quarta-feira, agosto 28, 2019

Instantes da "senhora Vileda"

Terminara a limpeza das paredes e soalho da casa. Estreara uma esfregona todo o terreno daquelas que não sendo de quatro rodas quase minimizam a força de braço, aliviando as costas. A nova "traquitana" que custara couro e cabelo passaria a ser a coqueluche das conversas à volta dos afazeres domésticos.

Já estou a imaginar algumas vozes portadoras da sapiência humana desvalorizando a entrega e dedicação de quem ousara dedicar uma jornada das férias de Verão a promover o estágio com a senhora Vileda. "Isso não custa nada", claro que não! Se não custa nada está na hora de dedicar-se à limpeza geral de casas no tempo do veraneio.
Estando o empreendedorismo tão em voga, e numa altura em que o Portugal 2020 ainda tem alguma margem financeira, que tal aproveitar essa força de braços e sabedoria de língua e iniciar atividade?!
Isso é que era!
Não tem nada de inovador. Quer dizer, a Vileda está sempre a inovar !

Agora que descobrira a Amazon das limpezas quase poderia dedicar-se à vida doméstica. Nos intervalos mergulharia nas águas frescas de Alpreade ou numa qualquer concorrida piscina e já seria uma pessoa feliz. Seria mesmo?
Uma pessoa feliz fará outras igualmente felizes. Mas a que preço?

Quando começa e onde acaba a felicidade humana?
Na experiência de zelar pela casa e pela família?
No desafio de recorrer aos empreendedores capazes de auxiliar a pessoa humana que abraça desafios e dá tempo ao tempo para pensar o tempo?

Há muitos anos conhecera um ancião que via na esposa a mãe de família e bengala de todo o calendário. "Mulher minha não precisa de trabalhar" dissera o chefe de família que anos mais tarde também não encarara bem a decisão de outras mulheres da família se lançarem em busca de oportunidades de emprego.


Como muito bem descreve Simone de Beauvoir na sua vasta obra dedicada à emancipação da mulher, é importante subverter a educação dos costumes.
E os costumes continuam a encarar a mulher como o segundo sexo.

É preciso inverter esse pensamento, destruindo o mito da feminilidade, afirmando a sua independência e criando mecanismos de autoproteçao e defesa da sua condição humana.

segunda-feira, agosto 05, 2019

Memória do “exílio” na Barroca Grande

Maria Ascensão Albuquerque Amaral de Figueiredo Simões. Nasceu, em Nelas, há 90 anos. Consideram-na uma mulher à frente do seu tempo e o Município da Covilhã homenageou-a pelo seu percurso dedicado à educação e intervenção cívica. Uma trajetória de mais 40 anos dedicados ao ensino que a levou a dar aulas em cidades como Caldas da Rainha, Torres Vedras e Covilhã. Na Cidade Neve esteve 33 anos na Escola Industrial Campos Melo, integrou a comissão de gestão e foi presidente do Conselho Diretivo. Uma vez aposentada fundou a Academia Sénior da Covilhã onde desempenhou funções de reitora. Foi ainda sócia fundadora e presidente da assembleia-geral da APAE Campos Melo. Deixou-se seduzir pelo exercício da política quando realizou entre 2005 e 2009 o mandato de eleita na Assembleia Municipal da Covilhã. É viúva de Duarte de Almeida Cordeiro Simões cofundador e diretor do Instituto Politécnico da Covilhã.



Fomos ao encontro da mulher de olhar penetrante e de brilho azul que nos falou do “exilio forçado” de cinco anos nas Minas da Panasqueira, onde fixou residência temporária quando Duarte Simões desempenhou funções de gestão na Beraltin And Wolfram. O tempo em que esteve acantonada, num lugar onde não chegavam os jornais, não deixa saudades à visionária, para quem a afirmação da mulher continua a ser uma necessidade. Recordando as “tentativas subtis enraizadas na sociedade que desencorajam a mulher a ser combativa e líder”, Ascensão Simões lamenta que, presentemente, as empresas, de “forma sub-reptícia”, continuem a confiar cargos de liderança aos homens “privando as mulheres da maternidade ou afastando-as do exercício de cargos mas relevantes”.



Ascensão Simões licenciou-se quando ainda era preciso apresentar uma tese. Naqueles anos debruçou-se sobre o Portugal Restaurado do Conde da Ericeira. “Um trabalho histórico e filosófico sobre a introdução de novas tecnologias e a restauração da independência”. A professora aposentada considera-se uma boa educadora e a conversa encaminha-se para a aprendizagem que “deve ser constante” pois “um professor demora muito tempo a fazer-se”. “O trabalho burocrático e a preocupação com papéis roubam-lhe energias”. Diz a nonagenária preocupada com “o ritmo frenético da vida moderna, permanentemente dependente do computador e do trabalho fora de horas, sem tempo para os filhos”.

Tempos de exigências bem diferentes da realidade vivida pela professora que iniciou a sua atividade com horário completo. No tempo da revolução os colegas escolheram-na para liderar os destinos da Escola Campos Melo pois era um “período bastante agitado”. “Muitas vezes saí de lá à meia-noite por coisas tão simples como ceder papel para a propaganda eleitoral dos estudantes. A vida era muito conturbada e exigia-se muito diálogo. Era um tempo em que os professores chagavam sem habilitação mas a explosão escolar a isso obrigava”.

Condicionalismos superados com diplomacia e muito diálogo. “Era preciso mostrar que as competências das mulheres não ficavam atrás das do sexo oposto”, vinca a primeira diretora de uma escola na Covilhã. “Tenho a certeza que a seguir à doutora Judite Chitas, no ciclo preparatório, fui a mulher mais antiga a dirigir uma escola com 105 professores e 1600 alunos”, disse. Recuando no tempo, e à condição de encarregada de educação, franje o sobrolho e num tom reprobatório lembra como foi possível, na escola, alguém questionar da razão de ser encarregada de educação das filhas. “Até para isso  pensavam no homem”!



Detentora de um percurso recheado de inovação e desafios em prol do bem comum, Ascensão Simões recupera a memória do centenário da Escola Campos Melo e o ano de 1984 quando a sua condição de mulher inconformada a impeliu a aceitar o desafio de criar a APAE – associação de pais e antigos alunos da escola Campos Melo. “Fiz um plano para as comemorações, distribui trabalho. A escola não tinha associação de pais e isso era imperioso até para os antigos alunos. A associação de pais estava meio adormecida, fui ajudando no que pude”. Já quanto à constituição da associação de antigos alunos, o processo foi mais rápido, uma vez que muitas pessoas bem colocadas, como arquitetos e engenheiros, passaram pela Campos Melo, uma escola de referência na Covilhã. A dedicação e arrojo que lhe marcaram a trajetória na Campos Melo também caracterizaram os anos dedicados à Academia Sénior da Covilhã, fundada em 2000, na qual chegou ser reitora. Criou-a para “manter-me ocupada e aprender informática”. Recordando o início do projeto na Escola Quinta das Palmeiras e posteriormente em casa de uma particular, Ascensão Simões não esquece o contributo do Município da Covilhã, na pessoa do então presidente Carlos Pinto, na solução para a sede da Academia, nem a Universidade da Beira Interior cujos professores passaram a dar aulas na Academia Sénior da Covilhã atualmente frequentada por 70 pessoas, com mais incidência nos 60 a 70 anos.




BIOGRAFIA

Maria Ascensão Simões nasceu, em Nelas, a 20 de junho de 1929. Frequentou o ensino primário no Colégio da Nossa Senhora da Conceição (Viseu), o ensino secundário no Liceu Infanta D. Maria (Coimbra) e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Ciências Históricas e Filosóficas. Dedicada ao ensino desde 1954 até a sua aposentação em 1996, lecionou em diversas cidades do país. Professora durante 33 anos na Escola Industrial Campos Melo, integrou a comissão de gestão em 1974/1975 vindo a ser presidente do conselho diretivo desde 1981 até 1988. Foi sócia fundadora da Academia Sénior da Covilhã e reitora de 2003 a 2018. Foi ainda sócia fundadora e presidente da assembleia geral da APAE Campos Melo e deputada na assembleia municipal da Covilhã entre 2005 e 2009.
ORIGINALMENTE publicado na edição de 11 de julho 2019 do caderno JF Comunidade do Jornal do Fundão.




quarta-feira, julho 24, 2019

Pinto o que sinto


Não sei se alguma pintei um desenho de que me possa orgulhar. Mas conheço imensas pessoas cuja pintura me faz viajar pelas paisagens da minha Gardunha quando ainda não vestia negro.  Lembrei-me disto, esta semana, quando numa visita relâmpago a Castelo Novo me apercebi da chegada da Arte Urbana à Aldeia Histórica de Portugal encravada na serra.

Nesse instante revisitei a memória das aulas de educação visual no Externato Capitão Santiago de Carvalho em Alpedrinha e o pensamento fixou-se no desenho geométrico do professor João de Matos. O malogrado educador para quem o “olhos eram a régua e o nariz o compasso”….

Quase me apeteceu entrar em casa, subir ao sótão e procurar no baú dos trabalhos da escola as pastas com desenhos geométricos realizados nas folhas de papel cavalinho. “O melhor,  pois as folhas são resistentes e ótimas para desenho com lápis de carvão”. Também o João Barreira, um pintor que na minha juventude se dedicava às paisagens verdejantes da minha geografia de infância, já me surpreendeu com belíssimas obras matizadas a verde.

As paisagens verdejantes da Beira Baixa, que outrora inspiraram a poesia de Albano Martins ou Eugénio de Andrade, também caracterizavam a obra do pintor Barata Moura. O Mestre que nunca renegou as suas origens beirãs e se formou na Escola António Arroio e na Superior de Artes Aplicadas também pintava a Beira como ninguém.

Falecido em 2011, 100 anos depois do seu nascimento, Barata Moura está nas mais de mil telas a óleo e inspira uma nova geração de pessoas ligadas à arte de eternizar personalidades e vivências de um território.

Esse património está agora mais completo com o mural alusivo ao pintor Barata Moura cuja memória passa a estar perpetuada na antiga torre da EDP na sua aldeia Natal.





Castelo Novo tem desde há uns dias um exemplar de arte urbana assinado por João Samina https://saminashop.bigcartel.com/. O artista que também pintou Carlos Paredes ou algumas das mais carismáticas figuras típicas da Covilhã, tem na Beira Baixa um trabalho dedicado ao pintor que sentia as paisagens, pessoas e recantos da sua Beira transportando-as  para a tela num registo multicolor que nos prende o olhar e nos faz vibrar de alegria. 

Na obra de Samina, Barata Moura “apresenta-se” em tons de preto e encarnado num jogo que nos faz acreditar que o traço característico do João ajudará a fazer do “miradouro da pardinha” – assim é designado pelos naturais de Castelo Novo a encosta da freguesia onde se encontra “a escultura” do mestre pintor – um ponto de paragem obrigatória no roteiro de visitação à localidade.

O toque de modernidade na Aldeia povoada de história acrescenta vida à localidade desejosa de espreguiçar-se para a Gardunha vestida de verde.

Mas passaram dois anos e como muitos transeuntes comentam, faz impressão que Castelo Novo continue rodeado de negro, marca indelével do fogo.



Neste meu regresso, à geografia que em agosto de 2017 voltou a ser massacrada pelos incêndios, não posso deixar de descrever a melancolia que assombra qualquer natural ou forasteiro que logo na autoestrada da Beira Interior se dá conta de como Castelo Novo permanece vestido de luto.




Não vemos árvores, a serra está globalmente despida. Dá pena olhar para o cabeço da Penha e observá-lo desnudo. Já no interior da localidade observamos o casario ainda fechado aguardando a chegada das centenas de pessoas que este Verão voltarão à sua terra do coração dando-lhe vida e esperança num ritual anual que nos faz continuar a acreditar que Castelo Novo ainda pode merecer mais que uma obra de arte de amor a Barata Moura.

Aguardemos!

sexta-feira, julho 12, 2019

Pessoas que vão e pessoas que ficam


Quantos de nós olhamos para o caminho e nos damos conta da quantidade de pessoas que deixámos para trás? Deixámos ou foram essas pessoas que se afastaram de nós, dos nossos projetos e vivências?

As perguntas, bailam-nos no pensamento sempre que passamos por uma provação, quando iniciámos um projeto ou concluímos outro. Vivemos o momento com a energia e intensidade que o mesmo traduz mas observamos que algumas vezes somos seres solitários nessa viagem e relação de compromisso com as nossas coisas.

É então que a nossa memória, mesmo seletiva, nos conduz às pessoas que fizeram o mesmo percurso ou nos alimentaram o trilho do paralelo da vida.

Recordamos os dias mais perturbadores e os indubitavelmente felizes. Recuperamos a memória inabalável da presença das nossas pessoas, naquele dia, àquela hora. No momento mais improvável mas importante da nossa vida.

São essas minhas pessoas que pretendo “homenagear” com esta ode à valorização d@s amig@s de sempre e para sempre.

Também há as pessoas que outrora foram antecâmara das nossas preocupações e venturas. As tais pessoas que ficaram pelo caminho ou que deixaram de nos dizer presente.

E que dizer das pessoas que um dia nos foram próximas, morando nas nossas gavetas e agora nos observam de forma cordial?

Também há aquelas que fazem vista grossa. Aqui abro um parêntese para dizer que perdoei mas não esqueci aqueles seres humanos que passaram metade da vida a tecer-me loas e quando deixei de lhes dar palco mudavam de passeio para não me cumprimentar.

Ensinamentos num percurso em que dou especial importância às minhas pessoas. Aquelas que nunca me falham. Na alegria e na dor. Nos momentos solenes ou nas mais ridículas situações capazes de me deixar desconfortável.



E quem são as minhas pessoas? E as que ficaram pelo caminho?
Pensem nisto. Eu sei quem são, todas essas pessoas. Todos nós sabemos.

Agora façam esse exercício e obriguem-se a dedicar mais tempo de vós às pessoas que nunca vos falharam. Essas pessoas são incondicionalmente o nosso espelho.

Dêem-se. Digam presente. Surpreendam-nas.

Não fiquem à espera do último adeus para lhes dizerem que as amam. Que têm saudades dos tempos em que a vida foi mais generosa e potenciou mais encontros e partilha.
Digam-lhe hoje.  

quarta-feira, julho 03, 2019

Agora já ninguém faz adeus para a «Casa Portugal»


Quando em setembro de 2018 fui ao encontro de José Lopes Nunes para gravarmos uma conversa para o meu «Porque Hoje é Domingo» na Rádio Cova da Beira, estava longe de imaginar que a «Casa Portugal», onde fui ter com o Jolon, estaria na eminência de fechar portas.

Leio agora na imprensa falada e digital que o Jolon encerrou a loja localizada na Rua 25 de Abril, uma das mais movimentadas da Vila de Penamacor. Ouvi-o na Rádio a confessando-se “constrangido” por encerrar a loja onde esteve mais de 45 anos, como verdadeiro prestador de serviços às populações.

A «Casa Portugal» com mais de 100 anos já foi loja de seguros e outros serviços. Foi, fundamentalmente, paragem regular para “Adelino Galhardo, Rodrigues da Silva ou o poeta Domingos Campos”. “Amigos que às dez e meia vinham aqui para o café”, recorda, já com saudade, o homem que nos habituamos a ler nas estórias publicadas no Jornal do Fundão e nos livros entretanto editados.

“Não me sinto um pássaro fora da gaiola, por ter mais liberdade para a fotografia, pesca e escrita. Saio daqui com um misto de satisfação pelo serviço público que desenvolvi ao longo da vida e alguma preocupação por sentir que farei falta a muitas pessoas que aqui vinham”, contou ao Luís Seguro numa conversa que ouvi na telefonia.

Efetivamente, a «Casa Portugal», era muito mais que uma retrosaria povoada de coloridos mostruários de linhas e outras utilidades associadas à renda, bordados e arte de transformar tecidos. Quando lá cheguei, naquela manhã de setembro, já tinha “clientes”.  Clientes entre aspas, pois na verdade quem procurava a «Casa Portugal» fazia-o mais para partilhar situações, estórias e vivências que muitas vezes enriqueceram a prosa do fotógrafo e repórter José Lopes Nunes.  

“Muitas vezes as pessoas passavam ali e faziam-me adeus”, partiam do princípio que eu estava cá dentro”. Isso mesmo referiu no «Porque Hoje é Domingo» de dia 9 de setembro de 2018 José Lopes Nunes. Agora que o “mais antigo comércio tradicional de Penamacor” encerra, certamente que os transeuntes deixarão de acenar ao Jolon.



O rés do chão da loja de Jolon também era espaço para debater o território, partilhar episódios políticos, perceber sensibilidades. Tantas vezes dirigentes, pessoas singulares e gente anónima, chegados a Penamacor, procuravam a casa das linhas do Jolon.

Naquele dia, após a gravação do programa (pode recordá-lo aqui https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-224-09-setembro-2018-jos%C3%A9-lopes-nunes-jolon/) regressámos à «Casa Portugal» e lá estava um político da terra. Francisco Abreu, militante do PS, ex- autarca e ex- delegado distrital do Instituto Português da Juventude. Foi um reencontro feliz com alguém a quem as conversas à volta da Beira e seus territórios entre a fronteira, as serranias e o regadio dizem bastante.

Ali ficamos alguns instantes a falar de pessoas mais ou menos mediáticas. Recordamos José Luís Gonçalves, António José Seguro; Jorge Seguro Sanches, – figuras políticas marcantes com quem tantas vezes me cruzei no exercício responsável de informar- e os dias em que Francisco abreu foi cronista na Rádio Jornal do Fundão. Ficámos de falar num registo menos informal no «Porque Hoje é Domingo».

O tempo corre veloz e num ano não levei o Francisco Abreu à Rádio Cova da Beira! Lembro-o agora neste registo saudosista da importância da «Casa Portugal» na movida de Penamacor.

Estou certa que o Jolon saberá reencontrar-se com os amigos de sempre num outro local cheio de luz, com vista para a Malcata, foco na sua amada Aranhas ou com Espanha no horizonte.

Vida longa ao José Lopes Nunes que é um conhecedor profundo de Penamacor, das suas gentes na vila e nas aldeias.

sexta-feira, maio 24, 2019

Lembranças vossas


Ana Almeida, Rodolfo Pinto Silva, Liliana Machadinho, Sérgio Figueiredo, Carla Loureiro e Marisa Miranda. Que têm em comum estes nomes? O jornal Notícias da Covilhã. Foi no mais antigo semanário do distrito de Castelo Branco que esta semana recordei algumas passagens do meu percurso de atividade no jornalismo, lado a lado com estas pessoas.

Que é feito destes profissionais que outrora escreveram sobre lugares e projetos deste território que também é a minha geografia de causas e de afetos?

Pelo que observo o jornalismo perdeu uma parte destas pessoas. Chegaram à região por via da Universidade da Beira Interior. Cursaram ciências da comunicação, realizaram estágio e exerceram a profissão de jornalistas mas quase lhes perdi o rasto. Os órgãos de comunicação social não conseguiram mantê-los.

Ontem como hoje os recursos financeiros escasseiam, as redações estão à míngua de profissionais credenciados. Por maior que seja o gosto pela profissão, tantas vezes mal paga e desvalorizada, a gente faz-se à vida em outros projetos, muitas vezes longe da região onde nos apaixonamos pelo exercício do jornalismo livre.

Felizmente há as redes sociais que tanto diabolizamos mas que também têm virtudes. Aproximam-nos. Promovem reencontros virtuais com as nossas pessoas. Com gente boa e talentosa com a qual tivemos o privilégio de nos cruzar.

E que fizémos para as manter por cá?

Reflexões que marcaram a conversa mantida esta semana com o senhor Aurélio Carrega, uma espécie de guardador da memória do semanário de inspiração cristã que por estes dias assinala cem anos de existência.

É verdade, fui às instalações do Notícias da Covilhã na zona antiga da cidade universitária e na rota da arte urbana. Estive no Notícias no dia em que o jornal, fundado em 1913 com o nome “ A Democracia” e rebatizado em 1919, regressa á casa mãe. Na rua de Santa Maria à qual em 1999 o município da Covilhã atribuiu o nome de rua Jornal Notícias da Covilhã.

Ouvi o testemunho cronológico da história do Notícias e bebi do entusiasmo, agora mais distanciado por via da sua condição de reformado, do homem que durante 57 anos cuidou das contas do jornal, lidando com adversidades, críticas e emergências.

Os vários processos de modernização tecnológica, o fim do processo tipográfico, o sonho das novas instalações no Parque Industrial da Covilhã, o encerramento da gráfica do Notícias.

Memórias com gente dentro na narrativa verbalizada pelo senhor Aurélio Carrega que é o meu convidado no programa “Porque Hoje é Domingo” de dia 26 de maio de 2019 na Rádio Cova da Beira.

Aurélio Carrega e Luís Pardal Freire nas renovadas instalações do Notícias da Covilhã


A conversa previamente gravada levará os ouvintes à lembrança e percurso do Notícias da Covilhã. O jornal que nos 75 anos foi condecorado pela Presidência do Conselho de Ministros e pela Câmara da Covilhã, entidade que em 2012 entregou ao então diretor, o arcipreste Fernando Brito dos Santos, a Medalha de ouro de Mérito Municipal.

Marcos históricos no percurso da publicação que teve como diretores, José Andrade, António Mendes Fernandes, José Geraldes, Fernando Brito e Luís Pardal freire.

O atual diretor também participa nas conversas e garante que o Notícias da Covilhã continuará a fazer “jornalismo de proximidade e de causas mas nunca de subserviência”.

Por aqui, continuaremos a olhar para o Notícias da Covilhã, um dos 33 jornais com mais de 100 anos, como uma referência no panorama da imprensa regional.

Uma voz na diáspora.

Uma publicação em que não raras vezes sabe bem viajar pela narrativa factual ou pela reportagem enriquecedora da Ana Ribeiro Rodrigues. Uma beirã da terra da cereja pela qual mantenho respeito e admiração profissional.

domingo, maio 05, 2019

Ode aos Afetos

Hoje é o dia da mãe.
A data, que o apelo ao consumo tornou mais comercial, deveria ser uma jornada de reflexão sobre a necessidade de valorizamos a mãe.

Não vou aqui publicar fotos da minha mãe nem mostrar um postal de ouro com os meus filhos. Eles até agradecem que não os exponha. Não assumem o desconforto de ver o orgulho da família plasmado nas redes sociais e nos fóruns. Mas sempre que nós damos a conhecer ao mundo a nossa felicidade pela realização deles e delas, lá vem o comentário ,"oh mãe publicaste aquilo?!"

Pois.....

Mas hoje apetece escrever. Escrever a todas as pessoas que se esquecem de, a cada dia, sempre que o apelo lhes chega, dizer às mães o quanto as amam, respeitam e quão poderosa é a sua proteção.
Recupero um texto do José Luís Peixoto que, a meu ver, nos incita a dizermos aquilo que tantas vezes silenciamos e só verbalizamos nos momentos de perda irreparável ou quando mergulhamos na saudade dos dias plenos.


Leiam.

«mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes».

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...