segunda-feira, março 30, 2020

Instantes do meu Confinamento 2

Fechado. Encerrado. Temporariamente fora de serviço. Não consuma nada dentro do estabelecimento. Faça fila única. Respeite a distância sanitária.

Eis um conjunto de informação útil na qual tropeço hã mais de duas semanas e que me entristece o olhar, como me esmorece observar todas as ruas e praças desertas, as lojas fechadas, os serviços semi-abertos.

A juntar à realidade vêm-me as saudades dos lanches à sexta-feira, o calor humano e dedicação da Nanda, os jantares em grupo ou em família alargada.
Até o trabalho passou a ser esquisito. Somos poucos no edifício onde uns quantos de nós passaram a trabalhar a partir de casa ao mesmo tempo que têm sido amas, educadores, professores e explicadores de última hora.

Eu tive sorte - digo-o assim por ser pássaro fora da gaiola e odiar ficar muito tempo em casa. Já me bastam os fins de semana e as longas horas após a jornada continua no emprego! -  vou saindo de casa para o trabalho e assim não observo o frenesim de e-mails e trabalhos que a classe docente, empenhada - diga-se - tem enviados aos alunos que parecem mais dedicados que nunca e sentem gratidão pelas dinâmicas improvisadas no meio escolar e universitário.

Na rotina, casa trabalho, trabalho casa, sempre dá para observar a paisagem ou dar-me conta de como este vírus mudou a vida de todos nós. E as pessoas, onde estão as pessoas? O passo largo, o olhar distante ou penetrante. O sorriso que contagia ou disfarça a rotina. O bom dia e olá no passeio, na esplanada, no serviço.......

Até o meu ofício de comunicadora me tem sido difícil.  Gerir solicitações, perguntas e respostas através do telefone e do e-mail. Eu gosto da conversa presencial. De estar no terreno, sentir o pulsar das organizações, pessoas e líderes. À  distância não é a mesma coisa. Perde-se o encanto, a sensação e capacidade de interpretar estados de alma, estimulando apuradas respostas e ações.

É este o meu, o nosso e vosso novo mundo. Cheio de barreiras profiláticas.
As mesmas que travam o convívio e tramam a economia.

Numa tarde de final de março, dias depois da entrada da Primavera, dou comigo a pensar que é fim do mês e que haverá milhares de trabalhadores por conta de outrem cuja ansiedade e nervoso lhes toldam as noites que deveriam ser de sono mas passaram a ser em branco.
Quantos haverá com receio de não receberem, já neste final de março, o salário por inteiro.

Pior, quantos estarão a ter pesadelos com a possibilidade de serem temporariamente dispensados ao abrigo de um lay off  (ver aqui o que implica https://www.jornaldenegocios.pt/economia/coronavirus/detalhe/novo-lay-off-guia-para-trabalhadores-e-empresas) ?

E os patrões? Os pequenos empresários, donos de micro empresas, subsistência de famílias inteiras.
Não querendo ser profeta da desgraça nem contrariar as correntes de energia positiva que todos os dias no caem na time line não consigo que o meu sentido emotivo se sobreponha ao lado mais racional.

Chamem-me o quiserem, acusem-me de ser pessimista... Mas não consigo ficar indiferente à realidade do tecido empresarial do território, observar hotéis a suspender a atividade quando tinham iniciado investimentos de milhões para acompanhar a modernização e impacto do turismo na economia.

E neste entretanto há uma imagem que não me sai da cabeça: Hoje à tarde o diretor geral de uma das maiores unidades empregadoras do meu concelho publicava uma fotografia com os corredores da empresa vazios.

A unidade empregadora em questão põe pão na mesa a 300 pessoas. Está temporariamente fechada desde meados de março.

É este o meu sentir no confinamento dos dias.

Para que não digam que só vejo nuvens, deixo-vos com a paisagem.




Cuidem-se! Dos momentos de fraqueza não reza a história.

Vamos. Vamos todos.

Fiquemos juntos nesta luta contra o mal.



terça-feira, março 24, 2020

Instantes do meu Confinamento

Na Tentativa de gastar os tempos livres que resultam da suspensão da vida depois do horário laboral vou-me ocupando da leitura de livros e autores outrora companhia regular na mesa da cabeceira cá de casa.

Às vezes recorro à biblioteca para rever títulos e clássicos. Hoje de manhã deparei-me com o "ensaio sobre a cegueira" do Nobel da Literatura José Saramago. Apeteceu-me começar a devorar uma segunda ou terceira leitura de uma obra escrita em 1995 que nos relata a história de uma cegueira que começou num homem só e posteriormente  fez-se epidemia. 

As semelhanças com muito daquilo que desde há três semanas estamos a observar e vivenciar, à distância ou bastante perto de nós, fazem-me crer num tubo de ensaio literário para aprendermos a lidar com a pandemia Covid-19 como foi designada pela Organização Mundial de Saúde. 

E diz o livro  "Nesta quarentena esses sentimentos irão desenvolver-se sob
diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida disponibilizada, compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou crianças, embaraço por atitudes que antes nunca seriam cometidas, atos de violência e abuso sexual, mortes (...)"
Saramago mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono.

Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis; mata para se preservar e aos demais, depara-se com a morte de maneiras bizarras, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios; após a saída do hospício, ao entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram vendados: “se os céus não vêem, que ninguém veja". 
Aos interessados em ler um pouco mais da obra recomenda-se este link https://rparquitectos.weebly.com/uploads/2/6/6/9/266950/jose_saramago_-_ensaio_sobre_a_cegueira.pdf

Se preferirem leituras mais leves e menos introspetivas sugiro uma viagem pela obra da poetisa feminista Rupi Kaur que há uns anos editou "milk and honey", em Portugal "leite e mel",  e de onde retirei este poema que parece o meu auto retrato.


“dizes para me acalmar
porque as minhas opiniões me tornam menos bonita
mas não fui feita com um fogo no peito
para que conseguissem apagar-me
não fui feita com ligeireza na língua
para que fosse fácil engolir-me
fui feita pesada
meio espada meio seda
difícil de esquecer e nada fácil
de a mente entender”

A par da poesia a paisagem primaveril observada a partir de casa têm-me inspirado para os dias que se seguem. E bem preciso de paz e confiança. Logo hoje que foi oficialmente conhecido o primeiro caso de covid 19 positivo no concelho do Fundão.

sexta-feira, novembro 29, 2019

Avenida esse encontro feliz


«A Avenida – uma chama viva onde quer que viva». 
O título da nova peça da ESTE – Estação Teatral é por si só bastante apelativo. Vai daí a gente dá-se ao trabalho de sair de casa num quinta-feira à noite e fica logo contente com a adesão do Fundão à 38ª produção da Companhia de Teatro que há 15 anos resiste e subsiste ao quotidiano da vida artística e às dificuldades que à mesma, quase sempre, estão associadas.

Mas este meu momento de partilha não é para lamentar que a ESTE continue sem uma casa própria para desenvolver os projetos criativos, prolongando e valorizando as vivências da nossa geografia cultural, etnográfica, histórica e poética.
Servem estas linhas para dizer-lhes que é mesmo importante saírem de casa e assistirem ao novo espetáculo da ESTE.


«A Avenida» é um reencontro com a nossa memória coletiva. Os lugares, as lojas, as pessoas do centro nevrálgico do nosso Fundão, numa narrativa cheia de vida e humor que não deixará nenhum espetador indiferente.

«A Avenida» está em cena na Moagem no Fundão até dia 15 de dezembro, é apenas o primeiro de três criações assinadas pelo dramaturgo Nuno Pino Custódio que haverá de transportar-nos até outras realidades.

Neste episódio atores e espetadores viajam no tempo e recuam aos anos 40 e 50 do seculo XX. No próximo ano a companhia presentear-nos-á com as vivências do Fundão no tempo de Salazar e de Kubitschek. Por fim haveremos de assistir ao fôlego final que é a Liberdade.

A liberdade, criativa, é aliás a tónica dominante no espetáculo concretizado a partir da recolha junto da comunidade local de depoimentos de comerciantes, alfaiates, floristas, relojoeiros e outros conhecedores do Fundão.

Algumas dessas pessoas estiveram, como eu, na estreia de «A Avenida». Não imagina o leitor o grau de satisfação e alegria dessas pessoas que além de se reverem nos traços verbalizados sobre o Fundão de antigamente sentiram satisfação por, de certa forma, aqueles lugares tão nossos ganharem nova vida numa peça de teatro que além de preservar a história e estórias do Fundão também projeta o território enquanto lugar de vivências imortais.


«A Avenida» imortaliza, pois, esse traço do Fundão comercial cujas ruas ficavam cheias de gente muito para além dos dias de mercado.

Vão lá ver esse trabalho extraordinário de cocriação da ESTE e dos fundanenses que guardavam as melhores vivências do Fundão e agora se orgulham de ver os antepassados num formidável registo teatral cujos próximos capítulos / criações queremos acompanhar.

Parabéns à ESTE por nos surpreender em cada produção. 
Parabéns pela interpretação, cenários, guarda-roupa…..


Parabéns, vocês são uma bandeira cultural da nossa terra.

quinta-feira, setembro 05, 2019

Os teus vinte anos

Vinte anos. Onde é que eu estava quando completei vinte anos? Já andava pela Rádio. E esta é a única memória viva que guardo. Pensei nisto nos últimos dias e partilho-o agora neste breve registo que assinala o teu 20º aniversário. 

Agora que deixas de ser teen e passas à classe dos enty  e depois dos irty começarás a perceber que a vida passa num instante. E passa mesmo! 

Nestas duas décadas de ti recordo sempre o meu primeiro bebé, as inseguranças e incertezas que lhe estiveram associadas. As noites tranquilas, a descoberta e apego ao futebol com forte simpatia pelo Benfica. O rapaz próximo dos avós paternos e a cumplicidade com o avô Matos. O miúdo às vezes traquina que faz acontecer pela calada: Lembras-te da noite de Halloween em que resolveram colocar lixívia no borrifador de água? 



Mas o teu percurso também se caracteriza pelo João Carlos justo e amigo do seu amigo. Os amigos são um forte pilar na vida do meu estudante de engenharia mecânica. Não se largam. Rasgam fronteiras para estar juntos. Cooperam. Partilham.  Surpreendem-se. E isso é extraordinário, pois a tua geração ainda não é totalmente viciada na virtualidade das coisas boas ou ruins. Felizmente !

É pois interessante acompanhar cada passo teu e dar-me conta de que não perdeste nenhuma das tuas virtudes.  És um amigo incondicional da família. És o meu menino mais crescido. E hoje não poderia deixar passar esta data sem dizer-te que todos os dias tenho orgulho em ser tua mãe. 

Estou certa de que este meu sentir é partilhado pelo pai Carlos e pelos manos Leonor e Francisco. Sê sempre feliz Joãozinho. João. João Carlos. Jê Cê. Joca. Sê sempre tu. 
Feliz  Aniversário !



quarta-feira, setembro 04, 2019

À Catarina e às pessoas que me fazem bem


A Catarina faz anos. Nunca me tinha dado conta que uma das minhas amigas do coração nasceu um dia antes do meu filho João. Ou talvez já me tenha ocorrido mas o pensamento terá sido tão breve que não me fixei na curiosidade do calendário. Hoje fiquei a pensar em como duas pessoas que me são tão próximas nasceram em anos diferentes mas apenas com um dia de intervalo.

A Ana Catarina não é uma amiga de infância e nem temos muitas vivências em comum. Direi que temos mais amig@s em comum que experiências em conjunto. Mas as que temos são fartas. Generosas!

No outro dia jantámos e fiquei com a sensação de que ainda tínhamos tanto para conversar! Sabem aquelas pessoas de que gostamos profundamente mas vemos poucas vezes ? Quando se juntam, conversam sem rede, riem muito, fazem planos. E no fim do encontro têm vontade de puxar as orelhas ao relógio.

Não tenho presente o ano, muito menos o dia, em que nos conhecemos. Sei que a amizade com uma amiga comum nos juntou. E também sei, sinto, que conheço a Catarina desde sempre.

São tantos os pontos comuns! Os sonhos, a visão poética do mundo, as boas energias. Fundamentalmente, a generosidade em observar sem julgar. A entrega sem estarmos à espera de nada em troca.

Há muitos anos, num aniversário meu, numa noite gelada de janeiro estivémos juntas num bar do Fundão para celebrar a vida. A ideia partiu da Marta que nos juntou à mesa das conversas e fez desse serão um momento imensamente poderoso. Nesse dia, a Catarina brindou-me com um adereço de moda que ainda hoje me acompanha. Guardo-o com imenso carinho e sentido de gratidão.

De todas as vezes que o coloco lembro-me sempre dessa noite. Lembro sempre os olhos azuis e o sorriso contagiante da Ana Catarina. O colar com uma gaiola e um passarinho é um símbolo de liberdade. É uma ode à criatividade e às energias boas. Àquel@s que nos ajudam a voar.

Desses tempos longínquos guardo ainda o desafio de participar num livro solidário de poesia. Escrever um poema para uma obra cujas receitas reverteriam a favor da Entrelaços entusiasmou-me. Não tanto pela possibilidade de as minhas palavras passarem a estar reunidas num livro onde outros poetas de verdade iriam partilhar os seus dotes literários. Mas por ser um desafio da Ana Catarina Pereira. Inicialmente receie não estar à altura da exigência. Depois a ideia ganhou asas e saiu um poema de amor. Daqueles que nos desnudam e permitem interpretações várias.

Não tenho aqui o poema para o transcrever. Talvez seja mais seguro mantê-lo no baú das coisas escritas. As pessoas mais curiosas poderão encontra-lo nesse livro solidário que ainda está à venda, por exemplo, na Junta de Freguesia do Fundão.

Os livros sempre foram um ponto forte na minha relação com a minha amiga aniversariante. Há dias enquanto lia o contributo dela no livro “o que pode a arte?” editado pela Bordô –Grená  foi  delicioso deixar-me envolver pelo poder da poesia  na discussão de outra causa nossa: A Igualdade de Género.

O texto “pela poesia é que vamos – pela arte, resistimos” permitiu-me descobrir “leite e mel” de Rupi Kaur. Uma extraordinária obra poética que nos fala de amores e desamores, abusos e perdas. Ofensas encobertas à mulher. Foi ainda nesse artigo da minha amiga apaixonada pelo cinema no feminino que também encontrei motivação para, de uma vez por todas, ler com atenção a obra de Simone de Beauvoir. A escritora cuja obra desconstrói mitos e estereótipos sobre género e sexo escreveu no livro “segundo sexo” que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”.  

Que dizer mais sobre uma amiga inspiradora sempre disponível para enriquecer o meu percurso na comunicação? Neste capítulo, recordo as entrevistas que me deu. A mais recente aconteceu em 2017 no meu “Porque Hoje é Domingo” na Rádio Cova da Beira e está aqui. https://www.mixcloud.com/dulcegabriel58/porque-hoje-%C3%A9-domingo-12-fevereiro-2017-rcb-ana-catarina-pereira/
Deleitem-se!

quarta-feira, agosto 28, 2019

Instantes da "senhora Vileda"

Terminara a limpeza das paredes e soalho da casa. Estreara uma esfregona todo o terreno daquelas que não sendo de quatro rodas quase minimizam a força de braço, aliviando as costas. A nova "traquitana" que custara couro e cabelo passaria a ser a coqueluche das conversas à volta dos afazeres domésticos.

Já estou a imaginar algumas vozes portadoras da sapiência humana desvalorizando a entrega e dedicação de quem ousara dedicar uma jornada das férias de Verão a promover o estágio com a senhora Vileda. "Isso não custa nada", claro que não! Se não custa nada está na hora de dedicar-se à limpeza geral de casas no tempo do veraneio.
Estando o empreendedorismo tão em voga, e numa altura em que o Portugal 2020 ainda tem alguma margem financeira, que tal aproveitar essa força de braços e sabedoria de língua e iniciar atividade?!
Isso é que era!
Não tem nada de inovador. Quer dizer, a Vileda está sempre a inovar !

Agora que descobrira a Amazon das limpezas quase poderia dedicar-se à vida doméstica. Nos intervalos mergulharia nas águas frescas de Alpreade ou numa qualquer concorrida piscina e já seria uma pessoa feliz. Seria mesmo?
Uma pessoa feliz fará outras igualmente felizes. Mas a que preço?

Quando começa e onde acaba a felicidade humana?
Na experiência de zelar pela casa e pela família?
No desafio de recorrer aos empreendedores capazes de auxiliar a pessoa humana que abraça desafios e dá tempo ao tempo para pensar o tempo?

Há muitos anos conhecera um ancião que via na esposa a mãe de família e bengala de todo o calendário. "Mulher minha não precisa de trabalhar" dissera o chefe de família que anos mais tarde também não encarara bem a decisão de outras mulheres da família se lançarem em busca de oportunidades de emprego.


Como muito bem descreve Simone de Beauvoir na sua vasta obra dedicada à emancipação da mulher, é importante subverter a educação dos costumes.
E os costumes continuam a encarar a mulher como o segundo sexo.

É preciso inverter esse pensamento, destruindo o mito da feminilidade, afirmando a sua independência e criando mecanismos de autoproteçao e defesa da sua condição humana.

segunda-feira, agosto 05, 2019

Memória do “exílio” na Barroca Grande

Maria Ascensão Albuquerque Amaral de Figueiredo Simões. Nasceu, em Nelas, há 90 anos. Consideram-na uma mulher à frente do seu tempo e o Município da Covilhã homenageou-a pelo seu percurso dedicado à educação e intervenção cívica. Uma trajetória de mais 40 anos dedicados ao ensino que a levou a dar aulas em cidades como Caldas da Rainha, Torres Vedras e Covilhã. Na Cidade Neve esteve 33 anos na Escola Industrial Campos Melo, integrou a comissão de gestão e foi presidente do Conselho Diretivo. Uma vez aposentada fundou a Academia Sénior da Covilhã onde desempenhou funções de reitora. Foi ainda sócia fundadora e presidente da assembleia-geral da APAE Campos Melo. Deixou-se seduzir pelo exercício da política quando realizou entre 2005 e 2009 o mandato de eleita na Assembleia Municipal da Covilhã. É viúva de Duarte de Almeida Cordeiro Simões cofundador e diretor do Instituto Politécnico da Covilhã.



Fomos ao encontro da mulher de olhar penetrante e de brilho azul que nos falou do “exilio forçado” de cinco anos nas Minas da Panasqueira, onde fixou residência temporária quando Duarte Simões desempenhou funções de gestão na Beraltin And Wolfram. O tempo em que esteve acantonada, num lugar onde não chegavam os jornais, não deixa saudades à visionária, para quem a afirmação da mulher continua a ser uma necessidade. Recordando as “tentativas subtis enraizadas na sociedade que desencorajam a mulher a ser combativa e líder”, Ascensão Simões lamenta que, presentemente, as empresas, de “forma sub-reptícia”, continuem a confiar cargos de liderança aos homens “privando as mulheres da maternidade ou afastando-as do exercício de cargos mas relevantes”.



Ascensão Simões licenciou-se quando ainda era preciso apresentar uma tese. Naqueles anos debruçou-se sobre o Portugal Restaurado do Conde da Ericeira. “Um trabalho histórico e filosófico sobre a introdução de novas tecnologias e a restauração da independência”. A professora aposentada considera-se uma boa educadora e a conversa encaminha-se para a aprendizagem que “deve ser constante” pois “um professor demora muito tempo a fazer-se”. “O trabalho burocrático e a preocupação com papéis roubam-lhe energias”. Diz a nonagenária preocupada com “o ritmo frenético da vida moderna, permanentemente dependente do computador e do trabalho fora de horas, sem tempo para os filhos”.

Tempos de exigências bem diferentes da realidade vivida pela professora que iniciou a sua atividade com horário completo. No tempo da revolução os colegas escolheram-na para liderar os destinos da Escola Campos Melo pois era um “período bastante agitado”. “Muitas vezes saí de lá à meia-noite por coisas tão simples como ceder papel para a propaganda eleitoral dos estudantes. A vida era muito conturbada e exigia-se muito diálogo. Era um tempo em que os professores chagavam sem habilitação mas a explosão escolar a isso obrigava”.

Condicionalismos superados com diplomacia e muito diálogo. “Era preciso mostrar que as competências das mulheres não ficavam atrás das do sexo oposto”, vinca a primeira diretora de uma escola na Covilhã. “Tenho a certeza que a seguir à doutora Judite Chitas, no ciclo preparatório, fui a mulher mais antiga a dirigir uma escola com 105 professores e 1600 alunos”, disse. Recuando no tempo, e à condição de encarregada de educação, franje o sobrolho e num tom reprobatório lembra como foi possível, na escola, alguém questionar da razão de ser encarregada de educação das filhas. “Até para isso  pensavam no homem”!



Detentora de um percurso recheado de inovação e desafios em prol do bem comum, Ascensão Simões recupera a memória do centenário da Escola Campos Melo e o ano de 1984 quando a sua condição de mulher inconformada a impeliu a aceitar o desafio de criar a APAE – associação de pais e antigos alunos da escola Campos Melo. “Fiz um plano para as comemorações, distribui trabalho. A escola não tinha associação de pais e isso era imperioso até para os antigos alunos. A associação de pais estava meio adormecida, fui ajudando no que pude”. Já quanto à constituição da associação de antigos alunos, o processo foi mais rápido, uma vez que muitas pessoas bem colocadas, como arquitetos e engenheiros, passaram pela Campos Melo, uma escola de referência na Covilhã. A dedicação e arrojo que lhe marcaram a trajetória na Campos Melo também caracterizaram os anos dedicados à Academia Sénior da Covilhã, fundada em 2000, na qual chegou ser reitora. Criou-a para “manter-me ocupada e aprender informática”. Recordando o início do projeto na Escola Quinta das Palmeiras e posteriormente em casa de uma particular, Ascensão Simões não esquece o contributo do Município da Covilhã, na pessoa do então presidente Carlos Pinto, na solução para a sede da Academia, nem a Universidade da Beira Interior cujos professores passaram a dar aulas na Academia Sénior da Covilhã atualmente frequentada por 70 pessoas, com mais incidência nos 60 a 70 anos.




BIOGRAFIA

Maria Ascensão Simões nasceu, em Nelas, a 20 de junho de 1929. Frequentou o ensino primário no Colégio da Nossa Senhora da Conceição (Viseu), o ensino secundário no Liceu Infanta D. Maria (Coimbra) e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Ciências Históricas e Filosóficas. Dedicada ao ensino desde 1954 até a sua aposentação em 1996, lecionou em diversas cidades do país. Professora durante 33 anos na Escola Industrial Campos Melo, integrou a comissão de gestão em 1974/1975 vindo a ser presidente do conselho diretivo desde 1981 até 1988. Foi sócia fundadora da Academia Sénior da Covilhã e reitora de 2003 a 2018. Foi ainda sócia fundadora e presidente da assembleia geral da APAE Campos Melo e deputada na assembleia municipal da Covilhã entre 2005 e 2009.
ORIGINALMENTE publicado na edição de 11 de julho 2019 do caderno JF Comunidade do Jornal do Fundão.




Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...