A vivenda localizada no 6 da rua da Catraia em Soalheira é todos os anos em agosto o ponto de encontro das três gerações da família Lima. António e Maria José já faleceram mas os filhos e netos, futuramente também os bisnetos, seguem lhes o exemplo num tempo em que a emigração é bastante diferente da fuga para o estrangeiro a salto e em nome da necessidade.
Emanuel Alves de 39 anos é o anfitrião deste
nosso encontro com a família na freguesia de Soalheira. Natural de Vichy perto de Clermont Ferrand na França é neto da família Lima e nesta conversa
de partilha com os pais Maria de São José Lucas Alves e Francisco Duarte Alves
confidencia-nos que se sente um estrangeiro em Portugal, país onde reside desde
os 23 anos de idade.
A história deste imigrante começa com o
percurso académico que o levou à Universidade do Minho para fazer Erasmus e à
Universidade da Beira Interior onde em 2004 concretizou um mestrado em economia
que lhe abriu caminho a um contrato de trabalho na administração pública.
Emanuel que hoje é técnico superior no
Município do Fundão sempre gostou de vir a Portugal visitar a família e
conviver com os avós, mas foi o amor pela namorada que conheceu num baile de
Verão que o fez repensar toda a trajetória de vida.
Hoje, casado com a professora do ensino básico
e pai de duas crianças nascidas na região da Cova da Beira. Emanuel explica-nos
que embora o seu adn seja francês não
esqueceu as sensações dos anos em que vinha dois meses no Verão para o
reencontro com avós, tios e primos. “Os cheiros e os sabores são diferentes”,
admite o economista que “gostaria de manter-se em Portugal” acreditando que
também as filhas “ficarão por cá para sempre”. “Uma delas fala corretamente o
português e o francês”, afirma o beirão de sangue luso e mente francesa. “Sou
um estrangeiro com complexos de liberdade de expressão”, confessa o irmão de
Cláudia Alves que, por sua vez, vive em França e regressa a Portugal a cada mês
de agosto.
“Foi um mundo novo que se abriu”
Os pais de Cláudia e Emanuel estão em França há
mais de 40 anos, seguiram os passos dos progenitores de Maria de São José Lucas
Alves. Atualmente passam o Inverno em França e o Verão em Portugal e na
conversa com o Jornal do Fundão recordaram os tempos antigos descrevendo a
emigração do novo milénio em que “as diferenças económicas se esbateram” pois
atualmente os emigrantes já não deixam o país de origem com o intuito de “ir e
ficar, trabalhando, reunindo recursos para fazer uma casa ou avolumar
património”.
Se a primeira geração de emigrantes rasgava
fronteiras para regressar à aldeia Natal e por aqui criar comodidades, a
segunda geração já viaja pelo Portugal até então desconhecido fazendo férias no
Algarve ou noutras paragens do território. Quanto à terceira geração, a família
Alves acredita que poucos terão interesse em retornar às origens familiares.
“Nunca renegarão a pátria mas não virão para a aldeia”, sintetiza Maria de São
José Lucas Alves.
A matriarca da família recorda com orgulho a
postura que sempre a caracterizou explicando que em França sempre fomentou a
multiculturalidade e integração. “Nunca escondi a dureza das minhas origens no
campo, mas também não fomentava o clubismo”. Muito embora se orgulhe do Benfica
ou da Seleção Portuguesa de Futebol, Maria de São José que foi baby-sitter e empregada de balcão
orgulha-se de “ensinar a língua portuguesa” às netas e às pessoas com quem se
cruzou.
“Os portugueses são sempre bem acolhidos e
respeitados pela seriedade e por não promovermos o conflito”, diz por seu lado
Francisco Duarte Alves que emigrou mais cedo que a esposa e começou por ganhar
a vida num picadeiro de cavalos”.
O serviço militar obrigatório levou para
Angola, pertenceu à companhia 2783, e juntamente com outros 150 militares
atuaram na guerra colonial. Mais tarde, regressado a França onde exercia
funções de motorista num matadouro, conheceu a esposa com quem celebrou
matrimónio em 1973. Maria de São José que desde 1972 se encontrava em França ao
pé dos pais (António e Maria José Lima) bebeu do “choque cultural e político”
numa cidade à altura com 30 mil habitantes.
“Foi um mundo novo que se abriu” afirma, segura
e feliz ao JF no dia em que nos recebeu na Soalheira.
“O português vai atrás das raízes, onde há um
português a comunidade adere”, explicam quase em uníssono os elementos do clã
Alves. Sobre a Soalheira que a mãe diz ser “a terra onde nasci”, e Emanuel vinca
como sendo “o local onde tudo começou”, Cláudia Alves vê-a como um lugar de
“paz e serenidade” onde admite que pretende continuar a vir e ao qual as filhas
estão intimamente ligadas. “A chegada do Verão é contar os dias”, afirma uma
das netas mais crescida. “Quando nos aproximamos de Valladolid sentimos que as
férias já começaram, os níveis de stresse abrandam e aqui chegados estamos em
paz”, conclui Cláudia.
Um emigrante que é viajante no mundo
Resiliência e energia não faltam a Carlos Braz
Nunes, 57 anos, natural de Silvares, emigrante desde 1988. Na verdade, o nosso
interlocutor, que regressou esta semana a Portugal para as ferias de Verão, é
mais que emigrante. É um cidadão do mundo que já viveu em Colónia, Eslováquia,
Itália, Inglaterra e Namíbia.
Desde a Suíça de onde parte para vir a Portugal
ou para longos períodos de trabalho em outros países, Carlos Nunes diz-nos que
emigrou para conseguir melhores condições de vida e recursos num tempo em que
ser emigrante chegava a ser “estafante”. “Hoje a vida é bastante mais calma,
apesar de viajar muito entre países”, vinca o emigrante manobrador de máquinas
e soldador. “O complicado é passar muito tempo sozinho e não fazer sentido ter
aqui a família, pois há anos em que durmo aqui três noites”, especifica o
silvarense.
Para este filho de emigrantes (os pais
estiveram na França e regressaram a Portugal quando Carlos Nunes tinha 10
anos), vir a Portugal “é quase uma rotina” pois viaja até Silvares mais do que
uma vez por ano por forma a estar junto da família nuclear. “Já nem me preocupo com as malas, viajo de
avião”, particulariza o cidadão que “voltaria a emigrar, mas nunca mais
deixaria a família para trás”.
“A emigração continua a fazer sentido embora os
tempos sejam de maior aperto e dificuldade”. “Antigamente emigrava-se para
amealhar e fazer uma casa. Atualmente é mais complicado, é preciso trabalhar o
casal para termos uma vida tranquila, antes disso ainda é preciso resistirmos
até mantermos um contrato de trabalho definitivo”, explica-nos Carlos Nunes.
Pai de dois filhos adultos e a residirem no
concelho do Fundão, Nunes esclarece que atualmente “o que se ganha aqui é só
para nos mantermos”. “A Suíça não é o que se ganha é o que se paga”, adverte o
cidadão.
E como são as férias de um emigrante, perguntámos.
“Este ano por razões de segurança sanitária não iremos, mas habitualmente a
família passa uns dias no Algarve. Também nos preparamos para o Inverno,
recolhendo lenha”. Carlos, seja bem-vindo à terra encantada!
Dulce Gabriel
Texto originalmente publicado no Suplemento JF COMUNIDADE do Jornal do Fundão em agosto 2020 e que pode ler aqui https://dl-web.meocloud.pt/dlweb/Kze0BqhuQUKzCf9R1l3yqw/download/JF%20Comunidade%20no%20Jornal%20do%20Fund%C3%A3o%20agosto%202020.pdf