segunda-feira, agosto 20, 2018

Os Amigos dos nossos filhos são nossos filhos também


Receber os amigos dos meus filhos, ter a casa cheia de pessoal, observá-los e recordar tempos idos é das vivências mais interessantes da fase adulta ou da meia-idade. Dei comigo a pensar nisto ao amanhecer deste domingo. Horas depois de a Leonor ter recolhido aos seus aposentos acomodando no seu quarto mais cinco pessoas.
Na véspera pedira à tia os colchões que eu e a Helena chegámos a utilizar nas nossas aventuras de solteiras quando o montanhismo era hobby de fim-de-semana. Além dos acolchoados colchões a diva - assim se caracteriza a jovem Leonor quando tenta autorização do pai para mais um convívio fora de horas ou uma renovada ida à cidade -, também cuidou de garantir reforços alimentares e alguns sumos para a verdadeira ceia. Uma ceia antecedida de longos banhos de piscina sob a lua de agosto.
Apesar da imaturidade, os nossos adolescentes são gente prevenida e do género, quem vai para o mar avia-se em terra. Assim, de cada vez que a Leonor, mas também o João, se prepara para promover mais um convívio, certifica-se de que nada faltará aos convivas. Quantas vezes enquanto família de acolhimento somos o táxi na “devolução” da miudagem aos pais! Fazemo-lo com gosto e até alguma dedicação. Há um ditado que nos diz que quem meu filho cuida minha alma adoça, logo temos por hábito cuidar dos amigos dos nossos filhos como sendo nossos filhos, também!

A adolescência e juventude dos nossos filhos é o tempo em que eles fazem novas amizades. O amigo do amigo que conheceram em registo educativo ou na prática desportiva dentro das quatro linhas. Muitas dessas amizades cujo crescimento se reforça nas experiências fora da escola ficam para a vida. É como se os afetos até então focados nos primos e na cumplicidade de sangue ganhassem novos contornos e semeassem um novo jardim de partilha.
É nesta altura que também nós, os adultos, iniciamos um novo tempo de vivências e observação. Por um lado sentimos o orgulho de os nossos filhos crescerem, tornando-se autónomos. Começam a afirmar-se pelos bons e menos bons motivos. Sobressai-lhes o modo de ser e de pensar. Às vezes condizentes com a nossa linha de orientação, noutras alturas o registo fica distante da “doutrina” que lhe fomos incutindo. Criam-se então as barreiras ou reforçam-se os laços de compreensão e cumplicidade entre gerações. Às vezes há uma espécie de conflito entre pares. Mas tudo se resolve graças á tolerância de pessoas e ao amor incondicional de pais.
É também nesta fase que perdemos o controlo dos passos delas e deles. Aquela coisa da mãe galinha, a mania de “impingir” os filhos dos nossos amigos aos nossos filhos e o “polícia” que há em nós ganha novos contornos. Embora nos mantenhamos vigilantes já não impomos. Ou já não conseguimos impor.

Embora nos assalte uma catadupa de perguntas sobre quem é quem, de onde vem e quem são os pais ou o que fazem, rapidamente deixamos cair o questionário evitando o rótulo de coscuvilheiras ou metediças. Isto é válido, sobretudo, para as mães. Os homens fazem menos filmes e confiam mais.
São estes estados de alma misturados com a alegria de receber os amigos dos meus filhos que comprovam a capacidade do ser humano em se adaptar às novas realidades. Aqui continuamos ao lado deles, e delas, para, mediante as nossas possibilidades e forças, continuarmos a dedicar-nos aos filhos.
Os nossos descendentes dão mais vida à pacatez dos dias quando nos enchem a casa de gente. É tão bom vê-los correr e saltar, mergulhar na piscina ou acantonar na nossa geografia privativa!
No fundo, eles seguem os nossos passos e vivências. O tempo em que as férias grandes eram passadas na aldeia dos nossos avós e os mergulhos eram na ribeira ou na charca mais próxima. Depois havia as festas de Verão. E a juventude reunia-se para o baile improvisado.
Os meus verões eram na serra da Gardunha e mais tarde na aldeia de Castelo Novo. Na montanha as férias grandes eram sinónimo de guardar as cabras e banhar-me nas águas gélidas do tanque localizado entre os cedros e a casa florestal.
Quando havia turistas e crianças os meus dias ganhavam outra alegria e às vezes cantávamos ao desafio. Já na aldeia, o Verão trazia as idas à ribeira e as infindáveis conversas na rua com as pessoas da minha idade que moravam em Lisboa e no Verão voltavam a Castelo Novo.

Memórias. E que memórias guardarão a Leonor, o João e o Francisco deste tempo em que o nosso habitat recebe jovens e adolescentes de outras latitudes?

sexta-feira, junho 01, 2018

Cem Anos e uma Vida Feliz


Apresento-vos a centenária Maria de Lourdes Videira. Nasceu na cidade mais alta, veio para o Fundão ainda bebé e completa no dia 3 de junho 100 anos. Uma centena de anos de uma vida feliz. Contou-me no dia em que me recebeu em sua casa, no centro da cidade do Fundão, para gravarmos a conversa que passará na Rádio Cova da Beira, no programa “Porque Hoje é Domingo” exatamente à mesma hora em que na igreja matriz do Fundão decorrerá a eucaristia que assinalará o centenário de Lurdinhas Paulouro.



“Lurdinhas” pela dedicação que familiares e amigos têm para com a viúva de Armando Paulouro, o militar com que Maria de Lourdes Videira se casou depois de 26 anos de namoro à distância. “O meu marido passou muitos anos nos Açores e umas vezes queria casar, outras nem tanto. Escrevia-me muitas cartas de amor, mais do que eu!”. Descreve Lourdes Videira que embora não tenha adotado o nome da família Paulouro, é conhecida de todos os fundanenses como Lourdes Paulouro.

Na conversa divertida e intimista na sala de estar de um apartamento na rua Vasco da Gama, Lourdes Videira confessa-nos que gostaria de ter sido atriz. “Eu quando via o palco, corria para lá e só me imaginava ali a demonstrar o que eu gostava de fazer. Mas eu tinha uma vida muito presa. Não gostava de deixar os meus pais sozinhos e também não tive grandes oportunidades de estudar”, revela-nos ainda quem abriu no Fundão o primeiro colégio privado para as crianças. No entanto, o mesmo deixou de existir quando chegaram ao Fundão as Irmãs Franciscanas que criaram na Misericórdia um outro colégio que praticava “preços mais baixos” e lhe acabou com o projeto, descreve.

Além da educação infantil baseada na pedagogia de João de Deus Ramos *, Lourdes Paulouro desenvolveu, até aos 70 anos, um percurso profissional em boa parte foi dedicado ao combate à tuberculose. “Quando as Freiras me acabaram com o colégio, havia muitas famílias com tuberculose e Monsenhor Santos Carreto**, convidou-me para trabalhar no Dispensário de Tuberculose”. “Ajudei muitas famílias. Nos anos cinquenta ia às barracas dos ciganos dar injeções e fazer inquéritos para avaliar a evolução do surto da doença nas Minas da Panasqueira e na Covilhã”, explicou quem também exerceu funções de assistente social e reportava “diretamente ao diretor geral de saúde”.

Entusiasmada com as memórias de uma vida sempre “bastante ativa” a minha entrevistada orgulha-se de ter tido “a melhor nota – 16 valores – do seu ano no bacharelato de ação social”. Ao mesmo tempo lamenta não ter podido inscrever-se na licenciatura por “questões económicas”.

É única viva das três filhas do casal Emília Castro e Silva e João Videira. Com o sorriso contagiante que todoa a gente lhe reconhece, Maria de Lourdes conta ainda que o seu pai, “enquanto militar foi o único português que deu um duplo salto numa cerimónia oficial para a Rainha Dona Amélia”.  

O percurso de vida da viúva de Armando Paulouro, que durante vários mandatos foi secretário de sucessivas mesas administrativas da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, cruza-se com a vida moderna da Misericórdia e do Hospital do Fundão onde chegou a trabalhar quando o serviço local de Luta Contra a Tuberculose passou para a alçada do Hospital local.

Uma vida de bem-fazer que cedo começou a desenhar-se pois aos doze anos, “quando ainda estudava num colégio na Guarda, um Missionário que foi visitar-nos perguntou se alguém se voluntariava para o acompanhar em África. Coloquei-me em cima de uma cadeira e ofereci-me para ir, mas era uma criança”, esclarece.

Diante a atenção da sobrinha Ana Emília Junqueiro que assiste à conversa, Maria de Lourdes socorre-se da memória fotográfica das muitas vivências e lugares emblemáticos do seu Fundão: O cinema Gardunha, o colégio de Santo António (onde conheceu o amor da sua vida) ou o Casino Fundanense dos bailes e outros encontros cujas lembranças vivenciadas povoam a conversa que durou mais de duas horas.

Já no final da gravação da entrevista sugeriu que a sobrinha me ofertasse um exemplar da revista satírica “O Mundo Ri” que durante anos foi desenvolvida por Armando Paulouro, José Vilhena e Simões Nunes. A publicação cujo número 103, datado de novembro de 1960, está agora na minha biblioteca custava 4$00 escudos.  



Certamente que a revista que perturbava a PIDE continuará a fazer parte das leituras de quem gosta imenso de ler. Camões está entre os clássicos mas hoje em dia lê  “livros mais leves” – terminou agora a leitura de “Fellini na Praça Velha”, da autoria de seu sobrinho Fernando Paulouro Neves.

O dia de Maria de Lourdes começa de manhã com as rotinas normais de quem gosta de vestir “toaletes que me fiquem e façam sentir bem”. “Vou sempre almoçar fora de casa e todos os dias tomo chá ou café com as minhas amigas. Não gosto de estar em casa”, confirma.

Autónoma e saudável, “só vai ao médico quando é obrigada”, escreve e lê sem precisar de óculos. Não sabe o que são diabetes, colesterol elevado ou tensão arterial irregular e diz-nos que o segredo é “estar sempre bem”.

E ficará ainda melhor quando este domingo presenciar na festa surpresa do centenário de nascimento um punhado de amigos, sobrinhos, sobrinhos netos e alguns bisnetos.

Será um momento inesquecível. Como inesquecível foi o pedaço da tarde de dia 31 de maio de 2018, o dia da gravação de uma conversa que reforça a ideia de bondade, pluralidade e modernidade da senhora Maria de Lourdes Videira.

*João de Deus Ramos era filho do pedagogo e poeta João de Deus e de D. Guilhermina Battaglia Ramos. João de Deus Ramos é  autor, entre outras, das seguintes obras sobre pedagogia: Reforma da Instrução Primária, 1911; A Reforma do Ensino Normal, 1912; O Estado Mestre Escola e a Necessidade das Escolas Primárias Superiores, 1924; A Criança em Portugal antes da Educação Infantil, 1940 – in Wikipédia
** Monsenhor Santos Carreto foi Sacerdote e Reitor do Seminário do Fundão

terça-feira, abril 10, 2018

Caderno de Viagem


Breve apontamento sobre um passeio à geografia de uma parte de Trás-os-Montes. Do Fundão a Bragança vinte anos de depois poderia ser o subtítulo do texto que se segue.

Maria do Céu Tomé tem 90 anos e mora em Marialva. Na manhã solarenga de finais de março, Sexta-feira Santa, Maria abeirou-se dos convivas e logo ali deixou sinais de ser uma boa conversadora. Uma anciã cheia de amor à terra e às lendas daquela Aldeia Histórica de Portugal. Não fosse a necessidade de cumprir horário e o Dia Santo teria sido preenchido a ouvir as suas lendas e tradições à volta de Marialva.




Marialva não é só o belíssimo castelo do século XII. À volta daquele Monumento Nacional assim classificado desde 1978 contam-se histórias de personagens que experienciaram vivências inigualáveis. No interior das muralhas são visíveis edifícios históricos como a antiga Casa da Câmara ou o Pelourinho. Também podemos observar o vale que constitui a Meseta Ibérica e imaginar-nos numa repetida caminhada de descoberta do território.

A redescoberta de Trás-os-Montes foi a motivação para a viagem e a experiência, mais de 20 anos depois de lá ter estado, permitiu-me descobrir que em Pocinho, a caminho de Vila Nova de Foz Côa, além da belíssima vista sobre o rio Douro podemos ter o primeiro contacto com o Centro de Alto Rendimento do Pocinho (CARP). Provavelmente uma infraestrutura concretizada no tempo em que jorravam milhões da Europa que depois eram aplicados em equipamentos sem utilidade.
Pensei.
Mas não! 

O CARP da autoria do arquiteto Álvaro Andrade é propriedade do Município de Vila Nova de Foz Côa e foi inaugurado em 2016. Localizado nos socalcos da paisagem a 500 metros do Douro, o CARP já recebeu estágios de várias seleções internacionais de remo e canoagem e a sua construção junta-se às mais-valias turísticas e de lazer de um território onde as Gravuras Rupestres do Vale do Côa e a beleza do Douro Vinhateiro são ativos de enorme projeção.
Não tirei fotos mas neste sítio o leitor encontra testemunhos e uma lista de prémios atribuídos ao equipamento. http://www.car-pocinho.pt/index.php/testemunhos



A viagem prossegue e já em Vila Flor faz-se uma nova paragem, desta vez para almoçar e conhecer as Tradições Quaresmais da vila localizada no distrito de Bragança. Na terra onde também se fazem bons concertos e espetáculos de teatro, o Centro Cultural Vila Flor sobressai mas é na Igreja Matriz que o coração se emociona pois os altares daquele templo de estilo barroco fazem lembrar a Igreja Matriz de Castelo Novo, Aldeia Histórica de Portugal mas na Beira Baixa.




Deixamos Vila Flor debaixo de uma chuva de neve mas com o estômago aconchegado no restaurante Piripiri. Ali os nacos de febras, o bacalhau e o polvo à lagareiro deixavam antever o que o cardápio nos reservaria para as refeições seguintes.

Estávamos na Rota da Terra Fria Transmontana, Rio de Onor fora um dos destinos seguintes. Mas antes é revelante registar o nome das aldeias de Bragança onde pernoitámos, combatemos o frio e alimentámos a alma. Babe e Gimonde. Dormimos na primeira, almoçámos e jantámos na segunda. Se o conforto do TER- Turismo em Espaço Rural de um antigo juiz lá do burgo é indesmentível também é verdade que as refeições fartas e baratas - mas também pouco diversificadas – enriquecem este Caderno de Viagem.




Aquelas postas, o cordeiro na brasa e o vinho da casa ao qual se juntava um digestivo servido como se fosse um shot ficarão para sempre na memória dos jovens e adolescentes que, esperam os adultos, voltarão à geografia transmontana daqui a uns anos.
Pode ser que daqui a duas décadas, seguindo o exemplo das cotas, providenciem o passeio!

Talvez nesse hipotético regresso, os nossos filhos e sobrinhos encontrem turistas de outras latitudes ou até uma nova geração de transmontanos a falar-lhes de referências do nosso Fundão que vão além da cereja, das cerejeiras em flor ou do resort Alambique de Ouro, de que nos falaram sempre que a malta dizia de onde partira.

A gente fica orgulhosa de ouvir falar bem da nossa terra! Das nossas marcas e da geografia que nos acompanha dentro e fora do sopé da Gardunha.

Vamos e voltamos de peito cheio. E na bagagem trazemos postais e ideias feitas sobre boas iniciativas que os nossos governantes poderiam replicar aqui pela Cova da Beira.

Macedo de Cavaleiros foi o destino de Domingo de Páscoa. Na hora de retemperar energias e redefinir a rota de regresso ao nosso Fundão parámos num acolhedor café e nos “Dez Manos” encaminharam os viajantes para um requintado restaurante que por instantes nos faz acreditar que estaríamos num qualquer estabelecimento de restauração parisiense.




E não estávamos enganados pois “A Brasa” aconchegou o estômago, aqueceu o coração, alumiou o caminho e fez-nos acreditar no sonho. 
O glamour tomou conta do espaço e dos inúmeros comensais que saíram dali felizes e cheios de vontade de voltar para degustar a bochecha confitada com creme de vinho tinto ou uma daquelas sobremesas de autor que merece um brinde final com champanhe da casa e um viva à criatividade gastronómica e simpatia do chef de sala.

A refeição do primeiro dia de abril foi também um momento de reflexão sobre um passeio que muito bem combina com o meu hastag “o interior faz bem”!
Terminava a viagem de três dias a uma parte do Portugal profundo que os decisores políticos abandonam mas que os turistas de todo o lado - estrangeiros também! - admiram e recomendam.
É extremamente enriquecedor observar como as comunidades locais se adaptam à nova realidade e exigências.

Miranda do Douro é um desses lugares de visitação. Povoado por centenas de turistas, Terra de Miranda, que chegou a ser habitada por Romanos,  é uma cidade que no Sábado de Aleluia tinha o comércio tradicional cheio de clientes e onde foi possível conhecer a belíssima Sé Catedral ou a Igreja da Misericórdia.
Todo o casco urbano se assemelha a um gigantesco museu ao ar livre e naquele fim-de-semana decorria uma Feira de Doçaria e Produtos Locais que nos fez ficar com água na boca, dançar e abrir a carteira.




Daquele território que o Município local caracteriza como “Património Natural Cultural” trouxemos postais e vivências que podem inspirar as nossas comunidades beirãs.

É bom quando assim acontece! É bom quando o nosso Caderno de Viagem vai muito além da comparação com o nosso quotidiano.




terça-feira, março 13, 2018

“O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram”

Carlos  Gil está a viver mais um momento importante na sua badalada carreira de estilista. O êxito que caracterizou a sua sexta participação na Semana da Moda Feminina em Milão junta-se ao reconhecimento a que já nos habituou quer pela presença habitual em eventos de moda como o Portugal Fashion e Moda Lisboa quer pelo apreço que as suas coleções vão granjeando em Paris ou no Dubai. 

Um percurso igualmente traduzido em títulos honoríficos e de mérito como a comenda da Ordem Infante D.Henrique que lhe foi conferida em 2015 pela presidência da República ou a Medalha de Mérito Municipal do Fundão que lhe foi entregue pela Câmara Municipal. Realidades e factos que em nada alteram o modo de ser e estar do criador de moda que não se compromete com o futuro mas olha para o horizonte com a mesma garra que caracteriza o percurso iniciado num tempo em que abrir um atelier de moda numa cidade do interior de Portugal era um risco. 

Eis, pois, o perfil de alguém que não convive bem com a fama mas admite ser um “embaixador de Portugal” no exigente e competitivo universo da moda. A partir do seu atelier damos a conhecer a caminhada de quem aproveita as deslocações a Londres, Nova Iorque, Paris ou Milão para momentos de “estudo e introspeção pessoal” com vista a novas coleções e desafios.


Entre a semana da Moda Feminina em Milão que decorreu em fevereiro e o Portugal Fashion que terá lugar no dia 17 de março em Lisboa vai quase um mês mas o estilista fundanense Carlos Gil ainda está a digerir o êxito que a coleção “Twenty four Hours ” alcançou junto da imprensa internacional que acompanhou o desfile que congrega  “o maior número de holofotes” para a moda. "Foi a primeira vez" que as apostas de Carlos Gil tiveram tão expressiva visibilidade nos jornais e revistas de moda estrangeiras confessou ao Jornal do Fundão o designer de quem se fala. “Eu sabia que um dia este reconhecimento haveria de chegar só não sabia quando”, revela-nos o criador que faz dois desfiles por ano em Milão. 

Um sonho que começou a desenhar-se há quatro anos quando se encontrava de férias no Dubai e recebeu um telefonema do então presidente do Portugal Fashion que lhe disse «Carlos não sei onde está mas vai ter de vir para ir a Milão, esta é a sua oportunidade». Passado uma semana estava no Fundão para preparar uma coleção já com foco em Milão. “Planificar uma coleção obriga-me a desnudar de tudo, desde preconceitos a estatutos e propor-me ao que é mais básico: Mostrar o que é bonito, o que toda a gente vai gostar. Mas combinar novidade com elegância e conforto exige um equilíbrio enorme. Nas minhas coleções não há um desequilíbrio provocativo pois eu não procuro o bizarro para provar aos media que existe moda ou que existe a marca Carlos Gil”.

“A marca Carlos Gil destina-se a um target de pessoas que gostam de moda. É feita para mulheres que gostam de ser elegantes e se apresentam na vida com uma postura muito própria. Têm de se sentir confortáveis. Nas minhas coleções gosto de sobrepor e jogar com as cores, gosto muito de contrates”. O preto e vermelho que caracterizam a imagem da marca “dão aquela sensação de bem-estar mal estando, porque o preto dá-nos conforto e dá-nos paz e o vermelho acrescenta-lhe imenso vigor e energia positiva”, descreve o estilista.

Carlos Gil recebeu-nos no seu atelier na avenida da liberdade no Fundão no último sábado. No laboratório de moda do senhor comendador o ambiente é primaveril. Na loja são visíveis os modelos da próxima estação e além disso o jardim interior transporta - nos para a magia floral e verdejantes dos dias que aí vêm.
Logo depois do Portugal Fashion em Lisboa, Carlos Gil cumprirá um dos objetivos da sua carreira de 19 anos de estilista. Em parceria com a arquiteta Inês Gavinho abrirá, dentro de semanas, a primeira loja em nome próprio.Trata-se de um conceito que junta moda e arquitetura pois eu sou um apaixonado por arquitetura de exteriores e interiores. Quando me propõem essa parceria com a arquiteta Inês Gavinho que irá trabalhar com várias outras marcas como a «Boca do Lobo» que tem um estatuto internacional no designe de mobiliário só pode ser um desafio imenso”, sintetiza.

A conversa flui e a forma como Carlos Gil recebe a reportagem do JF faz desta edição de "Um Café com," uma partilha de particularidades do nosso interlocutor. Poucos saberão da devoção de Carlos Gil a Nossa Senhora. “Não sou pessoa de ir à missa com frequência mas sou bastante crente e não entro no atelier sem dar um beijo a Nossa Senhora como não entro em casa sem dar um beijo ao meu Menino Jesus”, diz quem tem a imagem da Virgem Mãe à vista de todos os que visitem o seu atelier. No mesmo espaço cheio de luz e com janela para a serra da Gardunha também está a Medalha de Prata de Mérito Municipal. Carlos Gil tem muito orgulho no seu Fundão, cidade que lhe “dá imensa paz de espírito”. 

Embora tenha nascido em Moçambique há quase 50 anos, Carlos Gil não renega a sua geografia de afetos e a paisagem, onde não consegue passar despercebido, é o lugar que o inspira e onde tem as amarras para continuar a dar passos ponderadamente seguros. "Quando há 30 anos disse à família que queria tirar um curso de moda foi de uma coragem muito grande. Um individuo do interior ser reconhecido pelas grandes revistas estrangeiras da especialidade é uma grande coragem. Não é para todos e se pessoas anónimas um dia se inspirarem em mim isso deixar-me á satisfeito”, verbaliza.

Carlos Gil é um perfeccionista e orgulha-se de utilizar sempre matéria-prima de primeira qualidade. "Valorizo imenso o pormenor, o interior de cada peça pois o que está em causa é o nome Carlos Gil". Por outro lado a responsabilidade de representar o seu país não pode defraudar as entidades que confiaram no meu trabalho. "E óbvio que quando sou convidado para fazer um desfile na Polónia, no Dubai ou em Paris não é só o meu nome que está em jogo mas sim o meu país", vinca. Um modo de ser e estar que também é válido para as suas clientes. “Não costumo impor-me mas de forma simples e educada eu explico a uma cliente que se vai de lantejoulas às nove da manhã como é vai a uma festa à noite de calças de ganga! Para cada situação há um compromisso de rigor para que essa pessoa se apresente bem vestida”, explica-nos quem facilmente consegue criar empatia com as suas clientes. “Procuro sempre o melhor modelo para que se sintam inteiras em qualquer circunstância”. 

Um modo de argumentação que encaixa na perfeição na coleção outono inverno 2018/2019 cujas coordenadas se adaptam a quaisquer momentos da mulher mãe e dona de casa ou da mulher executiva e poderosa.  Um “trabalho coletivo” vinca o estilista que se emociona quando fala da dedicação e empenho dos seus colaboradores. Carlos Gil acompanha de forma minuciosa a confeção de todas as peças que saem do atelier. “Nada se faz sem os meus olhos”, acrescenta o empresário que tem na esposa Carla Neto a retaguarda que o projeto de criação, conceção e comercialização exigem. À equipa de sete pessoas que trabalham no Fundão juntam-se mais seis pessoas que a partir de Milão e de Lisboa cuidam da exportação e comunicação da marca.

À mesa do café que gentilmente nos serviu, vem à baila o despovoamento do interior e a tenacidade de quem alavanca uma marca a partir do Fundão. “O Interior está a morrer porque os governos não o valorizaram de forma eloquente” acusa. "Enquanto não tivermos um governo que olhe para a região, que foi altamente prejudicada ao longo de dezenas de anos, permitindo que uma franja populacional de pessoas de valor se mantenha onde tudo é mais difícil, continuaremos a ser poucos”, afirma quem chega a pagar “mil euros de portagem por mês”, dada a necessidade de desenvolver a sua atividade entre o Fundão e Lisboa.

Texto originalmente escrito e publicado na edição de 8 de março de 2018 do Jornal do Fundão


terça-feira, março 06, 2018

Na Rota do Património Azulejar da Covilhã

A cidade da lã e da neve, atualmente mais conhecida pelo roteiro de arte urbana é também um destino obrigatório para o contacto com o património azulejar. Certo dia a repórter apanhou a boleia do Museu Arte Sacra na Covilhã e descobriu paisagens de azulejos que merecem uma visita.



A viagem poderá iniciar-se nas proximidades do Museu Arte Sacra, ao jardim público, e se preferir recorrer àquela unidade museológica poderá ter a sorte de se cruzar com Carlos Madalena, pois o coordenador da estrutura é das pessoas que melhor conhece o património azulejar da Covilhã. Voltando ao percurso, a igreja de Nossa Senhora da Conceição que foi um claustro do Convento de São Francisco datado do século XVI entusiasma o visitante uma vez que os azulejos em tons de azul e as imagens de cariz religioso facilmente se apegam ao olhar. Ali nas proximidades, existe o Palacete Jardim desenhado pelo arquiteto e projetista Ernesto Korrodi, edificado em 1915, que apresenta painéis de azulejo característicos do “naturalismo e arte nova” cuja paisagem bucólica nos retém.

No edifício que nos transporta para a Vila Hortênsia em Leiria já moraram o Inatel da Covilhã e o Tribunal do Trabalho. O percurso não sinalizado mas que haverá de constituir o Roteiro Azulejar da Covilhã prossegue por becos e ruelas da Covilhã antiga onde é bastante comum encontrar uma linguagem azulejar cuja o fabrico vem da fábrica de Constância. Também não é difícil cruzarmo-nos com outros exemplares de toponímia cujo azulejo é inspirado na olaria do pintor e ceramista Leopoldo Batistini. Neste particular destaque-se a beleza impar da sinalética de azulejo esculpida nas paredes de algumas edificações com a indicação do nome das ruas cujos titulares são quase sempre figuras associadas à memória coletiva dos covilhanenses e ao património imaterial da urbe.



Mas o património azulejar que em muitas das artérias da Covilhã antiga entronca na Rota da Arte Urbana também é uma espécie de motivação para ir amiúde aos locais onde estão alguns serviços públicos e de proximidade. Por certo que as implicações de uma ida à Autoridade das Condições do Trabalho é rapidamente minimizada pela beleza do imóvel datado da primeira metade do século XX e cujo azulejo foi recolocado e preservado. Uma vez ali chegados, facilmente nos rendemos aos “azulejos catequéticos e outros de natureza decorativa” que nos transportam para realidades históricas e pedagógicas.

Mas também há azulejos modernos como um mural na sede do Sindicato Têxtil da Beira Baixa que foi pensado pelos alunos e professores da escola Campos Melo. E há ainda edifícios que se apresentam engalanados “com grinaldas e outras formas geométricas e florais coloridas” igualmente atraentes ao olhar e que logo nos transportam para “a arte nova” do azulejar. O edifício residencial da Rua Cristóvão de Castro ou o da rua Conselheiro Santos Viegas são apenas dois dos exemplares.



E aqui entram as casas particulares e a memória visual de um passeio em fevereiro último faz lembrar a habitação desenhada pelo arquiteto Raúl Lino e cujos painéis com motivos religiosos e de apego à tradição familiar são uma construção da fábrica Lusapo de Coimbra. Também existem nas várias artérias da cidade azulejos originários da fábrica Carvalhinho no Porto. 

Ao rol juntam-se ainda os exemplares da fábrica Aleluia de Aveiro cujos conjuntos mais vistosos são a frontaria azulejada da igreja de Santa Maria ou a majestosa entrada da antiga Empresa Transformadora de Lãs. Aliás, é da mesma “fornada” o conjunto azulejar localizado na rua Marquês D´Ávila e Bolama ao pé da Universidade da Beira Interior o qual nos indica a porta de acesso à serra da Estrela e inúmera um conjunto de motivos de interesse para o visitante.

A arte azulejar que é “a arte ornamental mais expressiva em Portugal” e cujo fabrico iniciado em Portugal no século XVI é um património que importa conhecer e preservar também é visível quando o visitante se rende à beleza e perfil ímpares da obra de Sousa Araújo cujas particularidades do seu traço justificam procura obrigatória” diz Carlos Madalena que tem dificuldade em indicar um percurso especial pois os azulejos “estão espalhados por toda a cidade”. Ainda assim o responsável pelo Museu Arte Sacra da Covilhã considera que o “Palacete Jardim é o mais representativo bem como a Antiga Transformadora de Lãs a que se junta a imagem de Nossa Senhora da Conceição na rua Marquês d´Ávila e Bolama, precisamente da autoria de Sousa Araújo”.



Quanto ao futuro a autarquia pretende iniciar o inventário azulejar do concelho da Covilhã por forma a criar uma estratégia de defesa e valorização do património azulejar do território. As intenções de projeto  foram partilhadas no decurso das várias iniciativas que colocaram o foco cultural na valorização de um património que motivou a ida à Covilhã da diretora do projeto SOS Azulejo e cuja partilha e ensinamentos ajudarão a criar uma estratégia de valorização e divulgação do azulejo.

Este artigo foi originalmente por mim escrito e publicado na edição de 1 de março de 2018 do Jornal do Fundão.



terça-feira, fevereiro 20, 2018

Pela Gardunha



Já foi há uns dias mas vale sempre a pena dar expressão pública às ocorrencias que nos marcam e contribuem para a valorização de uma causa.
E desta vez a causa foi o pulmão maior do Fundão. Recolher fundos para reflorestar a serra da Gardunha que foi devastada pelos incêndios do Verão passado.

A causa era nobre e por essa razão, mas também pelo amor partilhado à Gardunha, não foi difícil reunir um bom leque de músicos e promover um concerto que também foi um grito de alerta em defesa da serra da Gardunha.
António Manuel Ribeiro, líder dos UHF, apelou "salvemos em consciencia aquilo que é nosso"!

E assim o fizeram as mais de 700 pessoas que naquela noite de Dia de Carnaval se juntaram na cidade do Fundão para juntar a voz à dos artistas que estiveram em palco.
Além dos lendários UHF, estiveram no concerto solidário pela Gardunha os artistas Paulo Ribeiro, Celina da Piedade, Vicente Palma, Anafaia, Grupo de Cantares do Agrupamento de Escolas do Fundão e sessenta jovens estudantes de música na Academia de Música e Dança do Fundão e Escola Profissional de Artes da Beira Interior.

Um momento de união em torno de uma janela do território que começou a desenhar-se há alguns meses pois na noite em que o fogo chegou ao concelho do Fundão, alguns desses músicos estavam, exactamente, no Fundão a dar um concerto.
Nessa noite de agosto de 2017, Vicente Palma, Paulo Ribeiro e Celina da Piedade integravam o coletivo Tais Quais e observaram como a cinza que caia sobre os espectadores que os ouviam significava que mais um atentado contra a natureza estava a acontecer ali perto.


segunda-feira, janeiro 08, 2018

Uma artista Inspiradora

Volto hoje ao verbo para partilhar com os leitores a boa notícia do reconhecimento da artista plástica Fátima Nina.

Natural e residente na Covilhã, Fátima Nina foi hoje galardoada em Roma com o prémio melhor presépio estrangeiro.
Um prémio pela obra apresentada no decurso da exposição colectiva de presépios que decorreu de Novembro até dia 7 de janeiro na capital italiana.

A mostra organizada Rivista delle Nazioni, reuniu mais de centena e meia de obras de artistas de Itália e do resto do mundo. O presépio de Fátima Nina integrou o conjunto dos 41 conjuntos apresentados por criadores de fora de Itália e valeu à designer de moda a participar na "Exposição Internacional 100 Presépios" e trazer para Portugal um troféu de que muito se orgulha.

A artista que expôs em Itália a convite da Embaixada de Portugal na Santa Sé apresentou um presépio de cores vivas e concretizado a partir de tecidos especiais.

Fátima Nina é uma mulher bastante inspiradora. Em novembro do ano passado tive o grato gosto de a entrevistar para o meu programa "Porque Hoje é Domingo" na Rádio Cova da Beira e já nessa altura a expectativa da artista era eladíssima.


De resto, é com gosto que aqui recupero o texto jornalístico que escrevi para o Jornal do Fundão, também em novembro último, sobre uma das pessoas mais criativas que conheço.

Aqui está



Fátima Pereira Nina tem uma relação umbilical com a arte. Sempre gostou muito de formas, cores e tecidos. É uma artista plástica que iniciou o percurso em Lisboa quando se licenciou em designe de moda. Viveu em Paris e voltou à cidade berço para desenhar modelos para coleções de uma empresa de lanifícios. Os tecidos e a moldagem dos mesmos continuam a fazer parte da vida desta covilhanense que ama a sua terra e se inspira nas suas paisagens e na canção francesa para criar.

“Se os filhos de Adão tocaram, os da Covilhã sempre cardaram”. A frase está inscrita no painel dedicado aos lanifícios que se encontra no hotel “Pura Lã” na Covilhã. A obra assinada pela designer e artista plástica Fátima Pereira Nina é “um memorando complexo todo feito com lã e fios e que através de oito painéis nos transporta até à paisagem das ribeiras, da pastorícia, dos teares ou das chaminés das fábricas”. A obra constitui um dos mais recentes trabalhos da nossa convidada para a rubrica “Um Café Com”.

Desta vez o ponto de encontro é o atelier da covilhanense Fátima Pereira Nina, uma artista plástica conhecida sobretudo pela vasta obra dedicada aos presépios e à mulher. O trabalho a partir do movimento escultural da mulher, o feminino a partir de folhas de árvores ou de ouriços são os motivos mais conhecidos da obra da artesã que se diz apaixonada pela história do traje e que se deixa fascinar pela liberdade criativa de cada um. “Nós hoje somos livres de criar o nosso próprio estilo”, refere a artista plástica que por estes dias terá trabalhos seus expostos em Roma, Lisboa e Coimbra. “Em Itália vou estar representada, a partir de dia 24 de novembro, numa coletiva de presépios de que muito me orgulho”, refere Fátima Nina ao mesmo tempo que deixa escapar um lamento:” Desta vez deixei escapar o Porto, não tive tempo para criar uma obra especifica para a mostra”.

Esta é altura do calendário em que Fátima Nina tem mais trabalho. “Até ao fim de novembro tenho de concluir cerca de 50 presépios”, explica-nos a artista no momento em que nos serve um café no soalheiro atelier localizado nas imediações do Centro Hospitalar Cova da Beira e com vistas para o Data Center da Covilhã e para a serra da Gardunha.
“Outono significa agarrar-me ao trabalho, as pastas secam ao ar livre e as temperaturas mais frescas que no Verão permitem que o processo de secagem seja lento e eficaz”, explica-nos a artista que guarda os meses de julho e agosto para se dedicar à pintura ou para viajar até à sua segunda cidade. Lisboa.

Rendida aos campos da Beira Baixa, Fátima Nina conta-nos através da janela para a Gardunha como a paleta de cores a inspira para realizar novos trabalhos e cumprir uma agenda que a no próximo ano lhe permitirá apresentar-se numa exposição “francófona em que a figura feminina estará presente e de forma mais evidente, pois a mulher terá mais porte mas estará igualmente bela”. A par desta mostra que em princípio ocorrerá em Lisboa, Fátima Nina prepara-se para desenvolver um outro trabalho criativo em que aparecerão as telas e que terá o contributo do artista do Tortosendo Pedro Goulão Taborda.

A mostra programada para 2018 será mais uma a inscrever no percurso da artista que tem no Palácio de Rio Frio em Palmela um dos lugares onde mais gostou de expor. Mas também o Porto, onde esteve pela primeira vez em 2014, ou cidades como Sabugal, Coimbra, Lisboa e claro, a sua Covilhã! A cidade da lã e da neve que recorda como uma geografia “como um lugar povoado pelo barulho das máquinas, os cheiros e outras características especiais” das quais “não tenho saudades” pois prefere identificar-se com a UBI e a valorização das antigas unidades fabris fomentando a preservação de um património industrial a que se junta agora a arte urbana.
“Aprecio muito, descobri há pouco tempo essa riqueza e confesso que não estava à espera do que vi”, revela quem se inspira “nas árvores e nos castanheiros da Beira” para criar a árvore como escultura feminina e a copa como o rosto da mulher ou personagens do portfólio onde figuram os tradicionais presépios com São José, Nossa Senhora e os Reis Magos, ou outras obras como os Homens Forcados e Toureiros, os Bailaricos e as Rainhas de Portugal.

Nessa como em todas as obras Fátima Nina projeta a figura feminina e inspira-se na canção francesa para juntar tecidos e outra matéria-prima. No atelier podemos observar trabalhos com esfregão de arame mas também com papel de alumínio, folhas de ferro forjado, cortiça, linho em rama ou arame. À pergunta sobre como e quando decidiu enveredar pela arte de transformar matérias em aclamadas peças decorativas, Fátima solta uma contagiante gargalhada, conta-nos que começou por “precisar de fazer um presépio e uma vez que conhecia a técnica começou a fazer experiências”. Iniciou com uma Nossa Senhora, diz-se uma pessoa criativa que “gosta muito de criar formas de moda” e há mais de dez anos que se dedica afincadamente ao ofício.

Sobre a moda propriamente dita, Fátima confessa-se desligada das novas tendências mas reconhece que “há um enorme potencial de gente a criar e a fazer diferente”. “Sigo um ou outro, acompanho o fantástico Carlos Gil mas não estou em condições de analisar com sentido critico o trabalho seja de quem for”, esclarece.


Não se assume como feminista mas não se furta a elogios e odes à mulher e à condição feminina. “A mais importante, a mais bela dos seres”, vinca. Indigna-se facilmente com a desigualdade de género e «explode» quando a televisão e os jornais lhe mostram a crueldade da violência doméstica. O grau de revolta quanto à ausência de oportunidades para a generalidade das mulheres só tem paralelo com a narrativa à volta do flagelo dos incêndios que no último Verão varreu paisagens de que tanto gosta. “Um horror que me entrou pela janela e me deixou chocada e preocupada com o futuro”.

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