terça-feira, fevereiro 18, 2014

"Saudade" a rua que é uma família

Na cidade com uma população flutuante de aproximadamente dez mil pessoas, há lugares que ganham vida com a chegada dos estudantes. Gente que se governa no decurso do ano académico e que já não sabe estar sem a movida dos universitários. A Saudade é um desses lugares de vida e memórias.





O que seria a Covilhã sem os estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI)? A pergunta em jeito de resposta marca as conversas entre a repórter e os transeuntes de uma das ruas mais universitárias da Covilhã. Mas a realidade é comum a outras artérias de uma cidade onde “existem negócios que sobrevivem à custa dos estudantes”. É o caso da zona da Anil, bastante procurada pela população flutuante da Faculdade de Medicina! Além do alojamento e alimentação, a noite e a dinâmica de vida da gente jovem permitem que a economia local movimente milhares de euros. Mas centremo-nos na Saudade. Ali é fácil darmo-nos conta da presença e partida dos estudantes. Quem regressa às origens nunca mais esquece o bairro. Quem permanece na Covilhã volta à Saudade sempre que a folia aperta. Mas também há quem não volte e leve na bagagem a saudade os dias, num bairro em que as, outrora, casas de habitação são hoje segundas casas. E quem passou a morar em zonas mais chiques da Covilhã, aluga os antigos apartamentos os estudantes. Até ao número 100 da Rua da Saudade amontoam-se os carros de matrículas oriundas de outras terras. Há mais movimento nas ruas do que o habitual. Pessoas que envergam traje académico e com pronúncia do norte. E embora aquela artéria da zona antiga da Covilhã já não tenha a mesma dinâmica que antecedeu o nascimento de outros bairros, na zona de expansão da cidade, a verdade é que a calmaria desaparece mal chegam os estudantes universitários. Além do bulício crescente, entre a rua e os becos de acesso à Faculdade de Arquitectura ou ao pólo principal da UBI, das janelas das casas sai o som das canções do mundo. Música em altos berros, jovens nas varandas e janelas num movimento que ganha maior expressão nos cafés do bairro. O Café da Saudade é um desses pontos de confluência de jovens de todo o lado. Não só os residentes no Bairro da Saudade mas os estudantes que residem em zonas mais caras da Covilhã ou nas residências académicas. Não há ubiano que desconheça a Saudade. Ponto de referência para jantaradas de grupo e outras partilhas. Geografia de afectos, gerador de relações humanas, lugar onde chegam a estabelecer-se relações de quase família. A imagem da repórter é corroborada por Ester Ferrinho. “Há estudantes que conheço há mais de dezassete anos. Concluíram o curso, constituíram família e mantém-se por cá”. A proprietária do Café da Saudade conhece tão bem alguns dos estudantes da UBI como a própria filha. Os seus gostos e defeitos, basta vê-los entrar e consegue perceber se já dormiram ou se a noite foi ao relento. “Na recepção ao caloiro e na semana académico é frequente vê-los a dormir à porta dos prédios, nas escadas ou nos elevadores. Uma vez num café aqui do bairro, estavam a regressar e alguns adormeceram debaixo da mesa de snooker”. Revelações de Ester Ferrinho que reforça o sorriso cúmplice quando recorda os dias em que lhe cantaram uma serenata. “Umas duas ou três vezes, a última foi a semana passada e eu gosto. Sinto que também me estimam”. Ester e o marido Júlio são uma entre muitas famílias covilhanenses que estreitam laços com os jovens oriundos de vários sítios de Portugal. Gente que muitas vezes é uma espécie de família de acolhimento com quem os estudantes podem contar. “Às vezes pedem-me uma aspirina ou uma forma de atenuar a gripe. Também temos quem peça complacência pela dificuldade e em vez de pagar a conta no dia fá-lo ao fim do mês. Quando conhecemos bem, gostamos de ajudar e as famílias não esquecem”. A escolha da Covilhã para estudar não está associada apenas a nota mínima de entrada nos cursos. Muitas famílias recorrem à cidade neve por saberem tratar-se de uma terra de dimensão média “em que toda a gente se conhece e onde o custo de vida é mais económico”. Foi o que aconteceu com o estudante de medicina Pedro Oliveira. Oriundo de Santa Maria da Feira, o jovem preferiu a Faculdade de Medicina da Covilhã em vez da Lisboa porque a cidade é mais acolhedora e as rendas (na Anil que é das zonas mais caras da Covilhã) custam menos duzentos euros que em Lisboa ou no Porto. Convidado a estabelecer um paralelismo entre a vida académica numa cidade do interior ou numa capital, Pedro admite que a dinâmica de festas e iniciativas académicas está concentrada em dois momentos (recepção e semana académica) mas que poderia “ser mais profícua se diluída ao longo do período académico. Por outro lado haveria uma maior probabilidade de estimular a economia”, diz.
Nuno é covilhanense e reside num dos bairros mais frequentados pela juventude da UBI. Não tem dúvidas em afirmar que o crescimento exponencial da população académica “é uma mais-valia” para a Covilhã e contesta a ideia de que entre os universitários haja gente perdida e com pouco juízo - como dizem alguns habitantes mais idosos. “São óptimas pessoas, a doideira passa-lhes a fim do primeiro ano”, esclarece. Alberto de Matos tem 85 anos e reside na Saudade há mais de vinte. Já morou em outros bairros da cidade, igualmente povoados de estudantes mas é da Saudade que guarda as maiores recordações da vida movimentada dos universitários. As festas fora de horas e para as quais nunca foram convidados mas que entram pela casa adentro de cada um dos moradores daquela artéria da zona antiga da Covilhã. Memória tem muitas, umas mais engraçadas que outras. Também tem muito presente o reboliço associado à chegada de novos “novos magotes de malta” e das tiranias que fazem uns aos outros. Numa alusão às praxes, Alberto recorda os exageros associados ao consumo de álcool e partilha connosco episódios como aquele em que uma rapariga queria ficar sem roupa ao pé do contentor. Gente cheia de vida que ora perturba o sossego dos outros ora é boa companhia para os dias mais cinzentos. Sobre os comportamentos acrescenta que os angolanos são mais calmos que os outros. Rafael Ferreira tem 22 anos é natural do Entroncamento e matriculou-se na Universidade da Beira Interior (UBI) há três anos, por opção. Ainda não concluiu o curso de Engenharia Civil e já está a desenvolver um projecto económico que dá trabalho a estudantes mas também os encaminha para as melhores casas ou na busca de bons resultados lectivos. No último Verão constituiu a ImoStudy, Imobiliária e Centro de Explicações. Um negócio que vai da ajuda ao arrendamento para estudantes até às explicações. Rafael quando chegou à Covilhã desconhecia a realidade do território e muito menos onde se dirigir para obter serviços básicos. Nesse caso constituiu-se como mediador imobiliário “não burocrático”. Em cada estudante um amigo é o lema da empresa que já celebrou alguns contractos com mais de uma vintena de pessoas que através da ImoStudy passam a conhecer a Covilhã fora das portas da UBI. Estimular a integração da população flutuante numa cidade do interior é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. é o objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. Ao JF, Rafael adianta que a estratégia de negócio passa por tirar partido do período de matrículas em que cerca de dois mil estudantes chegam à Covilhã à procura de um abrigo. “Colocar uma placa a informar que se aluga quarto ou que se arrenda casa, não chega. As famílias querem saber mais sobre a cidade universitária e os locais que os filhos poderão frequentar. Nós encaminhamos essas pessoas”, esclarece o estudante empreendedor.
Dados dos serviços sociais da UBI indicam que no ano lectivo de 2012/13 estiveram ocupadas 742 das 815 camas em residência académica. A maior percentagem de população em residência diz respeito a estudantes oriundos dos distritos de Castelo Branco (10,38%), Porto (9,97%) e Aveiro (9,43%), seguido dos estudantes estrangeiros que chegam á Covilhã por via do programa Erasmus e que totalizam cerca de (23,58%) dos residentes em instalações da universidade. Recorrer a uma residência académica não é para todos os estudantes, depende dos rendimentos da família e normalmente a dormida em residência é encara como um suplemento à bolsa. De acordo com o Artigo 19º do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, os estudantes bolseiros deslocados do ensino superior público que não tenham tido colocação em residência dos serviços de acção social, “beneficiam, no período lectivo em causa, de um complemento mensal igual ao valor do encargo efectivamente pago pelo alojamento e comprovado por recibo, até ao limite de 30 % do indexante dos apoios sociais”. Relativamente ao apoio financeiro para o estudante morar na Covilhã, não existe nenhum caso, visto que todos os candidatos a alojamento foram colocados em residência académica. Os dados satisfazem a organização que defende os interesses dos estudantes. “A UBI tem das melhores percentagens de cobertura de residências para estudantes”, referiu Pedro Bernardo presidente da AAUBI. Os preços variam consoante a modernidade e conservação dos imóveis. No caso da UBI, a Casa Pedro Álvares Cabral (ao Sineiro) é a menos em conta. “O valor médio a pagar é de 110 euros, no entanto há residências a 80 euros”. Alugar quarto ou casa na Covilhã significa igualmente diversidade nos preços e comodidade. A localização é um factor muito importante tanto para quem procura como para quem investiu no negócio. Morar ao pé da Faculdade de Medicina ou junto ao pólo principal pode custar mais caro que escolher um quarto ou uma casa na zona da Saudade. “O preço é variável, se um quarto pode custar à volta de 100 euros, a renda de um T0 pode chegar aos 400 a 500 euros. Mas em média os preços por quarto andam na casa dos 150 a 160 euros mais despesas de luz, água e condomínio e sem contrato de arrendamento”. Pedro Bernardo esclarece que por exemplo na zona da Saudade “os arrendatários têm a preocupação de uniformizar o preço”. Questionado sobre a ausência de contractos de arrendamento o presidente da AAUBI lembra como a “necessidade aguça o engenho”, pois os estudantes querem pagar o menos possível e os senhorios evitam os impostos. Mas o dirigente estudantil também deixa um alerta:”É importante que se estabeleça algum compromisso”. E a título de exemplo conta ao JF a história de um ubiano que recentemente se atrasou uma semana a pagar a conta e foi convidado a abandonar o quarto onde permanecia há muito tempo. “Com um contrato estão sempre salvaguardados os deveres e direitos de inquilino e proprietário”, alerta! Sobre a frequência de centenas de estudantes na cidade que também depende da economia universitária, Pedro Bernardo, salienta que a Covilhã ainda não aprendeu a conviver com as mudanças de comportamentos dos residentes. Aludindo ao período em que centenas de novos estudantes se instalam na cidade e às festas académicas, Pedro Bernardo desvaloriza supostos exageros, barulhos e mudança de comportamentos e sublinha “os proveitos económicos” que a população académica deixa na Covilhã.


Quadros relativos à população estudante da UBI nas residências, bem como o distrito de proveniência:



Distrito
Nº Alunos 1º, 2º e 3º Ciclos e MI
%
Nº Aluno alojados na residência*
%
Castelo Branco
1734
27,31%
77
10,38%
Guarda
703
11,07%
54
7,28%
Aveiro
531
8,36%
70
9,43%
Viseu
514
8,09%
46
6,20%
Porto
468
7,37%
74
9,97%
Braga
394
6,20%
55
7,41%
Santarém
311
4,90%
27
3,64%
Leiria
278
4,38%
26
3,50%
Coimbra
196
3,09%
16
2,16%
Lisboa
185
2,91%
26
3,50%
Vila Real
160
2,52%
10
1,35%
Bragança
136
2,14%
8
1,08%
Viana do Castelo
121
1,91%
19
2,56%
Setúbal
99
1,56%
14
1,89%
R. A. Madeira
93
1,46%
21
2,83%
Faro
86
1,35%
14
1,89%
Portalegre
72
1,13%
3
0,40%
R. A. Açores
62
0,98%
4
0,54%
Évora
28
0,44%
2
0,27%
Beja
23
0,36%
1
0,13%
Outras localidades/ países/ Erasmus
156
2,46%
175
23,58%
Total Geral
6350
742


Publicado no Jornal do Fundão em Novembro de 2013

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

New Hand Lab a fábrica que é um Laboratório Criativo.

Reúne meia dúzia de artistas da região e dedica-se à produção de peças relacionadas com a lã. Mas também há fotografia e aguarelas. Localizada junto à emblemática ponte pedonal da Carpinteira a montra da criatividade haverá de ser um renovado motivo para visitar a Covilhã industrial e judaica.





 Francisco tinha dez anos quando entrou pela primeira vez na Fábrica António Estrela. Viviam-se os tempos áureos dos lanifícios e a Covilhã industrial era um atractivo inquestionável. As brincadeiras de menino eram invariavelmente em contexto de fábrica e assim se compreende a relação de afecto estabelecida entre o actual proprietário e o património construído por António Estrela. Da memória dos antepassados à relação que presentemente mantém com a venda de obras criativas foi um passo. Francisco queria dar um novo rumo a um edifício que hoje tem tanto de sombrio como de gelado. Mas é sempre possível fazer acontecer. O ano que há-de vir marcará o início de um conjunto de eventos associados às artes e à criação de novos talentos. “Enquadrar o espaço numa nova rota sobre a arqueologia industrial da Covilhã, é uma aposta a ter em conta”, afirma Francisco Afonso.

Quem se passeia sobre a ponte desenhada por Carrilho da Graça e observa os telhados do aglomerado de antigas fábricas que laboraram paredes meias com a Carpinteira, está longe de imaginar que aquele lugar da Covilhã industrial poderá vir a ser um miradouro sobre o Laboratório Criativo em que se tornou a antiga fábrica António Estrela. Francisco Afonso é cicerone numa viagem à descoberta de um “espaço de expressão livre e criativa”. Francisco é filho de Júlio Afonso, o último proprietário da fábrica António Estrela construída em 1830. Realizar o sonho da família, preservando a memória de uma empresa que se dedicou à produção de tecidos para senhora é a missão de quem assistiu ao fim da fábrica que então empregava 40 pessoas. Assim nasceu, em Junho último, o projecto do Laboratório Criativo. Revitalizar um espaço onde permanecem muitas das máquinas que outrora deram trabalho a centenas de pessoas é a missão! Embora nunca tenha ficado totalmente abandonado, pois ainda dispõe de enormes quantidades de tecidos e matéria-prima, o imóvel reúne agora um conjunto de artistas que são fornecedores da Casa da Lagariça em Castelo Novo. “Os artistas que trabalham connosco, e que são da região, têm aqui condições para desenvolverem a sua actividade num espírito de partilha. A ideia é um dia mais tarde tentarmos desenvolver um único produto que seja transversal a todos os criativos”, acrescenta Francisco Afonso. Presentemente a produção a partir do Laboratório Criativo também está á venda no primeiro piso da antiga unidade industrial.
A Casa da Lagariça em Castelo Novo e o boneco Petrus estão na origem de um novo projecto criativo que visa dinamizar uma antiga fábrica de lanifícios perto da ponte da Carpinteira na Covilhã. São dez mil metros quadrados de área coberta num Laboratório Criativo que reúne meia dúzia de criadores. Trabalham artesanato, lã e fotografia. O atelier Cool Nature de Miguel Gigante, o estúdio de fotografia Pulse and Vision de João Pedro Silva, o atelier Petrus de Ana Almeida, a MEG em pasta de papel de Maria Eugénia Gomes, a Casa da Lagariça em lãs mohair e lãs mais finas, o escultor Moreira Neves e o aguarelista João Rui Frade estão entre os artistas residentes.
Mas é no rés-do-chão da antiga fábrica que as mãos de criadores transformam a matéria-prima em criações de encher o olho. O visitante entusiasma-se  com a possibilidade de manusear máquinas totalmente construídas na Covilhã e que embora já não estejam permanentemente em laboração ajudam a decorar o laboratório criativo. “Estamos a utilizar algumas para desenvolver produtos que mais tarde serão a matéria-prima para a confecção de modelos assinados pelo criador Miguel Gigante. As mantas em mohair são exemplo disso”, conclui. De resto, Miguel Gigante está a desenvolver a colecção “Vestir a História”. Peças de vestuário em lã para senhora, disponíveis nas lojas das Aldeias Históricas de Portugal. Um trabalho exclusivo que se estende à decoração cujos acabamentos também se fazem a partir do Laboratório Criativo. Assim acontece com “um fundo de cama e respectivas almofadas ou um candeeiro de pé alto que será revestido a burel”. No Cool Natura Lda, a revistadeira ajuda a decorar o espaço mas espera-se que um dia venha a ser utilizada para desenvolver projectos de pintura nos tecidos que Miguel Gigante poderá aplicar em novos modelos. “Temos aqui vários momentos de ensaio de peças e acabamentos. Por exemplo uma carteira toda em lã”. Os estiradores, uma ploter, máquinas de costura e outros equipamentos ajudam a humanizar o amplo pavilhão que vai ganhando algum colorido por via dos trabalhos em curso. Ao atelier do burel junta-se o espaço da Casa da Lagariça. É visível o trabalho de fabrico de mantas em lã mohair que passa pelo tear e permite ao visitante escolher na paleta de fios qual a tonalidade a dar às peças únicas. Num outro sector encontramos o espaço de Ana Almeida onde é fabricado o ícone da Casa da Lagariça. O Petrus tem marca registada, é sinónimo de história. Petrus foi o primeiro alcaide de Castelo Novo. “São peças únicas, numeradas e que têm diferentes formas. São feitos à mão através da técnica da agulha com ponto baixo. Um com trinta centímetros pode demorar um dia a construir” explica a professora da Universidade da Beira Interior que trabalha no departamento de química e cuja formação em engenharia química permitiu à criadora aliar formas e pensar na consistência do modelo de autor. O Petrus “é uma espécie de mascote das Aldeias Históricas de Portugal” diz Ana Almeida, cheia de orgulho. MEG é um nome incontornável do artesanato nacional e a qualidade dos seus trabalhos têm-se traduzido em alguns prémios para a artista natural da Covilhã. O espaço MEG reúne uma panóplia de peças de artesanato elaboradas por Maria Eugénia Gomes. Com recurso à pasta de papel (serrim que resulta do corte de tubos de papel utilizados na indústria de lanifícios) e ao aproveitamento de objectos fora de moda, MEG apresenta peças bastante actuais e com nomes muito sugestivos. “Mulheres sob Pressão” é uma das obras recriada. “Aproveitando uma prensa dos livros e através da construção de duas mulheres em pasta de papel, elas aparecem espalmadas depois de terem ficado sob a prensa”. “Conversa Fiada é o título de outras das obras que nasceu a partir do aproveitamento de uma roca de fiar linho e em que três mulheres se apresentam na amena cavaqueira. A Semana é outro dos objectos decorativos que se desenvolve num quadro em que os dois bonecos rapazes e as cinco raparigas nos dão a ideia do período de descanso e de trabalho”. Já a peça “À Espera da Primavera, apresenta-se num quadro em que uma mulher está sentada no baloiço improvisado no tronco de uma árvore despida de folhas”. Trabalhos de artesanato que estão à venda na rede de lojas das Aldeias do Xisto e em duas ou três lojas de Lisboa, Porto e Castelo Novo. Segue-se o atelier de pintura de João Rui Frade. O aguarelista da Covilhã que também trabalhou na Fábrica António Estrela aderiu ao projecto para ajudar a preservar o património da unidade de lanifícios onde trabalhou na cardação e na verificação do estado de saúde da maquinaria industrial. O antigo desenhador de máquinas transporta-nos agora para outros desenhos que resultam das muitas viagens pelo património natural da Covilhã. Lugares recônditos que despertam no pintor a capacidade de construir cenários de sonho. “Um levantamento de lugares emblemáticos da cidade para uma colecção de aguarelas sobre a vida urbana da cidade”, preenche os dias do pintor de paisagens, telhados e igrejas mas que também se dedica à recolha de recantos do mundo rural. Por entre aguarelas, lápis e tintas, João Rui Frade confidencia a satisfação de ter um espaço para trabalhar que além de muita luz se localiza num lugar onde a beleza da natureza é uma constante. À porta da antiga fábrica de lanifícios o silêncio de um princípio de tarde de outono só é quebrado pelo som da água da Ribeira da Carpinteira que passa ao lado da unidade criativa. A natureza é o forte do fotógrafo João Pedro Silva. No estúdio improvisado e decorado a partir da utilização das caixas de madeira que foram utilizadas no transporte da lã, João Pedro explica que a arte de fotografar vai muito além de um mero clique. Não será ao acaso que “o contador de histórias em fotografia” foi seleccionado para assinar o catálogo da colecção de burel para a Rede das Aldeias Históricas de Portugal. Com o negócio da fotografia em crise, João Pedro vê na New Hand Lab uma nova janela de oportunidade para a realização de projectos que vão além da fotografia convencional. Sociólogo de formação Pedro tem em mãos o desafio de educar o gosto pela arte fotográfica e tem realizado cursos de fotografia na Covilhã. A fotografia de paisagem e os rostos são a aposta do Pulse and Vision explicou o especialista que tem vindo a realizar trabalhos de promoção à arte do burel.

Publicado no Jornal do Fundão em Janeiro de 2014

quarta-feira, novembro 27, 2013

Tratamento para abusadores sexuais precisa-se

“Sexo, Crianças e Abusadores” é o título de um livro que resulta da realização de uma investigação clínico-forense, no âmbito da conclusão do Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UBI. Um trabalho de Filipa Carrola que entre 2010 e 2011 se dedicou a uma investigação que ajuda a avaliar “a personalidade e saúde mental” do sujeito abusador.
O documento com prefácio de Barra da Costa (profiler criminal) poderá ser um contributo para a compreensão e promoção de acções de acompanhamento e cura dos abusadores sexuais. Por outro lado, a tese de mestrado ajuda a “desmistificar a confusão que existe na sociedade entre pedofilia e abuso sexual de crianças, e os mitos que criam um imagem estereotipada acerca do crime de abuso sexual de crianças, abusadores e crianças”. 
No âmbito do estudo foram ouvidos em contexto prisional “62 abusadores sexuais de crianças” que cumprem pena nos estabelecimentos prisionais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Carregueira. No trabalho de campo a jovem investigadora ouviu ainda “63 sujeitos da população normativa, que foram avaliados em termos da sua personalidade e saúde mental, através da aplicação de dois instrumentos de avaliação psicológica (entenda-se, questionários). Para complementar o estudo e melhor caracterizar a amostra foi também aplicado a todos os sujeitos de ambos os grupos um breve questionário sócio-demográfico. Após a análise estatística concluiu-se que a média de idades dos abusadores sexuais foi “de 44 anos, sendo que 53,22% destes sujeitos tinha idade igual ou inferior a 45 anos. No que respeita à escolaridade, 48,38% dos abusadores estudados tinham escolaridade equivalente ao 2.º/3.º ciclos do ensino básico, 40,32% tinham escolaridade igual ou inferior ao 1.º ciclo do ensino básico e 11,29% tinham escolaridade igual ou superior ou ensino secundário”. Por outro lado, os abusadores em causa pertencem a “vários estratos socio-económicos e as suas competências sociais e culturais são variáveis. É um grupo heterogéneo psicologicamente afectado, pois ao nível da personalidade tinham dificuldade em identificar e gerir emoções”. São tendencialmente hostis e negativistas. Estão associados a problemas de alcoolismo e a um sub mundo quantas vezes criado pelos próprios e com base nas “fantasias e vícios” de cada um.
Filipa Carrola entrevistou cada um dos abusadores e em nenhum momento sentiu desconforto. Ainda assim sublinha a tentativa de cada um dos abusadores em justificar o injustificável. “Muitas vezes disseram que foram seduzidos pela vítima. Mas o relato mais marcante foi o de um jovem abusador que me disse ser o Messias e encarnando uma pessoa teria de dar carinho e afecto permanente às crianças”.
Apreensiva com o retrato dos abusadores, Filipa Carrola deseja que o seu trabalho académico abra caminho “ao tratamento dos abusadores evitando o crescimento das taxas de reincidência e protegendo mais as crianças”. A investigadora, natural da Covilhã, referiu ao JF ser imperioso “contrariar a ideia de que a prisão é o único tratamento penal para estes sujeitos, pois muitas vezes saem mais perigosos”. À semelhança do que acontece com os condenados por violência doméstica, em Portugal não há uma estratégia de tratamento dos criminosos/condenados. Filipa Carrola lembra a Convenção dos Direitos da Criança em que os todos os países se comprometem a legislar para prevenir todas as formas de violência sexual e a prevenção está também no tratamento, alerta! Ainda assim, sublinhe-se que em Portugal existe nos Estabelecimentos Prisionais de Paços de Ferreira, Carregueira e Funchal um programa de acompanhamento de abusadores sexuais mas cujos resultados práticos são desconhecidos. “Em 2011 pensou-se dar continuidade ao programa fora do contexto da cadeia”, conclui. Da investigação, que permitiu a Filipa Corrola um brilhante 19, resultou a publicação de um artigo numa revista de Criminologia no Brasil e dois capítulos na revista Portuguesa de Psicologia. Continuar o trabalho académico de investigação nesta área é o próximo passo da autora do livro “Sexo, Crianças e Abusadores, que se propõe tirar o Doutoramento e desenvolver as suas competências no acompanhamento dos abusadores sexuais. 

Publicado no Jornal do Fundão de 14 de Novembro de 2013

segunda-feira, novembro 18, 2013

Desinvestimento na cultura ameaça um bem essencial

Fernando Sena o actor que é director e fundador de uma companhia de teatro que é um exemplo de resistência à interioridade e à ausência de uma maior aposta na produção cultural. ”Sou contra a menorização da cultura”.


Fernando Sena, director do Teatro das Beiras, fundador da associação que deu origem à companhia profissional de teatro. O GICC- Grupo de Intervenção Cultural da Covilhã, fundado em 1974, e onde foi actor e encenador. Foi um dos mentores de um projecto cultural ecléctico, que à época era único na Beira Interior, pioneiro no combate ao analfabetismo. Na conversa realizada na sede da companhia, Fernando Sena recordou os primeiros passos de um projecto que assume como parte integrante da sua vida e elege a profissionalização da companhia como o marco mais importante do projecto. O primeiro espectáculo foi logo em 1975, mas a associação tinha uma intervenção multifacetada. “Muito antes de se falar de analfabetismo, dinamizámos a alfabetização e houve quem tenha feito o exame da quarta classe, após as aulas aqui realizadas”. A realização em Agosto de O acto na Montanha, permitindo a troca de experiência e aperfeiçoamento de conhecimento no teatro e outras artes foi, durante dez anos, outro doa marcos da companhia. Resistir “às inúmeras dificuldades criadas ao teatro e à cultura” tem sido a estratégia. Aos parcos apoios financeiros que desde sempre marcaram o apoio à produção cultural - ao contrato de financiamento assinada em 2009 com a Direcção Geral das Artes, sucederam-se cortes que em 2013 chegaram aos 70% - junta-se a interioridade. “Quando fizemos o primeiro festival, um camião com os cenários demorava nove horas na viagem desde Lisboa à Covilhã. Hoje as viagens são menos demoradas mas a vida das companhias no interior continua financeiramente muito complicada. Seja pelo desinvestimento do Estado, seja pelo encerramento de serviços. Sem elementos catalisadores decresce a população”. Apesar dos contratempos Sena orgulha-se da panóplia de espectáculos realizados. “Mais de duas mil e duzentas produções em 39 anos, uma centena de espectadores por sessão”. Contestando o aparente divórcio entre o público e o teatro, Fernando Sena sublinha o decréscimo de espectadores também no cinema e questiona se “esse divórcio com a cultura não será, antes, um reflexo da formação das pessoas e da sociedade em geral”. Ou no resultado da perda de poder de compra! Quanto à estratégia de produção a aposta recai em nomes universais (Moliére e Goldoni) e “textos acessíveis”. Trabalhamos para o grande público e também para as crianças. Também produzimos espectáculos a partir de textos mais herméticos” mas que “têm uma grande qualidade e que pertencem a autores de renome mundial”. Enriquecem a oferta da companhia profissional que ao longo dos anos apresentou “quase 90 produções próprias”. Actualmente o Teatro das Beiras tem em cena o espectáculo de Dário Fou, “Pagar aqui Ninguém Paga”, que tem tido boa receptividade do público mas “infelizmente não tem havido condições para fazermos circular mais peças a nível nacional”. Embora a região e o país disponham actualmente uma rede de - e infra-estruturas culturais a verdade é que de há “quatro ou cinco anos a esta parte fazem-se menos espectáculos e digressão”. Enaltecendo o plano de recuperação de cine-teatros nas capitais de distrito, Fernando Sena elogia a estratégia do então Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho) mas lamenta que a construção de novos equipamentos (um por concelho) não tenha sido acompanhada pela contratação de bons programadores. “A maioria das salas encontra-se distante da actividade para a qual foi construída. Não estando abandonadas, são salas sem uma oferta regular de produção profissional”. A recuperação do Teatro Municipal da Covilhã que deverá ser uma das apostas do novo executivo do Município da Covilhã, merece um alerta: “Espero que não se comentam erros idênticos aos realizados pelo país em que se gastaram milhões de euros em salas com problemas técnicos de todo o tipo. A programação deverá ser adequada à cidade e não a preferência de uma ou duas pessoas”. O Teatro das Beiras está a fazer 39 anos, a caminho vem o Festival de Teatro, que nasceu em 1980 como Ciclo de Teatro de Outono, antevê-se uma programação cultural à altura da credibilidade da companhia. Actualmente reúne seis actores residentes, sonha com um espaço “mais digno para a apresentação de espectáculos”. “Trabalhamos com muito bons actores que não beneficiando do mediatismo das telenovelas são muito profissionais”. Embora a televisão seja um enorme meio de difusão de actores, Fernando Sena queixa-se de que “ao nível do espectáculo televisivo, não existe oferta de teatro. Nem na televisão pública! Mas a mediocridade não se fica pela oferta das estações privadas, a pública que é suportada por todos nós actua com a mesma ligeireza”, afirma. Em tom critico, lembra o ”país da compra e vende-se que esqueceu a cultura. Para mim a cultura faz parte da vida como um bem essencial”.

Publicado no Jornal do Fundão em Outubro de 2013

domingo, novembro 17, 2013

Da UBI para o mundo da moda

Priscila Borges Franco, mestre em Design de Moda pela Universidade da Beira Interior apresentou a sua colecção Primavera/Verão 2014 no Portugal Fashion. O convite surgiu depois de ter ganho o concurso Portuguese Fashion News/Modtissimo. Natural do Brasil a jovem que se apaixonou pela Covilhã ruma a Edimburgo na Escócia para fazer o doutoramento em sensores têxteis incorporados.

A conversa decorreu no Serra Shopping da Covilhã um dia depois de Pritt (nome artístico) de 31 anos ter vivido uma das mais importantes experiências no mundo da moda. Mostrar as suas criações no palco dos novos talentos do Portugal Fashion. Na véspera de apanhar voo de regresso ao Brasil a jovem designer de moda partilhou com o JF a aventura de casar e viver ao lado da sua cara-metade numa cidade com menos 650 mil habitantes que Uberlândia no estado de Minas Gerais. Nada que a tenha transtornado pois a ideia de um povoado junto à serra da Estrela sem movimento nem diversão rapidamente caiu por terra e o casal vê a Covilhã como um território próspero e cosmopolita. “A Covilhã já foi um centro económico importantíssimo para Portugal e embora tenha perdido alguma dessa influência, carrega uma história valiosa em tudo idêntica à de muitos Portugueses que conseguiram grandes feitos e descobertas”, afirma a jovem estudante que nos dois anos em que viveu na Beira Interior não esqueceu de conhecer a terra do descobridor Pedro Álvares Cabral. Foi na Covilhã que se desenvolveu toda a estratégia de participação em iniciativas que pudessem abrir horizontes no mundo da moda. Pritt participou com mais duas colegas da UBI num concurso europeu em França que lhe permitiu conhecer gente de toda a Europa, e nessa altura constatou que a UBI é conhecida no estrangeiro. Nessa altura teve a primeira oportunidade de mostrar a sua capacidade de trabalhar a lã e o burel. “Estando na serra da Estrela fui a Manteigas ver uma exploração de burel e por lá inspirei-me no pastor, criei duas peças de burel, um tecido excelente para desenvolver um vestido longo de cerimónia e um outro conjunto prêt à porter para o dia-a-dia baseado na realidade da calça larga do guardador de gado mais o colete e o boné. Foi uma experiência muito enriquecedora trabalhar a lã cardada e no burel”, conclui Pritt. “Agradeço à Universidade da Beira Interior por todo o apoio e incentivo que recebi nestes dois anos que aqui estive. A universidade foi fundamental para expandir os meus conhecimentos e horizontes e com este desfile, no maior evento de moda de Portugal, recebo o reconhecimento público de toda a formação que aqui adquiri”, salienta a designer que, no último fim-de-semana, mostrou as suas coordenadas na Passerellle Bloom do Portugal Fashion. Na passadeira para estreantes Priscila Franco apresentou conjuntos para a próxima Primavera/Verão cujas fotos foram imediatamente publicados no site da prestigiada Vogue. Mas chegar ao Portugal Fashion implicou a realização de outros trabalhos, vencendo outras provas de fogo. Foi assim há um ano no Modtissimo no Porto, uma exposição técnica onde as empresas de Portugal e do estrangeiro mostram tecidos dando oportunidade a novos designers. “A organização vai às universidades em busca dos melhores e através da UBI pude participar, na edição de Outubro de 2012, com o trabalho para os desfiles e outras provas. Fiquei em primeiro lugar com um trabalho vanguardista dedicado ao tema Galáxia XXI. A ideia foi criar algo diferenciado num tecido às riscas e num outro tecido de xadrez pouco recto. Um vestido de alças longo e no qual todas as riscas se encontraram. Criei ainda um casaco inspirado nos discos voadores com várias camadas, uma espécie de ovni com várias linhas à volta da nave”. O primeiro lugar permitiu à designer entrar directamente no espaço novos talentos do Portugal Fashion e um prémio de 300 euros que foi o valor atribuído pelo Modtissimo à criação vencedora. Pritt começou a estudar moda aos vinte e sete anos mas está orgulhosa de ter partilhado a passerelle dos novos talentos com outros designer que estão “a desabrochar para a fama”. Na alfândega do Porto apresentou, então, oito coordenadas às quais atribuiu o nome de “Colecção Ogive”, inspirada nas formas ogivais que estão presentes na arquitetura de estilo gótico. “Com esta inspiração simples, a coleção surgiu com curvas sensuais e fortes, marcando a feminilidade de uma mulher jovial, urbana e que gosta de estar elegante, com um toque de sportswear”. As cores da colecção são marcadamente claras e traduzem a jovialidade da mulher, que carregando muitas responsabilidades, é uma personagem alegre. De resto, a nacionalidade tropical da criadora, traduz-se na utilização de cores vivas nas colecções. Foi uma jovem de ADN contagiante aquela que tomou café connosco. Pritt leva na bagagem toda a experiência académica que a UBI lhe proporcionou mas também um coração cheio de memórias de uma Covilhã cujo “património deveria ser conservado”. E dá o exemplo do palacete junto ao Jardim Público da cidade como um dos “mais bonitos edifícios onde apetece morar”. Chegou à Covilhã com uma mão à frente e outra atrás mas leva uma mala cheia de recordações e o sonho de voltar a Portugal para desenvolver as suas competências em empresas como a Paulo de Oliveira ou a Penteadora e conhecer melhor os estilistas Carlos Gil e Miguel Gigante.

Publicado no Jornal do Fundão de 31 de Outubro de 2013

segunda-feira, novembro 04, 2013

Uma banda que atravessa gerações

A Filarmónica União de Santa Cruz assinalou 211 anos de existência. Além de realizar a festa da Santa Cecília- Padroeira dos músicos - promoveu um master classe que reuniu uma dezena de participantes. Orientada pelo professor, da Academia de Música e Dança do Fundão, David Machado a formação terminou com um concerto bastante aplaudido.



A história desta instituição bicentenária confunde-se com a história de muitas pessoas daquela localidade. Várias famílias têm na Banda de Santa Cruz um percurso de vida dedicado à música e aos instrumentos. Luís Santos é mestre da Banda União de Santa Cruz desde 1978. Mas o seu bisavô também por lá passou. Actualmente a formação composta por duas dúzias de músicos reúne vários descendentes da família Santos. O Rui e o Tiago são filhos do regente mas a família Santos também tem na banda dos netos Diana, Luís e o Gonçalo. Todos tocam instrumentos de sopro e o mais novo também se dedica à precursão. Para eles a música, seja ela qual for, é uma terapia e um modo universal de comunicação. Diana é a mais velha, toca saxofone, está no oitavo grau de canto. Vai seguir música mas o avô gostaria que Diana Santos chama-se a si a liderança da instituição. E Diana não diz que não! “Sinto alguma responsabilidade e no futuro alguém deve preservar este património, dependendo do rumo que a minha vida der verei”, afirma. Mas o avô Luís tem outras ambições: Instalar a colectividade na antiga escola básica de Aldeia Nova do Cabo. “Permitiria criar uma sala de ensaios com acústica e um espaço de aprendizagem para as novas gerações de músicos”. A par da mudança de instalações, a Banda União de Santa Cruz reclama um espaço mais seguro para o espólio da instituição. O designado Museu da Banda mora no edifício da junta de freguesia mas como às vezes chove lá, a humidade é um perigo para as partituras e instrumentos. Além da família Santos, também os Cunhas, que já estiveram na banda com o avô e o pai tem na formação um neto, e os Tavares têm um percurso de vida associado à Filarmónica. Os laços de família estimulam a dinâmica entre a população da Aldeia e a música. Uma dinâmica que marcou o master classe realizado no fim-de-semana de aniversário e que reuniu uma dezena de participantes dos 11 aos 28 anos. Da história da Filarmónica fazem parte inúmeros concertos na região e em Lisboa (a convite da associação de amigos e naturais de Aldeia Nova do Cabo) bem como a presença em cerimónias presididas pelo Presidente da República ou por vários governantes. Uma das últimas actuações aconteceu na Twintex, empresa de prestígio da região, que ofereceu o novo fardamento da formação que agora volta a vestir de azul. Com uma saúde financeira estável a Banda de Santa Cruz espera continuar a realizar muitos concertos por forma investir em novos instrumentos. Depois do saxofone alto estreado nos 211 anos, faltam bombardinos, clarinetes e outros que se juntam à tuba que a junta de Aldeia Nova do Cabo lhes ofereceu.

Publicado no Jornal do Fundão em Outubro de 2013

quinta-feira, outubro 31, 2013

Três homens e nove meses de gestação de um carro de corrida


Paulo Dias, Jorge Domingues e Breno Oliveira, têm em comum o gosto pelos automóveis. Os primeiros dois são sócios. Breno Oliveira juntou-se ao projecto e acrescentou-lhe a experiência de quem já trabalhou no fabrico de carros de Fórmula 1. Do sonho à realidade foram nove meses. Sacrifícios e horas roubadas à família. Mas valeu a pena. O Fórmula Tuga, integralmente construído no Fundão, já passou no primeiro teste. Foi há dias em Braga! Ao volante foi o piloto da Covilhã, João Fonseca, mas o ”menino” passou pelos braços de cada um dos engenheiros.




A construção de um veículo automóvel para competição, made in Fundão foi o motivo desta conversa a três. À mesa da Cervejaria Imperial, no Fundão. O mesmo local onde há nove meses estes três especialistas em engenharia automóvel, começaram a desenhar um veículo que poderá tornar-se num projecto de relevo no mundo dos carros de competição. Entre revelações e explicações, descobrimos o que move Paulo Dias (professor de mecatrónica automóvel) e Jorge Domingues (empresário no fabrico de reboques), sócio do primeiro na empresa que fabricou o veículo. A “Fanspeed Racing lda”. Ao centro, Breno Oliveira. Engenheiro, especialista em dinâmica automóvel, detentor de uma larga experiência académica e de fabrico de automóveis. Trabalhou para a empresa espanhola de Fórmula 1 HRT e deu “um forte impulso e know how “ao carro que agora lhe apresentamos. Começou a ganhar forma em Dezembro de 2012 e nove meses depois ficou pronto para o primeiro teste competitivo oficial. Foi há dias no circuito do Sameiro em Braga. A empresa Multireboques Lda de que é proprietário o Jorge Domingues foi o centro de produção. Foram muitas noites sem dormir, preenchidas com um trabalho minucioso que ocupou estes três inventores também ao domingo. O Verão trouxe o produto final. Um veículo veloz e versátil. Chassi monolugar, tubular, dispõe de uma carroceria que cobre todos os componentes mecânicos, sem apêndices aerodinâmicos, motor de 1200 centímetros cúbicos (proveniente de uma moto),cinco velocidades e abastecido a gasolina. A segurança é outra das singularidades do veículo que dispõe de duas crash boxes, à frente e atrás, para absorver impactos. Eis o carro fabricado no Fundão para competir na categoria da Fórmula Tuga e em provas onde estarão igualmente os Fórmula Ford, Fórmula Vee e outros. “Tem um motor com 130 cavalos, 590 quilos com o piloto, é um monolugar”. Não estando totalmente contabilizado o investimento inicial, os produtores sublinham o espírito de abertura e cooperação das muitas empresas do distrito de Castelo Branco que se associaram ao projecto. “Temos empresas muito válidas, capazes de responder a solicitações de peças com especificidades que além de concluídas a tempo revelam que a região dispõe de empresas de uma capacidade tecnológica e científica capazes de as colocar nos píncaros a nível internacional”, destacam. “Temos uma ideia para a comercialização do produto, passa pela construção de uma versão mais económica do modelo de competição, posteriormente admitimos avançar para o fabrico de um produto que possa ser homologado para a circulação em estrada”, adiantam os inventores de um carro já registado mas ainda não patenteado. “O processo burocrático está em curso, pois a construção do carro passou por mecanismos inovadores”, concluem. O aparecimento de uma modalidade do desporto automóvel que passa pela existência de “monolugares com um só assento, com um chassi de aço sobre rodas descobertas e sem apêndices aerodinâmicos” foi o mote para o desenvolvimento do projecto. Os criadores do veículo quiseram tirar partido de uma particularidade: “Uma construção de um carro cuja cilindrada respeitasse a designada Fórmula Tuga e a relação peso/velocidade”. Acresce ainda a discriminação positiva atribuída ao produto concebido em Portugal, explicou Paulo Dias. “Nós queríamos construir um modelo que mais tarde pudesse ser um carro desportivo e possa ser matriculado e utilizado na via pública. Encontramos aqui uma fórmula de rentabilizar o investimento inicial, aproveitando a possibilidade de o modelo vir a ser replicado em veículos para estrada”, esclarece Jorge Domingues. Para já as atenções estão concentradas no modelo para provas específicas mas a intenção futura é dar maior visibilidade ao projecto económico. Entre adaptar algo concebido no estrangeiro ou construir um modelo de raiz, os promotores do veículo focaram-se na segunda hipótese e o produto final parece do agrado dos especialistas. Que o digam os responsáveis pelo circuito Single Seater Series de Braga (prova de monolugares inserida nos Campeonatos Nacionais de Velocidade) onde o protótipo se estreou recentemente, tendo alcançado o primeiro lugar na sua categoria. “Esta prova foi o teste zero. Alcançamos o primeiro lugar na Fórmula Tuga, tendo em conta que somos pioneiros na apresentação de um produto completamente fabricado em Portugal, teve um sabor muito especial”. 

Publicado no Jornal do Fundão de 3 de Outubro de 2013

quarta-feira, outubro 02, 2013

Catarina Rondão uma vida que se confunde com o desporto

Inspirada em José Mourinho e portadora de uma enorme vontade de ganhar. Dirigente associativa, desportista e professora descrente quanto ao futuro da educação em Portugal. Eis Catarina Rondão. Nelita para os amigos! 

Gosta de café e até lhe parece que a cafeína pode ser um bom aditivo para a prática desportiva, mas preferiu uma água fresca. “Ativa-nos antes da competição, de preferência se for tomado meia hora antes da prova”, explicou a presidente do Grupo Desportivo de Valverde (GDV). 
É presidente desde 25 de Agosto. “Fui quase empurrada porque dava aulas de ginástica e manutenção às pessoas de Valverde e dei-me conta de que havia ali infra-estruturas que poderiam ser rentabilizadas. A direção cessante lançou-me o repto para eu avançar. Primeiro achei a ideia descabida, pois nunca me vi dirigente de topo, mas depois…! Valverde é a única aldeia com condições para ter de tudo um pouco. Seria um desperdício o clube não apostar em coisas diferentes. Como amante do desporto não poderia excluir-me”. 

O lema é Desporto Para Todos. “Teremos caminhadas temáticas ginástica de manutenção para senhoras, manteremos o futsal”. Promover o todo o terreno com grupo Bate Mato, também é uma aposta. Sustentabilidade é a palavra de ordem num clube que não quer ser subsídio-dependente. “Hoje o associativismo não se compadece com carolice. Tem de haver reconhecimento do trabalho de quem dinamiza os clubes. Temos de ser mais profissionais que carolas”. 

Aos 29 anos, Catarina Rondão será uma das poucas - senão a única- mulheres à frente dos destinos de um clube que, tendo um percurso vincadamente virado para o futebol, está a iniciar uma viragem. “Queremos torná-lo mais eclético. Aberto a toda a população”. 
O GDV passará a centrar toda a componente desportiva de formação no futsal. Mas haverá espaço para o pedestrianismo, cultura (cinema ao ar livre, teatro e exposições são uma hipótese) e combate ao sedentarismo”. 
Não sendo comum a população do interior estar familiarizada com modalidades como canyoning ou rappel e outros desportos radicais, Catarina Rondão confidencia-nos que em Valverde há condições para todas as modalidades. E fala-nos desse espírito de motivação e competitividade. “Crer na possibilidade de chegar ao topo. É isso que faz a diferença no desporto e em todo o lado.” Uma matriz que, enquanto treinadora, tenta transmitir aos seus jogadores. “Mas não é regra pois os objetivos definem-se mediante a realidade de cada grupo. Para ganhar é preciso haver motivação, dedicação e empenho”, esclarece. 

Catarina Rondão já foi atleta. Começou no atletismo no Grupo Desportivo de Valverde, passou pelo Agrupamento de Escolas do Fundão e pelo Grupo de Convívio e Amizade nas Donas. Foi selecionadora distrital de futsal. Antes disso, integrou “a geração de ouro” de desportistas do distrito de Castelo Branco. Sob orientação do então selecionador distrital de futsal, Catarina Rondão, bebeu de José Luís Mendes algumas das suas competências para ser vencedora. 
Joel Rocha, atual treinador da equipa de futsal sénior do Fundão, também foi um dos mestres desta antiga campeã de futsal. Ao serviço das Donas e mais tarde com as cores da Desportiva da Estação, Nelita fez parte das primeiras equipas de futsal feminino da região. Conquistou títulos. Um patamar que ainda não alcançou na sua ainda curta carreira de treinadora de futebol no Clube Académico do Fundão. Nada que a fragilize. 

O caminho faz-se caminhando. Parece um lugar-comum. Mas não é! No café à mesa da Pastelaria Jardim, no Fundão, Catarina Rondão partilhou connosco o seu palmarés e as experiências mais enriquecedoras de uma vida integralmente dedicada à atividade física. Também nos contou das frustrações da professora de educação física. “É com muita tristeza e frustração que nos damos conta que estudamos para uma finalidade e um ideal de ensino que está cada vez mais distante do sonho”. Como é que chagamos aqui, perguntei-lhe. Respondeu que “o problema não é de agora, houve exageros repetidos. Os cursos de educação deveriam estar todos fechados. Mantemo-los abertos para quê? Pergunta. 

Catarina é professora do ensino básico, variante de educação física, desde 2007. Acrescentou à licenciatura um mestrado em educação física. No Ministério da Educação só teve oportunidade para leccionar 7 meses e uma semana. Diante isto, está tudo dito.

Texto publicado no Jornal do Fundão de 26 de Setembro de 2013

Fernando Paulouro, “Património Cultural de Interesse Público”

Uma plateia de amigos entre a assistência e os oradores que participaram no lançamento do segundo volume do livro Crónicas do País Relativo de Fernando Paulouro. Foi assim, na sexta-feira, na biblioteca municipal de Castelo Branco. Das intervenções destaque para as palavras proferidas pelo presidente da agência Lusa. Afonso Camões considerou o novo livro mais um exemplo do “grande esforço de cidadania”. Fernando Paulouro, apresenta um novo livro de crónicas “que mantêm uma extrema actualidade e que retractam o preço que esta Beira paga por ser Interior”, afirmou. Afonso Camões, enalteceu a “persistente insubmissão” que caracteriza a carreira de Fernando Paulouro e declarou o ex-director do Jornal do Fundão como “Património Cultural de Interesse Público”.
Numa sessão, a que compareceram dois amigos e jornalistas espanhóis, não faltou o elogio à “capacidade de resistência” de um homem que travou, nas páginas do Jornal do Fundão, muitas batalhas em defesa da região. O Poeta António Salvado revelou uma aparentemente desconhecida do grande público. “A batalha pela construção da galeria de arte moderna no Museu Tavares Proença”.
A geografia da Beira e os muitos projectos adiados ou concretizados marcaram a intervenção do autarca de Castelo Branco. Numa das últimas cerimónias públicas, antes do fim da carreira de autarca, Joaquim Morão enalteceu “um amigo cuja disponibilidade para promover a região é total e desinteressada”. “ O Fernando ainda não se retirou e com a sua pena ajudará a descobrir novos horizontes para a região”, prevê Joaquim Morão. “A verticalidade” do autor foram sublinhados por todos os oradores. Rui Jacinto, ex-presidente da CCDR do Centro, também esteve entre os intervenientes.
Diante tantos elogios, Fernando Paulouro diria que já “poderei morrer descansado”. Agradeceu “as palavras fraternas ou de atenção crítica” àquilo que escreve enaltecendo a presença dos amigos que “aqui vieram dizer coisas tão excessivas e para elas apenas encontro a explicação da amizade”. O autor de a Crónica do País Relativo sublinhou a importância de o novo livro ser lançado, uma vez mais, em Castelo Branco. “ Reafirmar a minha honra em ficar tão ligado a este ciclo da crónica do país relativo”, disse sobre Joaquim Morão.

O segundo volume do livro de Fernando Paulouro tem prefácio de Manuel António Pina, jornalista e escritor natural do Sabugal entretanto falecido.  A obra apresenta ainda um diário sobre “o trabalho dos dias” de quem não estando regularmente nos jornais continua a pensar uma região. Editado pela A23, o livro contém ainda um registo áudio, compilado por João Bento, sobre os dias em que Fernando Paulouro fez da mesa das conversas a extinta Rádio Jornal do Fundão.

Texto publicado na Rádio Cova da Beira Setembro 2013

Eugénio de Andrade o poeta maior

 Fui à Póvoa. À terra do poeta nascido há uma centena de anos. Encontrei memória falada, orgulho e expetativa quanto à importância de Póvoa ...