Na cidade
com uma população flutuante de aproximadamente dez mil pessoas, há lugares que
ganham vida com a chegada dos estudantes. Gente que se governa no decurso do
ano académico e que já não sabe estar sem a movida dos universitários. A
Saudade é um desses lugares de vida e memórias.
O que seria
a Covilhã sem os estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI)? A pergunta
em jeito de resposta marca as conversas entre a repórter e os transeuntes de
uma das ruas mais universitárias da Covilhã. Mas a realidade é comum a outras
artérias de uma cidade onde “existem negócios que sobrevivem à custa dos
estudantes”. É o caso da zona da Anil, bastante procurada pela população
flutuante da Faculdade de Medicina! Além do alojamento e alimentação, a noite e
a dinâmica de vida da gente jovem permitem que a economia local movimente
milhares de euros. Mas centremo-nos na Saudade. Ali é fácil darmo-nos conta da
presença e partida dos estudantes. Quem regressa às origens nunca mais esquece
o bairro. Quem permanece na Covilhã volta à Saudade sempre que a folia aperta.
Mas também há quem não volte e leve na bagagem a saudade os dias, num bairro em
que as, outrora, casas de habitação são hoje segundas casas. E quem passou a
morar em zonas mais chiques da Covilhã, aluga os antigos apartamentos os
estudantes. Até ao número 100 da Rua da Saudade amontoam-se os carros de matrículas
oriundas de outras terras. Há mais movimento nas ruas do que o habitual.
Pessoas que envergam traje académico e com pronúncia do norte. E embora aquela
artéria da zona antiga da Covilhã já não tenha a mesma dinâmica que antecedeu o
nascimento de outros bairros, na zona de expansão da cidade, a verdade é que a
calmaria desaparece mal chegam os estudantes universitários. Além do bulício
crescente, entre a rua e os becos de acesso à Faculdade de Arquitectura ou ao
pólo principal da UBI, das janelas das casas sai o som das canções do mundo.
Música em altos berros, jovens nas varandas e janelas num movimento que ganha
maior expressão nos cafés do bairro. O Café da Saudade é um desses pontos de
confluência de jovens de todo o lado. Não só os residentes no Bairro da Saudade
mas os estudantes que residem em zonas mais caras da Covilhã ou nas residências
académicas. Não há ubiano que desconheça a Saudade. Ponto de referência para
jantaradas de grupo e outras partilhas. Geografia de afectos, gerador de
relações humanas, lugar onde chegam a estabelecer-se relações de quase família.
A imagem da repórter é corroborada por Ester Ferrinho. “Há estudantes que
conheço há mais de dezassete anos. Concluíram o curso, constituíram família e
mantém-se por cá”. A proprietária do Café da Saudade conhece tão bem alguns dos
estudantes da UBI como a própria filha. Os seus gostos e defeitos, basta vê-los
entrar e consegue perceber se já dormiram ou se a noite foi ao relento. “Na
recepção ao caloiro e na semana académico é frequente vê-los a dormir à porta
dos prédios, nas escadas ou nos elevadores. Uma vez num café aqui do bairro,
estavam a regressar e alguns adormeceram debaixo da mesa de snooker”.
Revelações de Ester Ferrinho que reforça o sorriso cúmplice quando recorda os
dias em que lhe cantaram uma serenata. “Umas duas ou três vezes, a última foi a
semana passada e eu gosto. Sinto que também me estimam”. Ester e o marido Júlio
são uma entre muitas famílias covilhanenses que estreitam laços com os jovens
oriundos de vários sítios de Portugal. Gente que muitas vezes é uma espécie de
família de acolhimento com quem os estudantes podem contar. “Às vezes pedem-me
uma aspirina ou uma forma de atenuar a gripe. Também temos quem peça
complacência pela dificuldade e em vez de pagar a conta no dia fá-lo ao fim do
mês. Quando conhecemos bem, gostamos de ajudar e as famílias não esquecem”. A
escolha da Covilhã para estudar não está associada apenas a nota mínima de
entrada nos cursos. Muitas famílias recorrem à cidade neve por saberem tratar-se
de uma terra de dimensão média “em que toda a gente se conhece e onde o custo
de vida é mais económico”. Foi o que aconteceu com o estudante de medicina
Pedro Oliveira. Oriundo de Santa Maria da Feira, o jovem preferiu a Faculdade
de Medicina da Covilhã em vez da Lisboa porque a cidade é mais acolhedora e as
rendas (na Anil que é das zonas mais caras da Covilhã) custam menos duzentos
euros que em Lisboa ou no Porto. Convidado a estabelecer um paralelismo entre a
vida académica numa cidade do interior ou numa capital, Pedro admite que a
dinâmica de festas e iniciativas académicas está concentrada em dois momentos
(recepção e semana académica) mas que poderia “ser mais profícua se diluída ao
longo do período académico. Por outro lado haveria uma maior probabilidade de
estimular a economia”, diz.
Nuno é
covilhanense e reside num dos bairros mais frequentados pela juventude da UBI.
Não tem dúvidas em afirmar que o crescimento exponencial da população académica
“é uma mais-valia” para a Covilhã e contesta a ideia de que entre os
universitários haja gente perdida e com pouco juízo - como dizem alguns habitantes
mais idosos. “São óptimas pessoas, a doideira passa-lhes a fim do primeiro
ano”, esclarece. Alberto de Matos tem 85 anos e reside na
Saudade há mais de vinte. Já morou em outros bairros da cidade, igualmente
povoados de estudantes mas é da Saudade que guarda as maiores recordações da vida
movimentada dos universitários. As festas fora de horas e para as quais nunca
foram convidados mas que entram pela casa adentro de cada um dos moradores
daquela artéria da zona antiga da Covilhã. Memória tem muitas, umas mais
engraçadas que outras. Também tem muito presente o reboliço associado à chegada
de novos “novos magotes de malta” e das tiranias que fazem uns aos outros. Numa
alusão às praxes, Alberto recorda os exageros associados ao consumo de álcool e
partilha connosco episódios como aquele em que uma rapariga queria ficar sem
roupa ao pé do contentor. Gente cheia de vida que ora perturba o sossego dos
outros ora é boa companhia para os dias mais cinzentos. Sobre os comportamentos
acrescenta que os angolanos são mais calmos que os outros. Rafael Ferreira tem 22 anos é natural do Entroncamento e matriculou-se na
Universidade da Beira Interior (UBI) há três anos, por opção. Ainda não
concluiu o curso de Engenharia Civil e já está a desenvolver um projecto
económico que dá trabalho a estudantes mas também os encaminha para as melhores
casas ou na busca de bons resultados lectivos. No último Verão constituiu a ImoStudy, Imobiliária e Centro de
Explicações. Um negócio que vai da ajuda ao arrendamento para estudantes até às
explicações. Rafael quando chegou à Covilhã desconhecia a realidade do
território e muito menos onde se dirigir para obter serviços básicos. Nesse
caso constituiu-se como mediador imobiliário “não burocrático”. Em cada
estudante um amigo é o lema da empresa que já celebrou alguns contractos com
mais de uma vintena de pessoas que através da ImoStudy passam a conhecer a Covilhã fora das portas da UBI.
Estimular a integração da população flutuante numa cidade do interior é o
objectivo da empresa que consegue preços mais competitivos. é o objectivo da
empresa que consegue preços mais competitivos. Ao JF, Rafael adianta que a
estratégia de negócio passa por tirar partido do período de matrículas em que
cerca de dois mil estudantes chegam à Covilhã à procura de um abrigo. “Colocar
uma placa a informar que se aluga quarto ou que se arrenda casa, não chega. As
famílias querem saber mais sobre a cidade universitária e os locais que os
filhos poderão frequentar. Nós encaminhamos essas pessoas”, esclarece o
estudante empreendedor.
Dados dos
serviços sociais da UBI indicam que no ano lectivo de 2012/13 estiveram
ocupadas 742 das 815 camas em residência académica. A maior percentagem de
população em residência diz respeito a estudantes oriundos dos distritos de
Castelo Branco (10,38%), Porto (9,97%) e Aveiro (9,43%), seguido dos estudantes
estrangeiros que chegam á Covilhã por via do programa Erasmus e que totalizam
cerca de (23,58%) dos residentes em instalações da universidade. Recorrer a uma
residência académica não é para todos os estudantes, depende dos rendimentos da
família e normalmente a dormida em residência é encara como um suplemento à
bolsa. De acordo com o Artigo 19º do
Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior,
os estudantes bolseiros deslocados do ensino superior público que não tenham
tido colocação em residência dos serviços de acção social, “beneficiam, no
período lectivo em causa, de um complemento mensal igual ao valor do encargo
efectivamente pago pelo alojamento e comprovado por recibo, até ao limite de 30
% do indexante dos apoios sociais”. Relativamente ao apoio financeiro para o
estudante morar na Covilhã, não existe nenhum caso, visto que todos os
candidatos a alojamento foram colocados em residência académica. Os dados satisfazem a organização que defende os interesses dos estudantes.
“A UBI tem das melhores percentagens de cobertura de residências para
estudantes”, referiu Pedro Bernardo presidente da AAUBI. Os preços variam
consoante a modernidade e conservação dos imóveis. No caso da UBI, a Casa Pedro
Álvares Cabral (ao Sineiro) é a menos em conta. “O valor médio a pagar é de 110
euros, no entanto há residências a 80 euros”. Alugar quarto ou casa na Covilhã
significa igualmente diversidade nos preços e comodidade. A localização é um
factor muito importante tanto para quem procura como para quem investiu no
negócio. Morar ao pé da Faculdade de Medicina ou junto ao pólo principal pode
custar mais caro que escolher um quarto ou uma casa na zona da Saudade. “O
preço é variável, se um quarto pode custar à volta de 100 euros, a renda de um
T0 pode chegar aos 400 a 500 euros. Mas em média os preços por quarto andam na
casa dos 150 a 160 euros mais despesas de luz, água e condomínio e sem contrato
de arrendamento”. Pedro Bernardo esclarece que por exemplo na zona da Saudade
“os arrendatários têm a preocupação de uniformizar o preço”. Questionado sobre
a ausência de contractos de arrendamento o presidente da AAUBI lembra como a
“necessidade aguça o engenho”, pois os estudantes querem pagar o menos possível
e os senhorios evitam os impostos. Mas o dirigente estudantil também deixa um
alerta:”É importante que se estabeleça algum compromisso”. E a título de
exemplo conta ao JF a história de um ubiano que recentemente se atrasou uma
semana a pagar a conta e foi convidado a abandonar o quarto onde permanecia há
muito tempo. “Com um contrato estão sempre salvaguardados os deveres e direitos
de inquilino e proprietário”, alerta! Sobre a frequência de centenas de
estudantes na cidade que também depende da economia universitária, Pedro
Bernardo, salienta que a Covilhã ainda não aprendeu a conviver com as mudanças
de comportamentos dos residentes. Aludindo ao período em que centenas de novos
estudantes se instalam na cidade e às festas académicas, Pedro Bernardo
desvaloriza supostos exageros, barulhos e mudança de comportamentos e sublinha
“os proveitos económicos” que a população académica deixa na Covilhã.
Quadros relativos à população estudante da UBI nas residências, bem como o distrito de proveniência:
Distrito
|
Nº Alunos 1º,
2º e 3º Ciclos e MI
|
%
|
Nº Aluno
alojados na residência*
|
%
|
Castelo Branco
|
1734
|
27,31%
|
77
|
10,38%
|
Guarda
|
703
|
11,07%
|
54
|
7,28%
|
Aveiro
|
531
|
8,36%
|
70
|
9,43%
|
Viseu
|
514
|
8,09%
|
46
|
6,20%
|
Porto
|
468
|
7,37%
|
74
|
9,97%
|
Braga
|
394
|
6,20%
|
55
|
7,41%
|
Santarém
|
311
|
4,90%
|
27
|
3,64%
|
Leiria
|
278
|
4,38%
|
26
|
3,50%
|
Coimbra
|
196
|
3,09%
|
16
|
2,16%
|
Lisboa
|
185
|
2,91%
|
26
|
3,50%
|
Vila Real
|
160
|
2,52%
|
10
|
1,35%
|
Bragança
|
136
|
2,14%
|
8
|
1,08%
|
Viana do
Castelo
|
121
|
1,91%
|
19
|
2,56%
|
Setúbal
|
99
|
1,56%
|
14
|
1,89%
|
R. A. Madeira
|
93
|
1,46%
|
21
|
2,83%
|
Faro
|
86
|
1,35%
|
14
|
1,89%
|
Portalegre
|
72
|
1,13%
|
3
|
0,40%
|
R. A. Açores
|
62
|
0,98%
|
4
|
0,54%
|
Évora
|
28
|
0,44%
|
2
|
0,27%
|
Beja
|
23
|
0,36%
|
1
|
0,13%
|
Outras
localidades/ países/ Erasmus
|
156
|
2,46%
|
175
|
23,58%
|
Total Geral
|
6350
|
742
|
Publicado no Jornal do Fundão em Novembro de 2013