Há quem o apelide de senhor poupança
pois o programa “Contas-poupança” na televisão reforçou-lhe o mediatismo.
Semanalmente no ar há 8 anos, “Contas-poupança” deu origem a dois livros sobre
economia pessoal e familiar. O segundo está nas bancas há pouco tempo e serviu
de mote a um conjunto de questões ao jornalista covilhanense Pedro Andersson.
Perfil
Jornalista há mais de 20 anos, Pedro Andersson iniciou o contacto com
os media era ainda adolescente. Começou
na Rádio Clube da Covilhã, foi jornalista na rádio TSF entre 1997 e 2001,
altura em que foi convidado para ser um dos jornalistas fundadores da SIC
Notícias. Atualmente, na SIC é jornalista-coordenador e autor da rubrica
sobre finanças pessoais "Contas-poupança", emitido todas as semanas há
mais de 8 anos.
É autor de 2 livros sobre finanças pessoais: "Contas-poupança
- Viva melhor com o mesmo dinheiro" (2016) e "Contas-poupança -
Poupe ainda mais, Invista melhor" (2018).
1- Está nas livrarias um novo
"Contas-poupança". Significa que os seguidores do programa da SIC
estão mesmo a seguir os conselhos deste SOS poupança escrito por Pedro
Andersson?
Pelos vistos,
sim. Isso deixa-me muito feliz. No princípio até achava que algumas dicas eram
demasiado simples e que as pessoas iam criticar-me porque estava a dizer coisas
óbvias. Mas não. Há uma imensidão de pessoas que de facto precisam dos
conselhos SOS de finanças pessoais, poupança e investimento. Eu chamo a esses
conselhos "terapia de choque financeira". Há dezenas de milhares de
pessoas que precisam mesmo de ajuda para porem as suas contas em ordem. Encaro
isto como uma espécie de missão mais do que jornalística, de cidadania.
Infelizmente, em Portugal quase ninguém tem formação financeira básica para
fazer contas, comparar, negociar e lidar com as empresas, instituições e com o
Estado de igual para igual. Parecemos sempre muito pequeninos e impotentes.
Aceitamos o que nos dizem sem questionar. Isso tem de acabar.
2-Dois livros. O que separa o
primeiro do segundo? O que os distingue?
Duas coisas
separam o primeiro do segundo. São dois anos de dicas rigorosamente
novas que surgiram depois de ter escrito o primeiro livro. Ou seja, estão
sempre a surgir novas oportunidades de pouparmos. As dicas de poupança surgem
debaixo das pedras, como costumo dizer. Estou a fazer uma reportagem e é o
entrevistado que diz: "Olhe, e já reparou que também pode poupar nisto e
naquilo?". Isto quer dizer que o trabalho do "Contas-poupança" é
interminável. Há sempre maneiras novas de termos o mesmo (ou de preferência
melhor) com o mesmo dinheiro ou menos. Esse é o meu desafio em todas as
reportagens. Não é poupar vivendo pior. O que é desafiante é conseguirmos viver
melhor com menos dinheiro. E a existência do "Contas-poupança" prova
que isso é possível. No segundo livro, há também uma vertente
completamente nova: a do investimento. Percebi que não vale a pena poupar se não
soubermos para que queremos o dinheiro. Temos de o fazer crescer senão ele vai
definhando. A ideia do porquinho mealheiro é o pior exemplo de poupança. É o
contrassenso absoluto. Ao prendermos o dinheiro numa coisa parada estamos
a deixar o dinheiro desvalorizar. Eu posso ter 10 mil euros e daqui a 10
anos esse dinheiro só vai valer 5 ou 6 mil, embora lá tenha os tais 10 mil. A
inflação come o nosso dinheiro, mas como não o vemos desaparecer fazemos de
conta que a inflação não existe. Qualquer produto de poupança que renda menos
de 1,6% está a "matar" o nosso dinheiro. No livro dou variadíssimas
alternativas de investimento - com risco e sem risco - para poder escolher
de acordo com o seu perfil. Para mim, que nunca investi em produtos com risco,
foi uma surpresa absoluta o que ganhei nos meses mais recentes com pequenos
valores que investi para testar as reportagens.
3-Em que medida é que os alertas do programa e do livro têm contribuído
para formar o consumidor?
Os
consumidores portugueses estão cada vez melhor informados e formados. Já sabem
ao que vão e fazem cada vez mais perguntas. E reclamam por escrito, coisas que
raramente faziam no passado. E já vão ter com as empresas e instituições com os
olhos mais abertos. Já sabem o que querem e, melhor do que isso, o que não
querem. A palavra não está a entrar na linguagem do consumidor e isso é uma
vitória enorme. Ir a um banco, receber uma simulação e dizer não ao funcionário
do banco deve ser um choque para alguns desses funcionários. No passado, o que
o gestor de conta dizia era lei para nós. Agora já percebemos que os gestores
de conta estão a trabalhar para atingir os objetivos do banco e não para
defender os nossos interesses.
4- Parece-lhe que os conselhos dados têm sido acatados pelas grandes marcas
e prestadores de serviços vários?
Não muito.
Noto algumas diferenças, mas só porque são obrigados pelas autoridades de
supervisão e pelos reguladores. A pressão da comunicação social (nomeadamente
do "Contas-poupança") tem a sua influência mas apenas isso. Já houve
empresas que melhoraram o apoio ao cliente ou clarificaram algumas regras por
causa do programa, mas ainda é uma coisa insípida. O verdadeiro trabalho está
nas mãos de cada consumidor. Tem de ser uma "batalha" corpo a corpo, consumidor
a consumidor, porque cada caso é um caso. O consumidor só deve desistir de uma
reclamação quando estiver satisfeito com a resposta. É essa a mensagem que
quero passar. Nem que demore 10 anos.
5-Quais são as áreas em que nós, os consumidores, somos mais negligenciados?
Somos muito
negligenciados pelas grandes empresas e pelo Estado. Quando fazemos um pedido
de esclarecimento ou fazemos um pedido ou uma reclamação, mandam uma resposta
chapa 5 do tipo "Gostamos muito de si, é muito importante para nós e vamos
analisar..." e passam semanas e não acontece nada. Isso é trágico e tem de
mudar. Por vezes a única solução é avançar para o Provedor de Justiça e os
Centros de Arbitragem.
6-Como observa o poder de compra dos portugueses?
Nesta fase
está a melhorar. A crise foi muito grave e deixou mossa. Mas estou a ver
demasiadas pessoas a esquecerem rapidamente o que podiam ter aprendido com a
crise. Eu aprendi, e muito. Devíamos nesta altura de vacas menos magras estar a
preparar a nossa defesa para quando a próxima crise chegar. Porque vai chegar.
E não é preciso ser rico para poupar. O segredo é tão simples quanto isto:
Nunca gastar mais do que se ganha. Só isso. E se conseguir pôr de lado 10% do
que ganha todos os meses assim que recebe o ordenado isso é o ideal. Quem
fizer isto estará preparado para tudo o que possa vir a acontecer. Mas não é
fácil. O português não sabe poupar e não sabe investir. A verdade é que também
nunca ninguém nos ensinou, nem as famílias nem a escola. E cometemos
erros de gestão financeira pessoal desde que nascemos até morrermos. Está na
altura de fazer qualquer coisa para mudar esta atitude perante o dinheiro.
Temos de perder o medo de falar de dinheiro. Ele não morde. Tanto pode ser
nosso amigo como inimigo. Depende de nós.
7-Iniciou o seu percurso de jornalista na imprensa regional como observa o
estado do jornalismo?
Sim, comecei
na Rádio Clube da Covilhã. O jornalismo está neste momento numa encruzilhada,
sobretudo por causa das redes sociais e do digital. Qualquer pessoa pode
produzir informação e chegar num segundo a dezenas de milhares de pessoas. E
não precisa ser jornalista. O grande desafio do jornalismo hoje é
credibilizar-se a ponto das pessoas estarem dispostas a pagar (por assinatura
ou assistindo a publicidade) para terem a certeza de que a informação que estão
a receber é absolutamente verdadeira e que lhes traz valor acrescentado. Há
tanto ruído hoje que o jornalismo tem a tentação de seguir a onda da rapidez da
informação sem o rigor necessário e, se o fizer, vai perder a
guerra.
8-Como vai a liberdade de expressão em Portugal?
Muito bem.
Creio que não há um problema de liberdade de expressão em Portugal. Felizmente
vivemos num país onde essa questão neste momento não se coloca, na minha
opinião. Pelo menos no meu caso nunca, em nenhuma circunstância, vi a minha
liberdade de expressão enquanto jornalista ou cidadão ameaçada ou atacada. E
nos casos em que isso acontece, os tribunais têm funcionado.
9-Natural da Covilhã, como observa a cidade e a região da Beira Interior a
partir de Lisboa?
Venho ver a
minha mãe regularmente. Ela ainda vive no concelho da Covilhã. Tenho visto a
cidade a desenvolver-se e isso deixa-me muito satisfeito. Fico com uma imagem
positiva do desenvolvimento da região e do distrito de Castelo Branco, mas só
tenho uma visão de passagem. Não posso dizer que acompanhe o dia-a-dia da
região. Mantenho o meu contacto com amigos e colegas, mas mais a nível pessoal
do que como alguém com ligações à Beira Interior. Mas fico feliz por ver o
fosso entre o litoral e o interior a esbater-se em algumas coisas.
Infelizmente, há também algumas que permanecem quase iguais como a falta de
investimento em infraestruturas.
10-O despovoamento que marca esta região preocupa-o? Como lhe parece que
poderemos inverter a tendência de baixa natalidade e abandono do meio rural?
Acho que é um
problema de todo o interior de Portugal. Eu próprio, depois de ter terminado o
Curso de Comunicação Social na UBI tive de procurar saídas profissionais em
Lisboa. Não encontrei outra forma de crescer profissionalmente e tenho uma
enorme admiração pelos meus colegas jornalistas que ainda se mantêm na imprensa
regional apesar de todos os desafios. Não conheço as outras profissões em
pormenor, mas creio que todas têm problemas semelhantes. As pessoas quanto não
encontram alternativas no meio onde nasceram e cresceram têm de procurar outras
soluções. É assim há décadas. Sinceramente não sei como inverter essa
tendência. Deixo isso para quem tem poder de decisão. Suponho que criar
estímulos para trazer e manter as pessoas no interior exija investimentos
altíssimos que não sei se os recursos do país permitem.
11-Que referências tem desta região?
Prefiro falar
de memórias: O cheiro da terra das courelas dos meus avós no "Chão
Grande", a ribeira do Paúl (onde pesquei muitas trutas na minha infância e
aprendi a nadar), o autocarro da Auto Transportes do Fundão que me levava
e trazia do Paúl para a Covilhã com os vidros sempre embaciados por causa da
chuva e do frio, tentar andar em cima do gelo frágil da levada junto à escola
preparatória do Paúl, a geada branca como a neve nas manhãs frias de inverno,
os jogos de futebol até às 11 da noite no meio da rua só interrompidos de vez
em quando por um carro que passava, o apanhar flores de tília para vender
saquinhos de chá aos vizinhos por uns tostões que já não me lembro, olhar para
a Serra da Estrela e vê-la coberta de neve até meio e desejar estar lá em cima
a fazer bonecos de neve, o cheiro a lenha queimada na chapa da minha avó
onde grelhávamos míscaros com umas pitadas de sal apanhados no pinhal ali
perto. São algumas coisas que quem nasceu e cresceu na cidade não conhece nem
dá valor. Tenho saudades.
12- Gostaria de voltar à Covilhã ?
Vou voltando.
Para viver definitivamente, creio não ter reunidas as condições neste momento
face ao percurso profissional que estou a seguir e o facto de já ter dois
filhos que nasceram em Lisboa e que têm aqui todos os seus amigos torna as
coisas mais difíceis de gerir. Mas o futuro tem sempre muitas surpresas e
desafios, não é? Um dia gostava de ensinar jornalismo. Quem sabe se a UBI
poderia ser uma opção. Já tenho algumas coisas para ensinar. Mas para já ainda
sinto que tenho muito para fazer na área do jornalismo financeiro e da
cidadania.
# Trabalho integralmente publicado na edição de 11 de outubro de 2018 do Jornal do Fundão