos emociona”, conclui.
Regressar a Portugal com o fado no coração
A vida de emigrantes faz-se de regressos e
partidas. Umas vezes com data marcada outras por imposição do destino. Lúcia
Silva ou Lúcia Palpita como é conhecida é uma dessas pessoas que o destino
obrigou a regressar à terra mãe.
Encontramo-la na semana passada numa das mais
movimentadas esplanadas do Fundão. Conversava com uma amiga covilhanense sobre
a aventura de deixar a Suíça e voltar à Beira Baixa.
“Estou aqui a tomar um cafezinho com uma amiga
que nestas semanas me tem ajudado a resolver problemas burocráticos com a
matrícula do meu filho”, começa por explicar-nos a fundanense de 45 anos.
O desabafo e contextualização do momento
fazem-nos antever a dificuldade de uma emigrante que ao fim de 25 anos a
trabalhar como auxiliar de limpezas regressou ao seu Fundão para cumprir o
sonho maior que é cantar fado.
Na verdade Lúcia Palpita já canta e conhece o fado.
Não só por causa da papelada que desde maio, quando regressou a Portugal, tem
vindo a resolver, mas também porque é habitual ser convidada a mostrar o seu
talento e dotes vocais em cerimónias e eventos privados.
Lúcia que estava desempregada desde 2018,
devido a problemas de saúde, regressa agora ao aconchego da família de sangue
para “atingir a felicidade plena”.
E para começar, iniciou esta segunda-feira uma
nova experiência profissional numa fábrica de polimentos onde só não começou a
trabalhar mais cedo por causa da pandemia.
O coronavírus foi, de resto, a realidade que
maior impacto negativo causou na vida desta emigrante. Nem a adaptação à língua
alemã foi tão traumática quanto o confinamento obrigatório ou o ensino à
distância por parte do filho mais novo. “Nunca senti tanto medo, por mim e pela
minha família”, diz-nos a emigrante cuja viagem de regresso a Portugal foi
concretizada sob todas as medidas de proteção e segurança contra a pandemia.
Sobre os anos no estrangeiro, Lurdes Silva
recorda a “beleza invulgar” do país onde “a qualidade de vida impera” e que há
muito deixou de ser a galinha dos ovos de ouro.
Lúcia e Raquel são apenas dois exemplos de
naturais da Bera Baixa que voaram mais longe em busca de um sonho chamado
bem-estar. Entre os objetivos e a realidade há sempre obstáculos que roubam
energias ou tornam as pessoas mais resilientes. Bom regresso às duas mulheres!
Dulce Gabriel
Texto originalmente publicado no suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler na íntegra aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf